Este artigo refere-se às questões de planejamento urbano, de arquitetura e de urbanismo em habitação de interesse social e algumas breves considerações sobre atuação governamental na matéria são discutidas. Pretende a partir da realidade cotidiana, estabelecer comparações com um estudo de desenho urbano elaborado na mesma área de intervenção do referido conjunto habitacional, visando evidenciar as implicações de um partido urbanístico-arquitetônico equivocado. Assim, dados comprobatórios e simulações de cenários tridimensionais auxiliarão o entendimento entre os dois casos, sendo um real e o outro hipotético. Tais comparações são mais de caráter didático do que a confirmação da espacialidade ideal, mas são notórios os ganhos alcançados com o novo ensaio propositivo aqui mostrado.
Como exemplo o artigo aborda o caso do Conjunto Habitacional Gervásio Maia (CHGM), situado na periferia sudoeste de João Pessoa-PB, que foi construído pelo Poder Municipal em parceria com o Governo Federal para minimizar o déficit habitacional do município. 1336 habitações unifamiliares foram entregues desde dezembro de 2007. Os contemplados foram famílias que sobreviviam em acampamentos de lonas, em prédios invadidos e parte de movimentos sociais organizados. O loteamento está dotado de saneamento básico, equipamentos comunitários como Unidade de Saúde da Família (USF), escola, creche, quadra e ginásio esportivos e praças. Segundo dados da Secretaria Municipal da Habitação - SEMHAB, o valor total da obra foi de R$ 24.070.130,4 sendo R$ 8.643.997,18 do Governo Municipal e R$ 15.426.133,22 do Governo Federal.
Como veremos, apesar dos esforços e da inegável contribuição social, alguns aspectos foram negligenciados, tanto de planejamento territorial, quanto de reeducação e transformação sócio-espacial que bairros desta natureza carecem, evidenciando a importância da reflexão crítica para as futuras ações governamentais na temática.
A escolha deste (CHGM) para as discussões aqui realçadas deve-se, também, pelo fato do mesmo ter sido premiado pelo Governo Federal no ano de 2008, o que desperta curiosidade em saber quais motivos levaram a tal reconhecimento. No portal da Prefeitura Municipal de João Pessoa a Caixa Econômica Federal (CEF), apontou este empreendimento, como o mais completo conjunto habitacional no país financiado pelo Governo Lula.
O Condomínio Residencial Gervásio Maia, empreendimento da Prefeitura de João Pessoa (PMJP), está entre os dez melhores projetos habitacionais do Brasil. O título foi conferido pelo 'Selo de Mérito', um reconhecimento oferecido pela Associação das Companhias de Habitação Nacional. A entrega da comenda foi na última quarta-feira (23), em uma solenidade no Hotel Ritz, em Maceió, e contou com a presença do Ministro das Cidades, Márcio Fortes, e do vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda. (3)
Do ponto de vista urbanístico, o CHGM apresenta na sua concepção a anacrônica repetição de casas térreas individualizadas e enfileiradas com reduzido aproveitamento do solo. A reflexão que podemos fazer neste momento é se tal modelo de conjunto habitacional conferiu mérito ao CHGM, será que, pelo que ensina a história da arquitetura e urbanismo modernos no tema, o conceito de habitabilidade involui? Eis a problemática que pretendemos investigar e provocar o debate.
Antes, porém relaciona o fato local ao nacional, reconhecendo a complexidade da crise habitacional nas cidades brasileiras, cujas origens remontam a passagem do Brasil rural para o urbano, do Brasil arcaico para o industrial, assim Maricato (2001) relata que:
Contextualização e precedentes
De modo geral, o processo histórico de urbanização do município de João Pessoa ocorreu de forma desordenada, seletiva e excludente. A priorização de investimentos em áreas mais valorizadas em detrimento das áreas carentes aumentou as desigualdades ao longo dos anos.
Segregação sócio-espacial e ineficiência de políticas governamentais para a provisão de equipamentos e serviços públicos de qualidade, somados ao aumento do déficit habitacional, agravaram a situação desde os anos 70 do século XX. Os reflexos deste quadro são vistos na paisagem urbana evidenciados pelos assentamentos precários e irregulares por todo perímetro urbano, situados não somente nas regiões periféricas, mas também nos espaços intra-urbanos e intersticiais do município. Como conseqüência, ricos e pobres convivem lado a lado no espaço urbano, mas em condição desigual de habitabilidade.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, de 2000, revelavam que a população de João Pessoa era de 597.934 habitantes. Destes, mais de 120.000 habitantes viviam em assentamentos inadequados e segundo projeção daquele ano, 126.120 pessoas habitariam em condições precárias de moradia no ano de 2006 com uma população estimada de 672.000 habitantes distribuídos em 211 Km². O déficit habitacional em 2006 era de 18,76% da população, aí incluídos tanto a necessidade por novas moradias (aspecto quantitativo) quanto as de melhora das já existentes (aspecto qualitativo). Em relação à carência específica por novas moradias, mais de vinte e três mil cidadãos pessoenses estavam nesta estatística. Hoje, esse número é maior e grande parte dessa população ocupa áreas de proteção ambiental, loteamentos clandestinos e demais ocupações espontâneas, resultando no cenário predatório da cidade informal e real dentro da cidade oficial. Na Paraíba, em média, 90% do déficit se concentra nas famílias que ganham até três salários mínimos.
Conjuntura e o partido urbanístico-arquitetônico do CHGM
Segundo dados citados, o déficit habitacional na cidade de João Pessoa cresce em progressão geométrica, isto significa que as ações para construções de habitações sociais devem ser planejadas não só em termos quantitativos, mas, sobretudo nos aspectos qualitativos da produção espacial. É, portanto um problema territorial, cujas implicações sócio-espaciais, físico-ambientais de determinadas intervenções repercutem não só na escala local, mas inevitavelmente na escala do território citadino. Nesta conjuntura, cresce a importância do melhor partido urbanístico-arquitetônico a ser adotado, sob pena de subutilizar o solo e a infra-estrutura instalada e de desperdiçar recursos públicos investidos. Além destes fatores, diante da crescente demanda por moradias para população carente, parece óbvio a racionalização do solo a partir da verticalização, sem contar na grande dificuldade de desapropriação, por conta dos órgãos governamentais, de terrenos planos e em condições favoráveis econômica e topograficamente para implantação de casas populares econômicas.
De certa forma, a área em questão, apesar de estar situada na periferia e pelas circunstâncias da cidade-mercado, é considerado um achado pelos urbanistas locais e com grande potencial, se bem planejada, para futuras intervenções no campo da habitação de interesse social. No caso do CHGM, o sítio escolhido possui 30 hectares (ha) de área, uma topografia predominantemente plana, situada na periferia sudoeste e vizinho ao loteamento Colinas do sul, cujos acessos se dão ou pelo bairro Costa e Silva ao oeste ou pelo conjunto Valentina Figueiredo ao sudeste.
Enquanto partido adotado, o solo foi parcelado rompendo a lógica do entorno de quadras ortogonais no sentido leste-oeste, inclinando as quadras em ângulo de 45º em relação às quadras dos loteamentos vizinhos. Em relação ao desenho do solo urbano, este segue a reprodução da quadra convencional, apresentando formatos retangulares e relação desproporcional entre uma grande quantidade de espaço privado (uso habitacional) em contraposição a fragmentados espaços livres e públicos (praças e equipamentos comunitários), habitualmente destinados para restos de parcelas do solo que cumprem os famosos 15% do código de urbanismo municipal - Art. 89 (...) da superfície a ser loteado o mínimo de 10% serão destinados a praças e jardins públicos e 5% para equipamentos comunitários.
Nota-se uma grande área de vias locais o que acarretou em alto investimento, embora muitas destas ainda estejam sem calçamentos, deixando para o futuro, por parte da prefeitura, as pavimentações destas, o que dificilmente ocorre num curto espaço de tempo. Essa desproporcional quantidade de vias para veículos é visivelmente paradoxal num bairro de baixa renda com poucos moradores proprietários de carros particulares.
Influências pertinentes e as implicações de um desenho urbano equivocado
A respeito da densidade urbana, implantação e tipologia a serem adotadas no estudo de desenho urbano, recorremos à historiografia da habitação social brasileira e a alguns exemplos dos anos 40 e 50, com renomados arquitetos modernos citados por Bonduki (2004), como por exemplo, Attílio Corrêa Lima e Carlos Frederico Ferreira, calcado nas idéias de progresso, e nas tipologias igualmente modernas produzidas pelos IAPs (Instituto de Aposentadoria e Pensões), que buscava unir arquitetura e urbanismo nas concepções projetuais.
Corrêa Lima, de fato, realizou verdadeiro proselitismo a favor da construção de conjuntos habitacionais renovados e do projeto moderno de cidade. Segundo ele, no célebre livro de Bonduki (2004).
Apesar da ácida crítica nos anos 40 a casa isolada, este discurso revela a tentativa, através da habitação econômica, da transformação social que passaria os usuários do estilo de vida rural e arcaico para o moderno e industrializado.
Observando de forma sistêmica para a realidade contemporânea da capital paraibana, as famílias que poderiam ser contempladas no desenho urbano, mas não foram por falta de planejamento e adequado partido, irão se juntar as demais excluídas e buscar abrigo de maneira informal em outras áreas impróprias, pressionando o meio ambiente e o crescente risco social, ambiental e urbano. Ou seja, mais lixos serão jogados em terrenos baldios, mais águas dos rios serão poluídas pelos despejos de esgotos, mais desmatamentos irão surgir e mais violência urbana irá agravar o quadro já alarmante da cidade de João Pessoa.
É claro que o déficit habitacional é enorme e vem de décadas atrás, mas as ações governamentais podem ser mais criteriosas, evitando imediatismos e planejando os investimentos em curto, médio e longos prazos. Do contrário, os custos indiretos derivados das ocupações desordenadas tais como saúde, segurança pública, trabalho e transportes, entre outras, ultrapassam os custos diretos de investimentos em terras já urbanizadas e devidamente articuladas com os benefícios sociais da vida urbana em áreas mais centrais, por exemplo.
É preciso considerar também outras modalidades de acesso as moradias populares, que não se restrinjam à construção de novas unidades em bairros periféricos (como o caso em questão), ampliando a oferta com a possibilidade de reabilitação em prédios desabitados nos centros urbanos consolidados, aproveitando a infra-estrutura existente e a facilidade de transportes coletivos.
Quando a opção for para a construção de novas moradias às famílias que ganham até três salários mínimos (maior parcela do déficit), a intervenção deve ser ousada e compatível com a demanda, o que não ocorreu com a tímida intervenção do CHGM, apesar das 1336 unidades parecerem muito.
As possíveis alternativas de desenho urbano mais viável em contraponto ao paradigma dos loteamentos anacrônicos governamentais
Para contrapor o modelo ainda vigente dos loteamentos governamentais em habitação social é necessário reforçar os seus aspectos negativos. Desta forma, as principais características do paradigma dos loteamentos anacrônicos são:
-
incapacidade de proporcionar qualidade de vida a maioria dos usuários;
-
desperdício e subutilização do solo urbano pela tipologia individual térrea;
-
subutilização da infra-estrutura instalada;
-
não contribuição com o desenho qualificado da paisagem;
-
prioriza, na configuração espacial, mais o transporte individual com mais vias locais nos espaços internos dos loteamentos em detrimento de vias para pedestres capazes de promover áreas de convívio coletivo;
-
aumento no custo de execução do sistema viário pelo excesso de vias locais;
-
não prevê áreas para geração de emprego e renda no desenho urbano;
-
nivela por baixo as provisões de equipamentos comunitários, cumprindo pura e simplesmente a legislação hermética vigente;
-
reproduz ambientes urbanos sem identidade, massificado e que contribui muito pouco para a auto-estima dos moradores.
As causas desses efeitos se encontram na prática tecnocrática do “planejamento” urbano, no pragmatismo, na pouca ou nenhuma valorização do ofício do arquiteto-urbanista, e na ausência da participação popular nesse processo. De praxe, só se faz o mínimo, não há o entendimento de que se estar construindo cidade e promovendo relações sociais. É urgente adotar alternativas de desenho urbano a partir de uma mudança de postura do partido e o necessário reconhecimento da arquitetura e urbanismo para a transformação positiva, sobretudo em bairros carentes. O estudo propositivo propõe essa mudança e se embasa na dimensão coletiva como sua justificativa maior. Considera que o contato mais franco para com as áreas públicas, com multiplicidade de usos nas áreas da intervenção pode contribuir para a vitalidade dos espaços cotidianos (ver cenários tridimensionais e implantação geral).
No CHGM, facilitado pela configuração espacial individual do pedaço de terra, e pela cultura do medo, lotes estão sendo fechados por muros altos, e o uso habitacional restrito nas quadras conforme os preceitos do monofuncionalismo refletem a paradoxal realidade dos pobres se protegendo dos pobres. Além do mais, as estreitas calçadas, as elevadas áreas de vias automotoras locais somadas a falta de áreas sombreadas também não contribuem ao encontro, nem às brincadeiras das crianças nas calçadas, e, portanto, nem a segurança.
Lamentavelmente, este paradigma de negação do espaço público é sistematicamente verificado não só nos bairros de classe alta e média-alta, mas nos de baixa renda também, a exemplo do caso em questão.Talvez motivados por legislações urbanísticas obsoletas, talvez por inércia da população em aceitar sem se questionar se não há outra maneira de apropriação espacial, ou talvez ainda pela hegemonia do urbanismo tecnocrático nas gestões municipais e estaduais.
Além disso, a história da habitação popular nos mostra que não basta entregar o empreendimento, é preciso um trabalho social de conscientização antes, durante e depois das obras a respeito de como conservar os espaços coletivos, num entendimento mais completo de cidadania, onde tanto os órgãos públicos quanto a população tem direitos e deverem a cumprir. Da manutenção do ambiente construído depende a sinergia entre o poder público, população e demais agentes sociais cooperados com a causa citadina, todos atores sociais do fato urbano.
Portanto, para encarar tal situação é proposta uma readaptação da relação público-privado, considerando um desenho urbano mais democrático e com co-responsabilidades intrínsecas. Desta forma as opções do bom desenho pode ser pela quadra aberta tal qual sugere Jáuregui:
O partido urbanístico-arquitetônico proposto: entre a cidade modernista, a tradicional e a contemporânea
O partido adotado segue uma intenção conceitual aberta e flexível, incorporando valores do urbanismo moderno, tradicional e contemporâneo. Dos conceitos modernistas prevalecem a implantação laminar ou pavilhonar dos edifícios, as áreas verdes intercaladas com o uso residencial, mas nega-se o monofuncionalismo, a separação estrita das funções e a supervalorização do automóvel ditando o desenho urbano. Da cidade tradicional incorpora-se a valorização da rua, sobretudo das calçadas, do uso comercial no térreo e a redução das distâncias. Da contemporaneidade evidencia-se a polifuncionalidade, a diversidade tipológica e a interatividade entre os espaços públicos e privados.
Sendo assim, das pesquisas de projetos correlatos modernistas dos anos 40 a 60, da observação do entorno, dos costumes dos usuários, além de algumas intervenções contemporâneas referenciais, surgiu o partido urbanístico-arquitetônico aqui proposto. O respeito à escala do pedestre, priorizando o passeio e fluxo seguros dos usuários, com o trânsito dos veículos automotores controlados por vias perimetrais as quadras, além da variedade, oportunidades múltiplas, e dinâmica volumétrica foram às principais prerrogativas projetuais consideradas. Respeitando os ciclistas e a alternativa de transporte não poluente, foi proposto uma ciclofaixa que percorre toda a extensão longitudinal da área, sugerindo a sua continuidade com o entorno. As figuras 12, 13 e 14 representam parte significativa destas influências.
Optou-se também pela verticalização leve e repetição movimentada na implantação com duas tipologias de blocos residências que se alternam, um com apartamentos no térreo e em mais três pavimentos superiores, o outro de casas geminadas com unidades nos dois pavimentos. Neste último, os semi-blocos das habitações geminadas expressam um movimento graças aos avanços e recuos e a mudança de direção dos acessos. A cada quatro unidades tem-se o acesso para uma via de pedestre, no seguinte muda-se o mesmo para o lado oposto, desta forma a vitalidade nos tráfegos de pedestres é dividida e equilibrada ao mesmo tempo. Nas extremidades dos blocos dos apartamentos, tem-se a possibilidade da inserção de comércio sem nenhum prejuízo plástico de tais edificações. (Fig. 16)
As áreas de lazer foram concebidas de forma descentralizada, com praças, playgrounds e jardins espalhados no mini parque urbano com cerca 2 ha de área, nas áreas livres e com equipamentos favoráveis as várias faixas etárias como crianças, jovens, adultos e idosos.
Nestas áreas, bancos, playgrounds, mesas de jogos, ciclovia, pista de cooper, spiribol, quadras esportivas, pista de skate (ralf), bancas de revistas, fazem parte do rol de equipamentos e mobiliários urbanos favoráveis a animação urbana. Além destes, no limite sudoeste da área de intervenção um centro de reciclagem (possibilitando gerar renda) e um núcleo de educação ambiental visam promover a mudança de comportamento e conscientização frente à problemática global da sustentabilidade ambiental. Arborização e gramados foram sugeridos por toda área de intervenção, pois além de favorecerem a sombra e amenização climática, contribuem para a estética urbana. Recomenda-se a plantação de árvores nativas que se adéquem ao clima quente-úmido.
Para evidenciar as discrepâncias nos aspectos quantitativos e qualitativos entre os dois casos foi necessário recorrer aos dados comparativos e a algumas simulações de cenários espaciais da situação hipotética. O quadro a seguir ilustra este aspecto e as diferenças, reveladas nos números, dos partidos adotados.
Iniciamos as reflexões neste artigo colocando a seguinte questão: se tal modelo de conjunto habitacional Gervásio Maia (CHGM) recebeu um prêmio do Governo Federal, será que, pelo que ensina a história da arquitetura e do urbanismo modernos no tema, o conceito de habitabilidade retrocedeu? Acredito que a resposta está na permanência do modelo central-desenvolvimentista (10) cujas ações ainda são centradas nas decisões tecnocráticas do poder público nas esferas federal, estadual e municipal, contradizendo com as determinações da gestão democrática do Estatuto da Cidade-Lei federal 10257.
Art. 2°. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
(...)
II - Gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (...)”.
Não só na Paraíba, mas em vários estados do país ainda estão sendo construídos conjuntos habitacionais massificados, onerosos, monótonos na paisagem e desarticulados com o tecido urbano do entorno. As principais razões são:
-
excessivo pragmatismo dos órgãos governamentais supervalorizando a questão “quantitativa” e exposição política em detrimento da face qualitativa e do planejamento urbano;
-
desarticulação entre Secretarias de Planejamento, da Habitação, do Meio Ambiente e de Desenvolvimento Social, que tomam providências paliativas após as obras ao invés de prever no processo de planejamento a relação sistêmica entre urbanismo, habitação social, meio ambiente e cidade;
-
desconsideração da participação popular durante a concepção, elaboração e definição do desenho urbano nos bairros populares;
-
comodismo em adotar as mesmas tipologias em vários bairros e comunidades, independente das especificidades espaciais, culturais, paisagísticas, topográficas e ambientais, porque o caderno de especificações já está pronto e os projetos complementares também;
-
pouca ou nenhuma articulação entre os poderes governamentais com o saber erudito das instituições de ensino superiores nos cursos de arquitetura e urbanismo, engenharia civil, geografia, sociologia, serviço social, entre outras;
-
centralização da gestão;
Procuramos ilustrar com breves fatos históricos, dados numéricos e simulações espaciais que para combater o modelo ainda hegemônico dos conjuntos habitacionais anacrônicos é necessário pensar a cidade e seus problemas intrínsecos de forma compartilhada, tendo a descentralização e co-participação em projetos estratégicos como sendo indispensável para a gestão urbana (11).
Diante a complexidade dos problemas urbanos e do reduzido corpo técnico das prefeituras, parece inteligente e necessário unir o conhecimento dos órgãos governamentais com os saberes eruditos da academia para amenização da crise habitacional e em prol da urbanidade coletiva.
Enfim, para as intervenções em bairros carentes são essenciais utilizar das ferramentas projetuais da arquitetura e do urbanismo como intrínseco ao planejamento urbano. Na prática, deve ser considerada a valorização estética das tipologias arquitetônicas, a provisão de espaços de lazer, serviços, postos de trabalhos e geração de renda preferencialmente próximo do local da moradia, evitando grandes deslocamentos e de acordo com princípios da cidade compacta sustentável, do contrário se pode estar construindo “favelas projetadas” nas periferias das cidades. Sem a pretensão de ser o ideal, o estudo de desenho urbano propositivo aqui mostrado nunca será construído, e nem foi esse o intuito, mas foi preciso utilizá-lo para reforçar os argumentos, realçar as conseqüências nocivas de um partido equivocado e para embasar as críticas que possam contribuir para a devida visibilidade nos circuitos de discussão urbana local e nacional.
notas
1
Colaboraram na parte gráfica dos mapas temáticos e das simulações espaciais presentes neste artigo, os estudantes de arquitetura e urbanismo Luciana Magalhães, Orcina Fernandes, Raquel Figueiredo e Saulo Leal, além do escritório ACRO.
2
COELHO, António Baptista – infohabitar blog, post “Mais e melhor habitação, mais e melhor cidade” de 16 de Março de 2008. Disponível em: <http://infohabitar.blogspot.com/2008_03_01_archive.html>. Acessado em jan. 2009.
3
JOÃO PESSOA. Prefeitura Municipal de João Pessoa. Caixa revela: 'Gervásio Maia' é o núcleo habitacional mais completo. Disponível em: <www.joaopessoa.pb.gov.br/noticias/?n=8687>. Acessado em 29 jan. 2009.
4
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana / Ermínia Maricato. Petrópolis Vozes, 2001.
5
“(...) para cada caso específico se deve estudar a densidade econômica ou ótima, levando-se em conta o nível e o gênero de vida da população, a estrutura ecológica da cidade e, sobretudo, o custo unitário dos equipamentos urbanos. Deve-se, dentro da realidade local, adensar ao máximo a população urbana. No Brasil, parece que a densidade econômica situa-se entre 250 e 450 habitantes por hectare (densidade residencial bruta média)”. In: FERRARI, Célson. Curso de Planejamento municipal integrado. 2.ed. São Paulo: Pioneira, 1979
A densidade econômica aqui citada é a bruta, o que confirma o baixo número do caso em estudo, ainda mais quando analisado por uma ótica sistêmica do déficit habitacional, onde a falta de habitações para a população mais pobre num primeiro momento irá repercutir, logo em seguida, em problemas sócio-ambientais num curto período de tempo.
6
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. 4. ed. São Paulo: Estação Liberdade, p.141, 2004.
7
BRAKARZ, José. (organizador). Cidades para todos: a experiência recente com programas de melhoramentos de bairro. IDB Bookstore - BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2002.
8
JÁUREGUI, Jorge Mario. Prêmio Caixa / IAB 2004 – Concurso Nacional de Idéias para Habitação Social no Brasil (categoria profissional) Disponível em: <www.vitruvius.com.br/institucional/inst104/inst104.asp>. Acessado em 12 de março 2006.
9
FIGUEROA, Mário. Habitação coletiva e a evolução da quadra. Disponível em: <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp357.asp>. O artigo aborda interessante discussão sobre habitação coletiva e os problemas decorrentes da densidade populacional urbana das grandes cidades durante o século XX, e o processo projetual modernista para enfrentar essa questão.
10
BONDUKI, Nabil. Habitar São Paulo: reflexões sobre a gestão urbana – São Paulo: Estação Liberdade, 2000. No capítulo 01, página 17, o autor confronta o modelo central desenvolvimentista que desde o Estado Novo tem orientado a ação do Poder Público nas cidades com a postura ambiental-participativa, mais democrática e descentralizadora do ponto de vista da gestão urbana.
11
Neste processo democrático de gestão urbana, o concurso de idéias para projetos arquitetônico-urbanísticos em áreas estratégicas da cidade ainda é uma grande ferramenta de planejamento quando articulado com os órgãos governamentais, instituições de ensino e o Instituto de Arquitetos do Brasil-IAB nas suas respectivas seções estaduais, na formulação do edital do concurso.
sobre o autor
Marco Antonio Suassuna Lima, arquiteto e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco FAUPE, docente do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal da Paraíba pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA. Entre 2005 a 2008 foi assessor da secretaria de habitação da prefeitura municipal de João Pessoa-PB