O que se chama de “economia global”, no sentido de uma economia sem fronteira com hierarquias claras, não existe. A realidade consiste em um vasto número de circuitos globais muito característicos: alguns deles especializados, e alguns de nível mundial, além de outros de caráter mais regional. Os diferentes circuitos são compostos por grupos diferentes de países e de cidades. Por exemplo, hoje em dia, Mumbai faz parte de um circuito global de incorporação imobiliária, que inclui empresas provenientes de cidades tão diversas quanto Londres e Bogotá.
O comércio global de commodities, no caso do café, tem seus eixos principais em Nova Iorque e em São Paulo. Buenos Aires pertence a um circuito comercial global de commodities que também inclui Chicago e Mumbai. As commodities comercializadas globalmente – ouro, manteiga, petróleo, café, sementes de girassol – são, em alguns casos, redistribuídas e enviadas para grande número de destinos, independentemente dos respectivos pontos de origem. O atual colapso de grandes instituições financeiras, por envolver conjuntos específicos de circuitos globais, não está afetando todas as cidades globais da mesma maneira.
A proliferação desses circuitos decorre não apenas das forças econômicas globais. A migração, o trabalho cultural e a luta, empreendida pela sociedade civil, para preservação dos direitos humanos, do meio ambiente e pela justiça social, também acarretam tanto a formação quanto o desenvolvimento de circuitos globais. As ONGs estão, portanto, lutando pela proteção da floresta tropical em circuitos que incluem o Brasil e a Indonésia, os centros globais de mídia de Nova Iorque e Londres, e os locais onde estão estabelecidas as principais madeireiras e compradores de madeira, ou seja, cidades tão diversas quanto Oslo, Londres e Tóquio. outro lado de todas essas tendências é a crescente urbanização das redes globais.
A adoção da perspectiva de uma dessas cidades revela a diversidade e a especificidade de sua localização em alguns, ou em muitos, desses circuitos. Essas emergentes geografias intercidades começam a funcionar como infra-estrutura para várias formas de globalização. A primeira etapa seria identificar os circuitos globais específicos dos quais uma cidade faz parte. Eles variam conforme a cidade, dependendo das características específicas de cada uma, da mesma maneira que, em cada circuito, os grupos de cidades são diferentes. Isto mostra que as diferenças e características especiais das cidades são importantes, e que a concorrência entre as cidades é menor do que parece, ou seja, certa divisão global, ou regional, de funções, estaria desempenhando um papel mais importante do que parece.
Por exemplo, as economias do conhecimento de São Paulo, Chicago e Xangai compartilham um longo histórico de prestação de serviços para importantes setores da indústria pesada. Seus históricos econômicos nunca foram desenvolvidos, ou compartilhados, por outras cidades globais, tais como Nova Iorque e Londres. Dessas diferenças especializadas surge uma divisão global de funções. Assim sendo, uma siderúrgica, mineradora ou fabricante de máquinas, desejando se tornar global, irá a São Paulo, Xangai ou Chicago para obter serviços tais como assessoria jurídica, contábil e financeira, além de seguros, previsões econômicas e outros serviços especializados, e não irá a Nova Iorque ou Londres para obter esses serviços altamente especializados.
O reconhecimento do valor das diferenças ou características de especialização entre diferentes cidades e diferentes regiões urbanas na economia global de hoje demonstra como a história econômica aprofundada de um lugar influencia o tipo de economia do conhecimento que uma cidade, ou cidade-região, termina por desenvolver. Isto contradiz o senso comum, de que a globalização homogeiníza as economias. A variação dessa história econômica aprofundada depende dos detalhes da economia de uma cidade ou região. É mais importante do que se pensa, e influencia e afeta fatores que não costumam ser facilmente reconhecidos. A globalização homogeneíza padrões – para administrar, para contabilizar, para construir distritos de escritórios modernos e assim por diante, mas ainda requer diversificação das capacidades econômicas.
As capacidades de comercializar, financiar, prestar serviços e investir, a nível global, precisam ser geradas: elas não são simplesmente um derivado do poder das empresas multinacionais e dos avanços nas telecomunicações. A cidade global é uma plataforma para produzir esses tipos de capacidades globais, mesmo quando isto exige grande número de empresas estrangeiras, neste caso em cidades tão diversas quanto Pequim e Buenos Aires. Todas as maiores ou menores 70 cidades globais do mundo contribuem para a produção dessas capacidades em seus respectivos países, funcionando, portanto, como pontes entre a economia nacional e a economia global. Nesta geografia retificada e multicidades, a maioria das maiores 250.000 empresas multinacionais do mundo mantêm suas sedes em seus países de origem, independentemente do vasto número de filiais, subsidiárias ou empresas offshore que possam ter espalhadas pelo mundo, o que também ocorre com as multinacionais latino-americanas,com operações que se expandem, tanto regional quanto globalmente.
As mais de 1.200 empresas multinacionais estabelecidas no Brasil, que possui a maior concentração delas na América Latina, basicamente mantiveram suas sedes em seus respectivos países, ainda que contando com forte concentração e presença em São Paulo. Dentro de uma região tão vasta e diversificada como a América Latina, ficou recentemente claro que várias cidades funcionam como eixos importantes, cada uma delas representando um conjunto diferente de especializações e vantagens. Num primeiro grupo encontramos São Paulo, Cidade do México e Santiago, e num segundo grupo Buenos Aires, Bogotá, Caracas, Montevidéu, Monterrey, Quito e Lima. Finalmente, existe uma economia Latino-Americana no espaço global, incluindo cidades fora dessa região geográfica: Miami e Madri são proeminentes neste espaço. Por exemplo, os 20 principais bancos sediados na América Central possuem cerca de 200 ligações correspondentes com Miami, comparando com 35 ligações com Nova Iorque. Numa extensa pesquisa entre empresas latino-americanas, perguntando qual seria a melhor cidade da América Latina para negócios, a América Economia descobriu que as respostas freqüentemente mencionavam Miami.
O outro lado desta dinâmica é que, para que se torne global, uma empresa precisa se plantar em muitas cidades, que funcionem como pontos de entrada para as economias dos respectivos países. Esta função de ligação é crítica: os vários circuitos que ligam as maiores e menores cidades globais são a infra-estrutura viva da economia global, indicando que as cidades não estão simplesmente competindo umas com as outras. Uma empresa global não quer ficar apenas numa cidade global, mesmo se esta for a melhor cidade do mundo. Será desejável trabalhar com grupos diferentes de cidades, mesmo em caso de desvantagens sérias. Isto ajuda a explicar porque não existe nenhuma cidade global considerada “perfeita”. A atual fase global não funciona através de uma única capital do império global, que contenha tudo.
Um grande estudo empreendido pelo MasterCard, abrangendo 75 cidades, classificou as melhores cidades do mundo para comércio. Nenhuma delas ficou em primeiro lugar em qualquer dos 100 fatores, e nenhuma obteve nota perfeita. Londres e Nova Iorque, as duas principais cidades globais, tiveram nota baixa em vários aspectos – e nenhuma delas ficou entre as dez melhores nos quesitos começar ou fechar um negócio. Se considerarmos como de importância crítica o indicador de “facilidade para fechar negócios”, parte do qual seria “facilidade de entrar e de sair”, Londres ficou em 43º lugar e Nova York ficou em 56º. Talvez ainda mais surpreendentemente, Londres ficou em 37º lugar em “execução de contratos” e em 21º lugar em “proteção a investidores”.
O primeiro lugar nessas três variáveis foi obtido por Cingapura. Menos surpreendente foi descobrir que Nova York ficou em 34º lugar no quesito “qualidade de vida”: saúde e segurança. No Sul global, cidades como Mumbai e São Paulo obtiveram altas classificações em termos de serviços econômicos e financeiros, mas sua nota geral foi prejudicada por fatores relacionados com facilidade de fazer negócios e qualidade de vida, em decorrência dos baixos níveis de bem estar social afetando grandes segmentos das respectivas populações. De maneira geral, São Paulo ficou classificada num grupo médio, composto por aproximadamente 20 cidades, lideradas por Dubai e com Shenzhen na lanterna.
Esse grupo incluiu algumas das mais poderosas cidades do mundo. Esse poder também se baseia em várias e múltiplas condições: cidades tão diversas quanto Pequim, Mumbai, Tel Aviv, Moscou, Joanesburgo e Kuala Lumpur. Este grupo vai do 44º lugar ocupado por Dubai, com nota geral 47, ao 60º lugar obtido por Shenzhen, com nota geral de 40. As notas para as duas cidades principais foram 79 para Londres e 72 para Nova Iorque; logo em seguida vem Amsterdã, com nota 60, e Madrid, com nota 59, respectivamente em 10º e 11º lugares dentre as melhores cidades globais para o comércio.
Algumas das notas baixas de São Paulo corresponderam a variáveis macroeconômicas, tais como “estrutura política e jurídica” e “estabilidade econômica”. Cidades com níveis semelhantes desses dois indicadores, na América do Sul, foram Bogotá, Caracas e Buenos Aires, e fora da América do Sul, Joanesburgo, Mumbai, Moscou, Budapeste e Istambul. Subdivisões de indicadores, tais como “obtenção de licenças” e “registro de propriedades”, correspondentes à implantação, nas cidades, de leis e regulamentos nacionais capazes de exercer influências positivas, apontam para uma considerável variação no desempenho. Em São Paulo essas leis e regulamentos quase não alteram as variáveis macro-econômicas, tais como inflação. Entretanto, Bogotá, Buenos Aires e Caracas tiveram classificação bem melhor nessas subdivisões de indicador, em comparação com variáveis macro-econômicas puras, assinalando uma implantação mais bem sucedida.
Este desempenho urbano negativo também aparece através do indicador que mediu “facilidade de fazer negócios”, em que São Paulo se classificou consideravelmente abaixo de sua classificação geral no conjunto global de 75 cidades. Com Dubai acontece o oposto: em “facilidade de fazer negócios” ela teve classificação muito melhor que sua classificação geral. Quando os indicadores foram subdivididos, São Paulo ficou abaixo de sua classificação geral no quesito “abrir um negócio”, “empregar trabalhadores”, “fechar um negócio”, “serviços bancários” e “execução de contratos”. São Paulo ficou, entretanto acima de sua nota geral no quesito “proteção a investidores”, “obtenção de crédito”, e “facilidade de entrada e saída” – apesar de, neste último, Caracas ter se saído melhor.
A classificação de São Paulo, em 16º lugar no indicador “centro financeiro” fica bem acima de sua classificação geral, alcançando o escalão mais alto da economia global; Também Santiago, Cidade do México, Buenos Aires e Bogotá obtiveram classificações mais altas no indicador “centro financeiro”, comparadas com suas classificações gerais. As diferenças mais agudas foram encontradas para São Paulo e Buenos Aires. Em uma das subdivisões de indicador, a classificação de São Paulo pula, e fica entre as dez primeiras classificadas: “número total de contratos de derivativos” em 7º lugar, e “numero total de contratos de commodities” em 9º lugar. Ficou também em 12o lugar no item ‘instituições bancárias e financeiras’, em 20o lugar em “empresas de títulos e investimentos”, em 23º lugar em “operações com ações”. Sua classificação mais baixa na área financeira foi um 39º lugar em “seguradoras”, entretanto acima de sua classificação geral. Da mesma maneira, Buenos Aires ficou entre as primeiras 20 cidades em relação a circuitos financeiros específicos – em 14º lugar no número de “contratos com commodities” e em 15º lugar no quesito “valor de transações com títulos”.
Claramente, São Paulo é um dos maiores centros financeiros do mundo. Sua classificação geral, de 34,92 pontos, pode não evidenciar imediatamente este fato. Porém, mesmo os centros financeiros classificados entre os primeiros também ficaram bem abaixo da nota máxima ou perfeita, que seria 100: A nota de Londres foi 67,44, a de Nova Iorque foi 54,60, a de Frankfurt foi 46,73, a de Seul foi 52,76, e a de Chicago foi 40,52, enquanto Dubai obteve a nota 24,74, Atlanta a nota 8, e Edimburgo a nota 2. Essas classificações do indicador “centro financeiro” são parcialmente funções de: a) o enorme peso dos principais centros; e b) a existência de vários tipos de circuitos financeiros especializados (ações, commodities, derivativos, títulos). Isto deixa até mesmo os centros significativos, tais como Dubai e Edimburgo, com uma nota relativa muito baixa, contrastando, entretanto, com o fato de que Dubai, por exemplo, ficou em primeiro lugar no quesito “serviços bancários”, juntamente com os primeiros 20 classificados, com exceção de Chicago com 41, por ter perdido todos os seus principais bancos, Seul com 57 e Tóquio com 23.
São Paulo obteve sua segunda nota mais alta, de 26, como centro de negócios. Sua maior nota foi para “volume de incorporações de imóveis comerciais”, onde ficou em 4º lugar, logo abaixo de Shenzhen, que passou por uma fase de explosão na construção de imóveis. Mesmo assim, os contrastes de São Paulo em suas classificações por subdivisões de indicadores foram agudos, colocando-a em 49º lugar no quesito tráfego aéreo em aeroporto internacional. Neste crescente número de cidades globais e respectivas diferenças, podemos ver a perspectiva mais ampla de uma mudança para um mundo multipolarizado.
A perda das posições das cidades norte-americanas, em comparação com a pesquisa de 2006, faz parte desse deslocamento: Los Angeles caiu do 10º para o 17º lugar, e Boston caiu do 12º para o 23º, enquanto as classificações das cidades européias e asiáticas subiram, notavelmente a de Madri, que subiu do 17º para o 11º lugar. Essas mudanças adicionam conteúdo à perda da posição dos Estados Unidos como o poderio econômico e militar dominante, mas não significa que os Estados Unidos ficaram de repente mais pobres. Isto significa que as posições das outras regiões do mundo estão subindo, e que existem forças múltiplas e plurilocalizadas que estão influenciando tais variáveis econômicas, políticas e culturais. O recente crescimento das economias informais nas principais cidades globais da América do Norte, da Europa Ocidental e, em menor escala, do Japão, levanta várias questões sobre o que faria parte, ou não, das avançadas economias urbanas de nossos dias.
Três tendências sugerem que a maior parte da informalidade encontrada hoje em dia está de fato ligada a características importantes do capitalismo urbano avançado. Uma delas seria a aguda emergência e crescimento de economias informais nas principais cidades do hemisfério norte. Em segundo lugar, a geralmente subestimada proliferação de uma economia informal composta por profissionais criativos – artistas, arquitetos, designers, desenvolvedores de software, organizadores de eventos, etc., trabalhando nessas cidades. Finalmente, os novos tipos de trabalho informal estariam, de fato, funcionando como o equivalente informal de uma desregulamentação formal das finanças, telecomunicações e outros setores de ponta da economia, buscados sob a égide de “flexibilidade e inovação”. A principal diferença é que, enquanto a desregulamentação formal custa caro, e é paga com impostos e com capital privado, a informalidade custa pouco e se apóia basicamente sobre os próprios trabalhadores e empresas informais.
Esta nova economia informal, de profissionais criativos, aumenta muito as oportunidades e os potenciais de redes de comunicação, permitindo que esses artistas e outros tipos de profissionais trabalhem, pelo menos em parte, na informalidade, permitindo-lhes também atuar nos interstícios dos espaços urbanos e organizacionais, freqüentemente dominados por atores institucionais de grande porte, além de permitindo livrar o trabalho criativo da institucionalização. Nesse processo, esses profissionais contribuem para uma característica muito específica da nova economia urbana: seu caráter inovador, e certo tipo de espírito de fronteira, fatos que também podem ser interpretados como reinvenção da criatividade econômica urbana de Jane Jacobs.
Condições semelhantes às das cidades globais do hemisfério norte também podem estar produzindo um novo tipo de economia informal nas cidades globais do hemisfério sul, incluindo uma economia profissional criativa informal. A emergência desta última pode ser bem menos visível do que no hemisfério norte, pela parcial submersão dessa informalidade nas antigas economias informais que continuam a funcionar no sul global, mais como resultado da pobreza e da sobrevivência do que das necessidades de setores econômicos avançados.
Resumindo, a mesma reestruturação político-econômica que levou à emergência da nova economia urbana no final dos anos 1980 também contribuiu para a formação de novas economias informais. O declínio do complexo industrial, dominado pela fabricação, que caracterizou a maior parte do século vinte, e o surgimento de um novo complexo econômico, dominado pelos serviços, forneceram o contexto geral dentro do qual precisamos colocar a informalidade, se tivermos que ir além de uma mera descrição das instâncias do trabalho informal.
Portanto, apesar de muito ter sido comentado sobre a homogeneização trazida pela economia global às economias nacionais, estes fatos urbanos apontam, de fato, para a direção oposta, ou seja: cidades diferentes têm características diferentes. Firmas e mercados globais, além de empreendimentos culturais, querem estar em muitas cidades globais, porque cada uma dessas cidades expande suas respectivas plataformas globais de operações, e também porque cada uma dessas cidades poderia representar um papel de ponte, entre o global e as especificidades das economias e sociedades nacionais, assinalando, além disso, que cidades globais são construídas, desenvolvidas e concluídas.
As reconstruções e renovações de áreas centrais, que estão acontecendo em todas essas cidades, tanto em seus centros quanto nas periferias, ou em ambos, fazem parte deste novo papel econômico. A reconstrução de partes importantes dessas cidades, como plataformas para uma faixa de atividades e de fluxos globais em rápido crescimento, desde econômicos até culturais e políticos, também explica porque a arquitetura, o projeto urbano e o planejamento urbano se tornaram mais importantes e mais visíveis ao longo das duas últimas décadas, além de também explicar a crescente competição pelo espaço nessas cidades, e a emergência de um novo tipo de política, baseada na cidadania.
Um tema complexo, assunto de vários debates, seriam as vantagens e desvantagens em relação à textura social mais ampla dessas cidades e respectivos países. Entretanto, o fato de que as firmas globais precisam das cidades, e de fato de grupos de cidades, deveria permitir que as lideranças políticas e empresariais, além da sociedade civil, dessas cidades, pudessem negociar com as empresas globais, no sentido de obter maiores benefícios para suas respectivas cidades. Isto poderia levar a resultados positivos generalizados, se as classes governantes pudessem ver que essas funções econômicas globais poderiam se desenvolver melhor num contexto de uma classe média forte e próspera, ao invés de numa situação de desigualdade aguda e de polaridade, como existe entre grande parte das famílias. Por este exato motivo, as cidades globais européias foram mais bem sucedidas que as norte-americanas.
Como ficou evidente na conferência da Urban Age sobre a Índia, as tendências das novas cidades globais emergentes do hemisfério sul vivenciam as tendências, agora familiares, do norte: número crescente de muito-ricos e de muito-pobres, juntamente com uma expansão das antigas classes médias, empobrecidas. O que diminuirá nessas cidades serão as classes médias modestas e os setores econômicos de lucros modestos, que já tiveram importante presença nessas cidades, e constituem fatores críticos para a economia urbana, já que as respectivas rendas seriam, provavelmente, inteiramente gastas na economia da cidade. Sua presença representaria uma resistência embutida às reformas espaciais e sociais das cidades, ao longo das classes sociais extremas. Finalmente, meu cenário mais pessimista seria de que já existe a semente de um conflito no próprio espaço urbano, em parte devido à supervalorização e ao deslocamento, com as respectivas políticas de alocação de espaços.
Em algumas cidades, como por exemplo, Nova Iorque e Los Angeles, isto se exprime como uma pequena criminalidade difusa, e com um aumento da violência entre os desprivilegiados. Em outras cidades, tanto nas européias quanto nas Xangais emergentes, isto se expressa como novos tipos de racismo, que podem levar à violência física. Em outras, talvez São Paulo ou Rio de Janeiro, sua expressão mais extrema toma forma de guerra urbana esporádica, incluindo a guerra nos espaços das prisões.
Em minha opinião, precisamos urgentemente inovar, na fronteira da governança urbana. As velhas táticas burocráticas não funcionam mais. Esta é uma era urbana totalmente nova – com sua parcela de potenciais positivos e sua parcela de misérias. Nas cidades, nossos desafios de governança se tornam concretos e urgentes. Os países podem continuar a conversar, mas as lideranças urbanas precisam agir.
notas
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O presente artigo foi base da participação da autora no evento Uban Age, ocorrido em São Paulo em 4 e 5 de dezembro de 2008.
sobre o autor
Saskia Sassen é professora de sociologia e membro do Comitê sobre Pensamento Global da Universidade de Columbia. Obras em espanhol: “Territorio, autoridad, derechos” (Buenos Aires y Madrid, Katz, 2008); “Una sociologia de la globalización” (Buenos Aires y Madrid, Katz, 2007); “La globalizacion y sus espectros. (Buenos Aires, Fondo de Cultura Economica, 2004); “Perdiendo el control. La soberania en un contexto global” (Barcelona, Bellaterra, 2002); “Contrageografias de la globalizacion (Madrid, Traficantes de Suenos, 2003); “La ciudad global” (Buenos Aires, Eudeba, 1999); “La movilidad del trabajo y del capital” (Madrid, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, Gobierno de Espana, 1993)