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architexts ISSN 1809-6298


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Vera Santana Luz, além de apontar a grande quantidade de arquitetos influenciados em suas formações pelo convívio quotidiano com a figura de Joaquim Guedes, faz análise de diversos projetos e seu processo de produção


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LUZ, Vera Santana. Joaquim Guedes: à procura da justa medida. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 099.03, Vitruvius, ago. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.099/118>.

Uma grande quantidade de arquitetos de mais de uma geração tiveram, como eu, uma influência decisiva em sua formação pelo convívio quotidiano com a arquitetura de Joaquim Guedes e pelo seu modo de fazê-la. Rigor formal e construtivo, minúcia no detalhe, despojamento “franciscano” (2) e complexidade concentrada de decisões contidas em seus projetos produziram uma arquitetura cuja sobriedade corretíssima, longe de ser excessivamente cerebral, faz a analogia entre música e arquitetura parecer natural.

Ainda muito jovem, freqüentar a residência Beatriz Kerti, na rua Grécia, foi uma das determinantes de minha escolha em fazer arquitetura – o ritmo uniforme e impressionante do conjunto de células de dormir, a culminância na esplêndida sala, a articulação de ângulos de vidro em planta e altura e os brises suspensos na cobertura ascendente parecem remeter ao universo wagneriano.

Em seu escritório colaboravam arquitetos cujo convívio fez por potencializar a intensidade e o entusiasmo com que se debruçava sobre cada projeto – uma experiência que de fato construiu em todas as escalas – uma quantidade e qualidade de soluções para cidades inteiras, desde o traçado das ruas e espaços públicos, zoneamento e setorização muito refletida, na escolha em arregimentar a circunstância das atividades humanas e a geografia, até a determinação dos edifícios e seus pormenores; projetos de fábricas, escolas, residências, hospitais e um arsenal de detalhes, produção contínua de intenso raciocínio poético termo paradoxal que articula antípodas mas que no seu caso tem significado evidente.

Nesse ambiente aprendi sobre a capacidade do desenho arquitetônico conter em seu risco absolutamente abstrato a síntese e o amálgama de decisões que se podem fazer ver em sua plenitude no edifício edificado e a surpresa emocionada de comparar desenho e obra, obra e edifício em utilização.

O desenho da residência Liliana e Joaquim Guedes, no Morumbi tem esse poder. Quatro pilares, um prisma suspenso, límpida organização da planta, abas estiradas, muito alongadas e finas, algumas acentuações nos caixilhos do espaço da mesa de jantar e do dormitório do casal, uma escada debruçando sobre a sala sem qualquer cerimônia, o arranjo da maquinaria dos apetrechos da cozinha – bancadas em suspensão, portas imensas transformando a sala em terraço a plein soleil e, simples assim, um universo se organiza e se expressa para os olhos que aprendem a ver, tudo isso na singeleza insuspeitada do corte e da planta.

A residência Fabrizio Beer, a residência para Anna Mariani e sua casa na fazenda em Avaré constituem uma suíte para tijolo e concreto, tijolo e amianto, vidro e madeira. Temas e suas variações para serem “ouvidos” em pequeno concerto de câmara. Precisão matemática organizando a beleza. A estrutura não é mais assunto mas sustentação e métrica. Bach. Uma casa para lote relativamente estreito, em três pavimentos, que apresenta a potência do espaço no seu interior, discreta externamente, e alguns acentos nas janelas para oeste, ao modo de Aalto, que fazem o olhar se deter, refletir um pouco mais do que imaginaríamos se fora uma abertura exuberante; uma pequena casa de campo de uma água, planta em L, um discurso gentil e elegante na variação das aberturas, dando dignidade tanto à janela mais comezinha quanto ao plano de vidro e escuros conjugados, um pouco mais excepcional, controle preciso dos desníveis e espaços decorrentes e agenciamento inteligente do terreno ao redor; e, talvez a mais linda posto que mais singela, a casa de Avaré cuja sala começa na abertura de 1.80m, medida estritamente humana que raspa em seu limite mínimo e sobe na declividade desejada pelo telhado, ao passo que o piso faz por se acomodar em desnível, configura ambientes e debruça para o exterior num finale. Apenas 80m² talvez, um pouco mais, um pouco menos. Os quartos se abrem diretamente, sem compartimentação de área íntima, a circulação entre cozinha e sala passa por suas portas, com a maior franqueza e tudo dá certo – é agradável, convidativo, belo.

A cidade de Caraíba é uma experiência extraordinária. Desenhava-se até a dobra da telha e sobretelha para pingadeira dos oitões, ou o formato do pilares de madeira composto de peças padrão que raciocinam sobre os esforços fundamentais e constroem um elemento expressivo. Janelas simples, fachadas simples, plantas simplíssimas. Quartos com janelas centrais, casas térreas em dois, três, quatro lanços, à maneira de nossa colonização portuguesa, fachadinhas contínuas e planas como em qualquer cidade no interior da Bahia, uma lembrança fugidia de um art decó incorporado sobejamente pelo vernáculo, escolhido, pesquisado, verificado, estudado em estudo cromático, fotografado para melhor fixação de sua imagem (3) para constituir – imaginava-se -  um ambiente familiar, reconhecível pelos moradores, empregados da Caraíba metais.  A planta das casas, as plantas das escolas e a planta da cidade são uma aula de arquitetura. O conjunto de casas é sempre configurado como unidade de habitação com edifícios de apoio para as necessidades do dia a dia, as salas de aula são semi-abertas para pequenos terraços e pátios protegidos e o núcleo urbano para 10.000 habitantes reafirma a necessidade de área central – com praças, comércio, apartamentos para solteiros, colunatas de sombreamento e percurso, e, contíguo à área central, o clube, que permite a única excepcionalidade no traçado urbano.

O Guedes, tal qual uma criança, podia ser encantador ou mesmo cruel, penso que por vezes até inadvertidamente. Que tinha uma personalidade difícil é senso comum, mas creio que reiterar o que é senso comum, sabido e notório não cria nada nem ilumina uma nova maneira de ver, fica até meio sem graça. Quem gostou ou não gostou dele soube sempre perfeitamente com quem lidava. Ainda um comentário pessoal: não cultivava a vulgaridade tão comum a tantos ao menor sinal de talento ou projeção conquistada  -  nunca foi pernóstico, não fazia pose. Aliás, não era vulgar em nenhuma forma, tinha hábitos simples, alimentação simples, ouvia música erudita todo o tempo livre, quando não estava projetando. Os amigos que manteve e seus colaboradores mais constantes eram no geral gentis, discretos e eficientes.

Muito além das desavenças pude perceber o sentimento de tristeza com sua morte em quase todos que compareceram na sua despedida e, surpreendentemente ou não, o respeito pelas idéias, pela intensidade ou pelas coisas realizadas me fez ver que havia sentimento genuíno de perda e muito afeto no ar. Com sua morte, para além do pesar, o primeiro pensamento que me veio foi: inconcluso. Tal qual um esboço ou um traço que se insinua mas que para no meio, para ser retomado mais tarde. Uma vida intensa que foi cortada em pleno vigor;  imagino que poderíamos contar com pelo menos mais vinte anos de energia criativa. Mas quem conclui sua vida para morrer após?  As últimas lições que nos deu foram talvez estas. Não se conclui tudo e, brigar também contém uma misteriosa dose de amor e respeito.

A arquitetura, porém, resiste. Insiste em duração além das vidas humanas. Paradoxo que a matéria perdure com significado tão intenso, impresso por nós. Comovendo e servindo com nobreza, posto que feita para que a vida dos homens seja melhor, no entanto contempla nossa passagem fugaz e mantém um discurso silencioso, porém da maior eficiência e beleza para quem aprende ou acredita que pode ouvir a linguagem das musas.

notas

1
Nota da Autora – Expressão utilizada por Joaquim Guedes, parodiando Alberti, ao se referir, em uma conversa, ao que seria essencial nas as escolhas de um projeto que eu estava desenvolvendo.

Nota do Editor – Arquitextos nº 099 é uma homenagem ao arquiteto Joaquim Manoel Guedes Sobrinho, professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e presidente licenciado do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB/SP. Guedes faleceu no dia 27 de julho de 2008, após atropelamento ocorrido na cidade de São Paulo. Os artigos do número especial são os seguintes:

NOBRE, Ana Luiza. "A dúvida de Guedes". Arquitextos n. 099. São Paulo, Portal Vitruvius, ago. 2008 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq099/arq099_00.asp>.

CAMARGO, Mônica Junqueira de. "Guedes: razão e paixão na arquitetura". Arquitextos n. 099.01. São Paulo, Portal Vitruvius, ago. 2008 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq099/arq099_01.asp>.

ANELLI, Renato. "A cidade contemporânea: uma conversa com Joaquim Guedes". Arquitextos n. 099.02. São Paulo, Portal Vitruvius, ago. 2008 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq099/arq099_02.asp>.

LUZ, Vera Santana. "Joaquim Guedes: à procura da justa medida". Arquitextos n. 099.03. São Paulo, Portal Vitruvius, ago. 2008 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq099/arq099_03.asp>.

Além destes, temos ainda os seguintes artigos disponíveis sobre Joaquim Guedes no Portal Vitruvius:

BIERRENBACH, Ana Carolina. "A Caraíba de Joaquim Guedes. A trajetória de uma cidade no sertão". Arquitextos n. 087.02. São Paulo, Portal Vitruvius, ago. 2007 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq087/arq087_02.asp>.

SABBAG, Haifa Yazigi. "Arquiteto Joaquim Guedes, São Paulo, Brasil". AC – Arquitetura e Crítica, n. 008. São Paulo, Portal Vitruvius, nov. 2001 <www.vitruvius.com.br/ac/ac008/ac008_1.asp>.

E do próprio arquiteto Joaquim Guedes temos o seguinte artigo:

GUEDES, Joaquim. " Monumentalidade x cotidiano: a função pública da arquitetura". Arquitextos n. 071.01. São Paulo, Portal Vitruvius, abr. 2006 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq071/arq071_01.asp>.

2
Termo recorrente como referência à sua arquitetura utilizado por minha querida amiga arquiteta Anne Marie Sumner3Ver o precioso livro de Anna Mariani “Pinturas e Platibandas” que ao que creio decorre dessa experiência pois, ao que me lembro ela fotografara as casas que serviram de base para o raciocínio de Caraíba.

sobre o autor

Vera Santana Luz é arquiteta formada pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie e doutora pela FAUUSP. É professora da FAU PUC-Campinas, sócia do escritório Casa de Projetos e membro do Conselho Editorial de Arquitextos do Portal Vitruvius.

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099.03
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