1. Introdução
“São sempre as mesmas!” reclamou Niemeyer ao fim de longo documentário cinematográfico que lhe foi dedicado (1), referindo-se às questões que lhe fazem em entrevistas e depoimentos. Ao desalento seguiu-se um desabafo quanto ao cansaço que lhe provoca discutir arquitetura, quando há tanta coisa na vida importante a fazer, como “curtir” amigos e denunciar injustiças sociais: um fecho costumeiro de suas falas.
Idade avançada, filmagem cansativa, excesso de entrevistas, qualquer razão de ordem prática pode ter lá seu quinhão nesse estado de ânimo. Mas resta a questão de saber se as entrevistas e documentários acerca de Niemeyer comportam de fato questionamentos. Isto é, a colocação de questões reais que cobrem respostas reais, combinando informação, reflexão, polêmica. Ou se, ao contrário, as aparições de Niemeyer diante da mídia obedecem a um roteiro já bem interiorizado por ele e pelos que o entrevistam a respeito de o que seja sua arquitetura, assim como seus princípios éticos, sua ideologia e seu estilo de vida.
Aceitando-se esta última hipótese, é preciso admitir que ele controle o contexto de sua fala acerca de si e de sua arquitetura, num crescente ao longo das décadas na razão direta de sua reputação e popularidade, sempre renovadas por novos projetos recebidos com festejos.
Controlar o contexto da exposição de si é prerrogativa dos dominantes em qualquer campo, e com o cultural não há por que ser diferente. Como a posição dominante de Niemeyer em relação aos pares concorrentes é tão vasta e tão antiga, a fala dele acerca de si e de sua arquitetura como que sai de seus lábios como uma récita complacente e confortadora. Ela vem, quase de cor, acompanhada pela agilidade no domínio do giz ou da hidrográfica, repetindo com graça e entusiasmo, diante do público, os principais riscos dos principais projetos (ou do último projeto), multiplicando ad infinitum o gesto da concepção inicial, prática que reforça o carisma da criação e a pregnância da forma e tende a liquidar dúvidas quanto ao reconhecimento de autoria.
Um controle nesse grau define tacitamente o que é perguntável ou não, que divergências se podem aceitar ou não, que dimensões da vida profissional ou pessoal podem ser abordadas e em que profundidade, com que outros arquitetos pode ser ele comparado sem risco de melindre ou disparate. Em suma, um grau elevado de controle produz um efeito imperceptível de censura que, no limite, pode tolher o aprofundar do conhecimento. Certamente é daí que deriva o efeito de mesmice que termina ricocheteando e aborrecendo o próprio entrevistado.
Este artigo pretende colocar-se fora desse clima de censura, mobilizando para isso material de natureza e de procedência diversas, aproveitando autores e fontes que ajudam a ver o que costuma ficar na sombra, ou ao menos fora de foco, quando o dizer sobre Niemeyer se confina às suas próprias palavras e às daqueles muitos que o cercam de verdadeira veneração ou incondicional amizade.
2. Construção e gestão de uma posição dominante
Todos conhecem a alentadíssima biografia profissional de Niemeyer, apoiada em uma rara longevidade. Celebrado desde o início pela comunidade de pares, por grande parte da intelectualidade brasileira, por políticos e outros segmentos da classe dirigente, tem recebido atenção em outros países, em particular de líderes políticos ligados ou simpatizantes do Partido Comunista.
Sua carreira, iniciada quando era ainda muito jovem, foi impulsionada por tamanhas circunstâncias favoráveis que, por volta dos cinqüenta anos de idade (quando a grande mídia, no Brasil e no exterior, o consagra pelos palácios de Brasília), ele se destacou definitivamente, em termos de conhecimento público e prestígio profissional, de qualquer outro arquiteto brasileiro.
Dentre tais circunstâncias favoráveis, as duas mais importantes parecem ser: primeira, ter pertencido ao círculo de artistas e intelectuais protegidos de Gustavo Capanema, ministro da educação e saúde durante o Estado Novo (1937-1945), círculo esse que se tornou referência de legitimidade artística no Brasil do século XX, além de representar o momento em que mais diretamente intelectuais e artistas puderam definir política cultural neste país. Sérgio Miceli refere-se a esse grupo e a esse momento, admitindo que “talvez (seja) um dos únicos momentos da história brasileira contemporânea em que se consegue discernir um projeto cultural inteiramente formulado e implementado pelos quadros intelectuais e artísticos da classe dirigente” (2). Segunda: ter associado sua carreira à de Juscelino Kubitschek, que, por mais de treze anos, chefiou Executivos com poder de encomendar arquitetura (3). Seu mandato de presidente, prensado entre dois prolongados regimes autoritários, estará registrado para todo o sempre, na memória de muitos brasileiros, como um oásis de democracia, forte crescimento econômico e modernização acelerada. Um político que, finalmente, se mostrou disposto a contornar ou atropelar quase tudo o que fosse preciso para ter Oscar Niemeyer a seu lado, de Pampulha a Brasília, e com ele trabalhar contra o tempo, epicamente.
A tese aqui é de que Oscar Niemeyer, tendo atingido patamar de excepcionalidade há setenta anos, tem conseguido administrar com facilidade sua posição dominante, mobilizando com coerência, bom senso e constância, um conjunto de dispositivos da cultura erudita. Mas tal facilidade tende a declinar na medida em que o prolongado status de consagração máxima não consegue evitar crescentes questionamentos dentro e fora da comunidade de pares. São questões que dizem respeito à proteção ao patrimônio cultural, à legislação de concorrências públicas, à política urbana, à atribuição de autoria e ao caráter e qualidade arquitetônica de seus projetos.
Para entender como ele faz é preciso lançar mão de alguns pressupostos que têm se mostrado heurísticos para o conhecimento social do mundo artístico (4). É com base nesse repertório que se procura enunciar algumas particularidades da arquitetura como campo cultural e esboçar a estratégia de acesso de Niemeyer a uma posição dominante, e o subseqüente modo de administrar essa posição.
Tomando dados da farta documentação, pode-se dizer que Niemeyer é:
A. Um artista que é produto exclusivo de sua obra. Contou com um respaldo de legitimidade que é central no modelo de êxito imposto pelos movimentos de vanguarda da segunda metade do séc. XIX e até hoje não superado. Raciocinando ao inverso, Niemeyer não deve o que é, por exemplo, a uma formação escolar, uma academia. Freqüentou a Escola Nacional de Belas Artes, mas quando esta já era decadente, e o curso de arquitetura, inexpressivo. Não deve também a um arquiteto de prestígio com quem tenha vivido a clássica etapa mestre-pupilo. Lúcio Costa não preencheu nem, ao que tudo indica, jamais pretendeu preencher tal papel (5). Niemeyer também nada deve à origem familiar, visto que não houve precedentes de arquitetos ou artistas plásticos em sua família de origem ou no círculo imediato desta, nem se serviu de dinheiro de família para obter formação profissional de exceção (ex: viagens ao estrangeiro) ou financiar a construção de seus primeiros projetos. Ou seja, não recebeu de forma significativa capital cultural, econômico, ou de relações sociais para o deslanche de sua trajetória.
B. Um artista que não faz concessões ao dinheiro, princípio este que de tão central chega a ser estruturante do campo artístico. Em relação a essa postura, seu discurso menciona reiteradamente: a) que teria chegado a arriscar o sustento da própria família quando decidiu absorver a “boa arquitetura”, trabalhando “por idealismo” com Lúcio Costa no início da carreira (embora não se precise o tempo em que viveu sob tal condição); b) que teria empregado dinheiro de seu bolso para evitar que projetos seus fossem desfigurados por falta de recursos (Obra do Berço, o exemplo mais conhecido); c) que costuma oferecer gratuitamente seus serviços quando uma causa maior ou a lealdade a um amigo assim o recomendem; d) que ele vive uma “vida simples”, sem luxo nem extravagâncias materiais.
C. Um artista que subordinaria os “valores da arte” a valores humanos “mais relevantes” (“virtudes do coração e do caráter”, acima das conjunturas e das competições (6)). Um artista virtuoso que não alimenta intrigas com concorrentes nem mesquinharias.
Para isso Niemeyer: a) em geral silencia a respeito da obra de outros arquitetos; b) não lê o que outros escrevem a seu respeito (7); c) em suas apresentações públicas, prefere o depoimento de artistas celebrados em outros campos com os quais tenha afinidade pessoal e ideológica (8); d) abre seus projetos à colaboração de pintores, escultores, paisagistas, como gesto generoso de solidariedade e integração das artes (9); e) entre esses valores humanos, estando seus ideais políticos, é capaz de colocar os interesses do partido acima de seus próprios interesses.
Como não se conhecem estudos focalizando a atuação de Niemeyer como membro do PCB, e sabendo-se que arquitetura é um gênero que não se presta ao proselitismo político como a ficção literária, as artes cênicas, o cinema e mesmo a pintura, é lícito supor que ele não tenha passado pelos constrangimentos e pelas angústias que sofreram outros artistas para conciliar as cobranças que o PC fazia com as aspirações a um reconhecimento propriamente estético, como foi o caso de Jorge Amado, na literatura (10), ou o grupo de pintores franceses ligados ao PC francês (11). Niemeyer sumarizou numa frase muito eloqüente a fácil convivência pacífica que manteve com a maioria dos políticos, no Brasil: “Nunca escondi minha posição de comunista. Os governantes compreensivos, que me convocam como arquiteto, sabem da minha posição ideológica. Pensam que sou um equivocado e eu deles penso a mesma coisa” (12). Quanto ao alcance social de sua arquitetura, ele se pergunta, no mesmo texto, com alguma ingenuidade: “Não sei por que minha arquitetura esteve sempre na área dos grandes edifícios públicos...”. Para responder, um parágrafo adiante, com a simplicidade de quem concilia a liberdade de criação com o politicamente justo: “E, como eles [os edifícios públicos] nem sempre correspondem a razões sociais justas, tento fazê-los belos, espetaculares. Com isso os mais pobres param ao vê-los, com espanto e entusiasmo. É o que, como arquiteto, lhes posso oferecer” (13).
3. Oscar Niemeyer: um nome «hors (la loi de) concours»
Pode-se considerar a arquitetura moderna brasileira tributária dos eventos que marcaram a construção do edifício do Ministério de Educação e Saúde/MES, no Rio de Janeiro, em 1936. Foi a anulação de um concurso público de projetos já com vencedor definido, solicitada por Lúcio Costa ao ministro Capanema, que abriu a possibilidade legal e institucional para que o ministério convidasse Le Corbusier para desenvolver um novo projeto, junto com Lúcio Costa e sua equipe.
A tarefa de projetar o novo edifício foi assim redirecionada para um grupo de jovens arquitetos mais diretamente identificado com as vanguardas arquitetônicas européias, simbolizando a vitória tática do “moderno” sobre o “anacrônico” no campo profissional. Tal vitória tática tem sido celebrada, desde o primeiro momento, como expressão do senso de oportunidade, da habilidade política e da clarividência de Lúcio Costa (14).
A anulação do concurso do MES, que na verdade foi um ato de força, ocorreu sob um clima político em que praticamente tudo se justificava em nome da necessidade de uma renovação profunda das estruturas sociais vigentes, precedendo, emblematicamente, a instituição da duradoura ditadura conhecida por Estado Novo.
A exigência de concurso público para projetos era tida, pela categoria profissional, como instrumento privilegiado para a afirmação da profissão e consolidação da cultura arquitetônica, tendo sido defendida pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil/IAB desde sua criação, em 1921. Os arquitetos vinham pressionando o governo para que abrisse concursos públicos para todas as edificações de certa relevância, e obteve vitória parcial com a Lei 125/1935, que restringia estes concursos aos “profissionais legalmente habilitados”. A necessidade de concursos públicos se justificava pela oportunidade de fazer emergir novos valores e ligava-se à elaboração de uma ética normalizadora de procedimentos profissionais. Elementos nesse sentido podem ser encontrados na atitude de Lúcio Costa quando do concurso para o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova York, de 1939. Ao renunciar à primeira colocação e declarar que a proposta do segundo colocado, Niemeyer, era o melhor projeto, ele deu provas desse compromisso com ética e com o avanço da arquitetura moderna (15).
Outro concurso, agora para o Centro Técnico da Aeronáutica de São José dos Campos, em 1947, também revela como se pode operar a solidariedade entre arquitetos modernos. Vencida por Niemeyer, a competição foi anulada por entenderem os militares que não deveriam confiar a tarefa a um integrante do Partido Comunista, ao qual o arquiteto recentemente aderira. Foram contratados os irmãos Roberto, classificados em segundo lugar, que decidiram repassar imediatamente o encargo ao colega originalmente vitorioso. Desde esse episódio, Niemeyer, aparentemente, deixou de participar de concursos públicos.
Como explicar, porém, a anulação de resultados de concursos públicos (em favor da sua contratação hors concours) em etapas nas quais todos os concorrentes já partilhavam um mesmo repertório de base (o moderno) e não mais se colocava o risco de discriminação político-ideológica? (16)
Segundo Geraldo Ferraz (17), Niemeyer, que assumira a coordenação dos trabalhos da então recém criada entidade para construção de Brasília/Novacap, suprimiria a realização de concursos públicos para os projetos dos edifícios públicos de Brasília, em desacordo com a minuta do edital de concurso originalmente elaborada pelo IAB (18).
4. Arquitetura do risco e os riscos da arquitetura
A biografia do arquiteto é farta de alusões a projetos que teriam sido oferecidos graciosamente a instituições, como é o caso de alguns memoriais e monumentos, e a amigos e clientes, especialmente os residenciais (19). A lista inclui projetos não construídos, como as residências João Cavalcanti (1940) e Gustavo Capanema (1947), ou construídos parcialmente de acordo com a proposta original, como o do Centro de Estudos e Convenções da Associação Médica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, 1973. A contratação de projetos institucionais e empresariais poderia incluir a oferta gratuita de um projeto residencial ao contratante. Assim foi com a residência de fim de semana na Pampulha, projetada para JK, em 1943; com a residência de Nara Mondadori, em Cap-Ferrat, em 1968; com a “casa de fazenda” de Orestes Quércia em Pedregulho, em 1990 (20).
Faz mesmo parte da imagem divulgada pelo próprio arquiteto a facilidade com que projeta, em “momentos de prazer” (21), capaz também de responder ao imediatismo dos objetivos administrativos e políticos que deram origem a alguns de seus projetos, como o Cassino da Pampulha, 1940, concebido em uma noite, ou o Teatro Nacional de Brasília, 1958, desenvolvido em três dias. Suas obras nasceriam de esboços a mão-livre de pequena escala, trabalho que realiza individualmente, passando para outros escritórios, arquitetos ou calculistas, a tarefa de viabilizar construtivamente a forma proposta. O método de trabalho do arquiteto, que privilegia a concepção e delega a elaboração dos projetos executivos e detalhamentos, chegou a ser utilizado como justificativa para atrasos e aumento dos custos originais por parte de empreiteiras (22).
Alguns desses esboços, provavelmente realizados sem contratação formal, deram origem a uma série de obras que lhe são imputadas, ainda que não reconhecidas na biografia oficial. Entram aí o projeto de urbanização da Praia do Forte, em Jurerê, Florianópolis, e o do Lagoa Iate Club, construída na mesma ilha, de 1957-59, descritos por Martins (23).
O interesse que vem cercando as realizações do arquiteto nos últimos anos, reforçado pelo aumento do seu prestígio em âmbito nacional e internacional, também é responsável por lhe serem atribuídos outros projetos ainda não reconhecidos pela Fundação Oscar Niemeyer. A Prefeitura de Caratinga tombou, em 2002, um coreto supostamente projetado por ele em 1980, a pedido de Ziraldo Alves Pinto. Em Teresópolis, foi também tombada a Escola Estadual Ginda Bloch, obra de 1966.
Outras obras parecem ter ficado ausentes da biografia em razão da perda de controle sobre as etapas posteriores de projeto, cujo resultado teria desagradado ao arquiteto. Este é o caso de uma série de edifícios de São Paulo, que constituiriam uma verdadeira “fase renegada” (24). Ou seja, o arquiteto omitiria de sua autobiografia obras julgadas indignas ou irrelevantes, além das que ele mesmo admitiu não corresponderem, de alguma forma, à proposta original, como o caso dos Anexos I e II do Tribunal de Contas da União, em Brasília, de 1994-98.
A proximidade do centenário de Niemeyer, por outro lado, ensejou comemorações que receberam ampla repercussão na mídia. Observou-se que, na medida em que o tom de celebração aumentava, cresciam as declarações de intenção de contratação de projetos de Niemeyer por parte de políticos e administradores públicos, algumas delas formalmente desmentidas por seu escritório na ocasião.
5. Singularidades da proteção patrimonial à obra de Niemeyer
A consciência de estar fazendo história e o desejo de marcar sua contribuição ao país levou Juscelino Kubitschek a utilizar o instrumento de tombamento de uma forma inédita no Brasil, preservando preventivamente construções significativas de Brasília. O “Catetinho”, residência oficial do presidente nas visitas ao canteiro de obras (e onde residiu Niemeyer durante a construção da cidade), foi tombada pelo Serviço do Patrimônio Histórico Nacional/SPHAN já em 1959, atendendo a um pedido de JK. Este princípio de precaução esteve presente ainda no tombamento da Catedral de Brasília em 1967.
Outros edifícios de Brasília projetados por Niemeyer foram tombados pelo Governo do Distrito Federal/GDF, em 1982, como o conjunto da Esplanada dos Ministérios, do qual fazem parte o Congresso Nacional, o Palácio da Alvorada, a Capela N. Srª de Fátima e o Museu da Fundação de Brasília.
O desejo de elevar Brasília à qualidade de Patrimônio Cultural da Humanidade fez o governador José Aparecido promulgar o Tombamento do Plano Piloto (Dec. 10.829/87), primeiro procedimento para solicitação do título junto à UNESCO, obtido no mesmo ano. O Decreto, que mantinha as quatro escalas urbanísticas da proposta de Lúcio Costa, condicionava a aprovação de projetos de construção nas áreas non-aedificandi à apreciação do órgão local que naquela época era o Conselho de Arquitetura, Urbanismo e Meio Ambiente/CAUMA (§ 2º do art. 10).
Em 1992, concluído o processo de tombamento, o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural/IBPC (25) editou a Portaria 314, que estabelece que “excepcionalmente, e como disposição naturalmente temporária, serão permitidas, quando aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília – arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer – como complementações necessárias ao Plano Piloto original e, portanto, implícitas na Lei Santiago Dantas (26) e no Decreto nº 10.829/87 do GDF que a regulamenta e respalda a inscrição da cidade no Patrimônio Cultural da Humanidade”. (§ 3º do artigo 9º).
Esta disposição tem sido contestada repetidas vezes. Em 1999, o procurador Ulysses Jacoby classificou de favorecimento ilícito a contratação de Niemeyer para o projeto do complexo cultural da Esplanada dos Ministérios, parte do qual foi inaugurado em dezembro de 2006 (27), dando início às comemorações do centenário do arquiteto: "Não há por que existir uma reserva de mercado para Niemeyer, por mais genial que seja sua obra". Em resposta, o consultor jurídico do GDF, citando a Lei de Licitações, que prevê sua dispensa no caso de notória especialização, argumentava que “não há ninguém mais competente para concluir uma obra que seu próprio autor. E ela é muito singular, pois vai ser feita na área mais nobre de uma capital, que é singular por ser Patrimônio Histórico” (28). A mesma reportagem revelava que o GDF se encontrava bastante seguro juridicamente inclusive para contratar Maria Elisa Costa, filha de Lúcio Costa, falecido no ano anterior, “para iniciar o projeto de revitalização da W3 sul e norte, seguindo as diretrizes traçadas por Niemeyer”. O GDF inauguraria, assim, a figura da “hereditariedade” nas disposições do § 3º do art. 9º da Portaria IBPC 314/92. Em 2004, a Procuradoria do Meio Ambiente, Patrimônio Urbanístico e Imobiliário do DF, questionou a constitucionalidade desta mesma portaria, em essência apenas instrumento com regulador interno, sem poder de anular um decreto do Poder Executivo (29).
O caso do projeto do Auditório do conjunto arquitetônico do Parque Ibirapuera, por outro lado, traduz o embate travado entre diversos agentes no campo das políticas públicas de preservação. Esta edificação, mesmo prevista no plano original de 1951, foi inicialmente proibida por encontrar-se em área tombada (o Parque fora tombado pela Prefeitura Municipal em 1992 e o conjunto arquitetônico de autoria de Niemeyer, pelo IPHAN, em 2002). Depois, sua aprovação ficou assim condicionada pelo Departamento do Patrimônio Histórico: “deverá ser respeitada integralmente a configuração da marquise atual, que é tombada e não poderá sofrer nenhuma forma de mutilação” (30). Sendo uma intervenção inédita de um autor sobre sua própria obra mais de cinqüenta anos depois, as discussões se deram em torno da autoridade do mesmo em ferir disposições legais que visavam proteger esta mesma obra tal como havia sido apropriada como patrimônio cultural da cidade. Apesar das críticas de Niemeyer (e algumas ameaças, como a de não assinar o projeto ou de nunca mais pôr os pés em São Paulo), o Auditório foi inaugurado em 2004, sem que a antiga marquise sofresse a supressão parcial proposta por ele.
A legitimidade cultural de Niemeyer pôde ser utilizada, por outro lado, para angariar vantagens indevidas; é caso exemplificado pelo projeto da Universidade Salgado Oliveira, em Brasília, pertencente ao senador Wellington Salgado, também patrocinador do Memorial Niterói do Caminho Niemeyer. A aprovação do projeto do novo campus, contratado em 2004, continuava impedida ainda em maio de 2007 por ferir o Plano Piloto de Lúcio Costa no quesito altura dos edifícios; ou seja, contrariava o próprio Decreto de Tombamento, de 1987 (31), além de estar fora da abrangência de linhas de transporte público e carecer de vias adequadas ao fluxo de veículos futuro. Não seria a primeira vez que o arquiteto pretendeu julgar a pertinência e permanência de valores urbanísticos da cidade, tentando agir com independência em relação aos mesmos. Já em 1998 Niemeyer recebera uma reprimenda pública de Lúcio Costa, que considerou “uma brutalidade” as duas torres então projetadas atrás da Praça dos Três Poderes (32).
O comportamento de Niemeyer, no caso de Brasília, chegou a ser até classificado de autofágico:
“Contraditoriamente, está a desenhar linhas, retângulos e curvas de modo incontinenti e a rabiscar a jovem capital com formas em concreto que não se podem denominar arquitetura. À frente dos próprios monumentos instala formas, oculta-nos as obras antigas para falar à força suas ‘novidades’. Repete com nosso maior cartão postal (a Esplanada dos Ministérios) o que fez na bucólica região do lago, ao instalar volumes de concreto, de vidros espelhados, a convite de governadores, ministros e outras autoridades. Niemeyer é o arquiteto autofágico, o que devora sua própria obra, o que devora sua própria história” (33).
A autoridade de Niemeyer poderia estar sendo utilizada, ainda, para aplacar reações a respeito de decisões políticas discutíveis, que envolvem espaços e edifícios de interesse patrimonial. Tal parece ser o caso da construção do novo Centro Administrativo de Minas Gerais, idéia acalentada por várias administrações estaduais. A “Era de realizações” de Kubitschek parece ter permanecido no imaginário político mineiro: Israel Pinheiro recorreria ao mesmo Niemeyer para ampliação do edifício administrativo, em 1969, proposta que, afinal, recusou indignado, por prever a demolição do edifício histórico (34). O governador Aécio Neves não mediu esforços para concretizar o projeto, cujas principais instalações foram inauguradas recentemente, tendo contratado o mesmo Niemeyer, em 2003, com honorários cobertos por empresas privadas. A conduta do governo mineiro foi classificada de totalitária, ao não levar em conta as críticas dos setores envolvidos, tanto em relação à nova localização do conjunto, situado em área de interesse arqueológico insuficientemente estudado, quanto em relação às soluções para ocupação do abandonado conjunto histórico da Praça da Liberdade. Além disso, também se critica a já citada falta de concurso público de projetos. Algumas leis teriam sido editadas especialmente para dificultar a reação de setores descontentes (35).
Contrastando com um possível descaso do arquiteto pelos conceitos instituídos de patrimônio, encontramos um novo fenômeno em curso: o tratamento dos projetos construídos de Oscar Niemeyer como bens patrimoniais “por antecipação”. Mesmo que a maior parte das iniciativas de tombamento ainda tenha origem em instituições como o Iphan e órgãos estaduais e municipais de preservação, neste caso consagra-se a obra antes mesmo de sua implementação, antes de confirmar-se o valor social agregado pelo tempo e pelo uso. É o caso do Caminho Niemeyer, em Niterói, cuja comissão encarregada expressou a intenção de pleitear sua diplomação precoce como Patrimônio Cultural de Humanidade junto à UNESCO (36).
6. A perspectiva da análise arquitetônica
Viu-se até aqui como a gestão de uma carreira, em tal grau dominante e prolongada, vem pondo em confronto representantes de categorias sociais diversas: políticos profissionais, ditadores militares, dirigentes do patrimônio histórico e artístico, empresários da construção, gestores de política urbana, jornalistas culturais e, obviamente, pares concorrentes.
Mas, em geral são confrontos explícitos e documentados, pois envolvem interesses de diversas ordens, em diferentes campos, comumente discutidos pela mídia; todavia, quando a questão a discutir é a da qualidade da arquitetura de Niemeyer os silêncios e embaraços se multiplicam.
Ao contrário de outras formas de expressão cultural, a base técnico-científica presumida, de forma justificada ou não, na avaliação arquitetônica de um prédio ou espaço é quase só partilhada por arquitetos (37). Resulta daí que o universo dos que se sentem capacitados a criticar tenda a restringir-se a outros arquitetos, ou seja, a pares concorrentes. É uma circunstância que aguça o receio de desqualificação, pela via da presunção de ressentimento, daqueles que apontam restrições ao que é havido como obra-prima e, por conseguinte, aos seus autores (38).
Mas tendência oposta se constitui, tornando possível um grau mais elevado de autonomia crítica: trata-se do número crescente de arquitetos convertidos a professores de teoria arquitetônica, assim como o de candidatos a mestres e doutores com tempo disponível para reconstituições históricas exaustivas. É nesse universo que se pode recolher alguma contribuição substantiva.
O arquiteto Edson Mahfuz (39), após submeter a obra de Niemeyer a uma análise tipológica, morfológica e compositiva, concluiu que ele teria transformado o esquema corbusiano “Dom-ino” em recurso adaptável a programas arquitetônicos de diferentes escalas. Ou seja, primeiro concebe um “sistema estrutural regular, racional e homogêneo” ao qual, a seguir, contrapõe um “sistema de espaços caracterizados como volumes independentes dentro desta grelha estrutural”. É um recurso que, por outro lado, permite inserir formas não ortogonais, linhas fluidas e/ou paredes curvas, definindo uma relação hierárquica entre estas e os espaços ou elementos secundários e repetitivos. Para Mahfuz,
“...Niemeyer emprega um método que consiste na aplicação de um número limitado de estratégias compositivas e elementos de composição a todos os tipos de programa, escolhendo dentro do universo finito do seu repertório as estratégias e elementos que lhe pareçam mais apropriados a cada caso. Este método implica a desvinculação entre forma e função, o que o afasta radicalmente do funcionalismo ortodoxo – que preconiza a função como geradora da forma – e nos permite estabelecer uma inesperada conexão entre seu método de trabalho e o método compositivo de um arquiteto aparentemente tão distante de Niemeyer como Aldo Rossi”. (40)
Estas estratégias definem três partidos básicos. O primeiro, que o autor citado chama de ‘monolítico’ ou ‘compacto’, “determina que todos os elementos sejam abrigados por um volume elementar, ou que tenda, na sua forma geral, à forma de um sólido regular tal qual um cubo, um cilindro, etc.” Os outros dois estão baseados na mesma estratégia compositiva elementar, na qual a cada função corresponde um volume separado e perfeitamente definido. O segundo, que seria o “instrumental projetual (sic) predominante na obra de Oscar Niemeyer”, relaciona estes volumes por interpenetração ou proximidade, caracterizando um único objeto final composto. O terceiro, utilizado em programas de grande escala, define volumes prismáticos regulares para as funções hierarquicamente menos importantes e formas mais complexas para as funções especiais, “em geral envolvendo o uso de curvas em planta e corte”, em composições em que as distâncias entre os elementos, ou partes do projeto, também são maiores.
Quanto a estas partes, o repertório de Niemeyer também pode ser classificado de limitado: o edifício-barra, a torre, a calota, etc. Os projetos maiores, que abrigam programas extensos, poderiam, inclusive, apresentar-se como um “verdadeiro ‘catálogo’, em que a maioria dos componentes é utilizada. O que, num primeiro momento, é invenção (como nas formas criadas na Pampulha), logo adiante se torna convenção e passa a ser parte de um repertório” (41). Mais grave, para Mahfuz, seriam os espaços residuais entre os volumes construídos, cujas características são insuficientes para a constituição de lugares significativos e que se apresentam recorrentemente nos projetos de Niemeyer. É um problema que cresce na medida do aumento da escala do projeto; ou seja, quanto maiores, mais se evidencia a indefinição funcional desses espaços, a ausência de encaminhamentos claros e de pontos focais que organizem a fruição dos mesmos e que relacionem entre si as edificações propostas.
As conseqüências urbanísticas inadequadas de alguns dos projetos de Niemeyer, decorrentes de decisões equivocadas e que teriam por base uma modernidade “anacrônica”, foram também questões colocadas por Comas, em 1986. Para este, as dificuldades de Niemeyer já estavam claras na concepção arquitetônica dos edifícios de Brasília, nos quais a abstração crescente o levara a “confundir arquitetura com escultura, sacrificando a lógica interna à plástica exterior – compreensível talvez no Palácio do Congresso, mas não justificável de todo; tendência a descurar a caracterização e a formalização do espaço aberto em torno ao edifício (...). E daí resulta um espaço aberto de maquete, perceptivamente desolador, conceitualmente passivo, experiencialmente inóspito” (42). O arquiteto aí reincidira injustificadamente no paradigma modernista de 1933, quando foram esboçados os princípios do zoneamento/segregação funcionais e padronização tipológica dos edifícios da Carta de Atenas, ignorando as evidências de sua inadequação à dinâmica urbana contemporânea.
Holston (43) talvez concordasse com a constatação deste apego do arquiteto ao passado: ao estudar Brasília, atribui ao mesmo paradigma a responsabilidade por subverter a ordem urbana tradicional. O papel ordenador do espaço aberto, com suas ruas, praças, pontos de encontro e mercados, dilui-se num espaço sem limites e sem outra função que a de emoldurar edifícios isolados e esculturais, que se realiza plenamente na nova Capital.
Outros autores demonstrariam a vigência de uma “metodologia de projeto baseada na manipulação de um restrito vocabulário formal” (44). Ou evidenciariam o valor icônico das formas geométricas simples utilizadas pelo arquiteto, cujo caráter auto-referente e escultural vem se aprofundando a partir de Brasília (45), reconhecendo seu potencial comunicativo que perpetua, por outro lado, a “arquitetura-espetáculo” ali inaugurada:
“Niemeyer selecionou, especialmente, a representação dos símbolos de poder e a liberdade plástica, em detrimento dos ‘pequenos detalhes’, conforme enfatizou em seu texto de apresentação do Memorial da América Latina. (...) A boa gestalt de sua arquitetura é bastante apreciada nos meios de comunicação visual: a catedral de Brasília tornou-se o ícone da Capital Federal, a Fiat lançou mão das colunas do Alvorada para identificar um de seus produtos (...). A pregnância das formas puras de Niemeyer conquistou um caráter histórico semelhante aos templos gregos ou à arte de Piet Mondrian”. (46)
Pode-se, portanto, examinar a obra de Niemeyer por meio de categorias analíticas instrumentais próprias da arquitetura, não se deixando seduzir pelo caráter intuitivo com que o arquiteto pretende justificar seus desenhos. Rompe-se assim com um enfoque que, retirando o processo criativo do campo das metodologias controláveis, deixa de oferecer lições úteis ao desenvolvimento do campo da arquitetura e abre mão da prerrogativa de fazer discípulos, bem como a de produzir exemplares verdadeiramente paradigmáticos. Evita-se, assim, uma circularidade de raciocínio que levará sempre à reafirmação da originalidade de sua obra, justificando indefinidamente, ao que tudo indica, a condição de “notório saber” que lhe é atribuída e que, no limite, bloqueia a ascensão de novos valores.
Aspecto pouco auspicioso da trajetória de Niemeyer é a escassez de discípulos, ao menos no sentido renascentista, e ainda válido, da cultura de ateliê que une mestres e aprendizes. Garry Stevens é um arquiteto contemporâneo que incursionou na sociologia das elites ao estudar a nata dos arquitetos do século XX, em âmbito mundial (47). Como resultado, oferece ele uma distinção entre arquitetos “maiores” e “menores”, indicando que os primeiros tiveram, ao longo da vida ativa, uma média de 16 discípulos, dos quais cinco, em algum momento, também se tornaram arquitetos “maiores” (48).
No caso de Niemeyer, como a autoria é sempre reivindicada individualmente, as referências a outros arquitetos participantes de algum de seus projetos são sempre esparsas e comumente imprecisas, sendo raros os casos de co-autoria explicitamente reconhecida, o que torna a comparação difícil, se não impossível (49).
Niemeyer sempre se recusou a discutir sua arquitetura de outro ponto de vista que não o da expressão plástica (50). Mas não tem conseguido evitar o crivo de uma análise mais completa, que leve em conta condicionantes técnico-ambientais, aspectos tectônicos e padrões desejáveis de habitabilidade e sustentabilidade. Fazendo isso, os pares concorrentes não estarão cobrando nada de espúrio, mas apenas empregando os critérios elementares do modernismo arquitetônico. Critérios que, aliás, a posição olímpica de Niemeyer acaba por deixar passar despercebidos.
notas
1
MARCEL, Fabiano (Dir.). “Oscar Niemeyer: a vida é um sopro”. Brasil, Santa Clara Comunicações – Europa Filmes, 90 min. 2007. [filme documentário]2
Miceli, Sérgio. Imagens Negociadas – retratos da elite brasileira (1920-1940). S. Paulo, Companhia das Letras, 1996. Citação à página 24.3
Kubitschek foi prefeito de Belo Horizonte de 1940 a 1945, governador de Minas Gerais de 1951 a 1955 e presidente da república de 1956 a 1960.4
Esses pressupostos são aqueles que descrevem o espaço da cultura erudita, no conjunto das relações de classe e em relação a outros domínios da cultura, tal como desenvolvidos por Pierre Bourdieu em sua vasta obra, inclusive e sobretudo no artigo “O mercado de bens simbólicos”, em: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. S.Paulo, Perspectiva, 1972.5
A importância da relação mestre-pupilo (ou sistema de ateliê) é caracterizada por Stevens em: STEVENS, Garry. O círculo privilegiado. Fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Ed. UnB, 2003.6
Nelson Werneck Sodré atribui-lhe as seguintes virtudes: virtudes do coração (bondade, generosidade, solidariedade); do espírito (amor à beleza, inventividade artística, juventude de idéias); do caráter (simplicidade, dignidade, fidelidade). Em: SODRÉ, Nelson Werneck. Oscar Niemayer. Rio de Janeiro, coleção “Eu”, 1978. Citação páginas 8-9.7
“...não leio nada do que escrevem sobre mim, embora existam 30 ou 40 livros” disse Niemeyer em entrevista à revista Época, ed. 03.03.2003, declarando preferir ler Simenon. 8
Exemplo: no documentário “A vida é um sopro”, op. cit na nota2, depõem Carlos Heitor Cony (escritor), Ferreira Goulart (crítico de arte e poeta), Chico Buarque (compositor, cantor e romancista), Eric Hobsbawn (historiador inglês), José Saramago (romancista português). 9
“Sou, sem falsa modéstia, o arquiteto que maior número de obras de arte incluiu na arquitetura”. Em: NIEMEYER, Oscar, As curvas do tempo. Memórias. Rio de Janeiro, Revan, 1999. Citação à página 218.10
Almeida, Alfredo Wagner Berno de. Jorge Amado: política e literatura: um estudo sobre a trajetória intelectual de Jorge Amado. Rio de Janeiro, Campus, 1979.11
VerdÈs-Leroux, Jeannine. “L’art de Parti. Le parti communiste français et ses peintres”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales. Paris, junho 1979, pp. 33-55.12
NIEMEYER, Oscar, As curvas do tempo. Memórias. Rio de Janeiro, Revan, 1999: 149.13
NIEMEYER, Oscar, op. cit., p. 248.14
Durand, José Carlos. Arte, privilégio e distinção. Artes plásticas, arquitetura e classe dirigente no Brasil, 1855-1985. São Paulo, Perspectiva, 1988 (2ª. ed. 2009).15
Costa, assim fazendo, se posicionou acima do próprio júri, de acordo com: DURAND, José Carlos. “Negociação política e renovação arquitetônica: Le Corbusier no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 16, ano 6, julho 1991. Todavia, só uma comparação exaustiva dos dois projetos poderá elucidar qual foi de fato a contribuição de cada um, para além dos exageros típicos dos discursos condescendentes de celebração recíproca.16
A análise sociológica recomenda evitar a atribuição de valor atemporal e absoluto ao concurso público sobre outras formas de escolha de arquitetos e de projetos. Ao que tudo indica, a valorização atual da primazia do concurso público até certo ponto exprime nostalgia de uma época (1950-1970) em que a comunidade dos arquitetos no Brasil era pouco numerosa e os organismos associativos eram dominados pelos modernistas, que partilhavam forte espírito de grupo e a mesma tomada de posição estética. No período subseqüente, a enorme expansão numérica do corpo profissional, resultante da expansão de Faculdades com menor poder de inculcação, teria feito aumentar a dispersão de tomadas de posição, tornando os concursos mais vulneráveis à infiltração de interesses externos, inclusive comerciais. 17
FERRAZ, Geraldo. Depois de tudo. SMC-São Paulo, Ed. Paz e Terra, 1982: 159.18
Ferraz, op. cit.,p. 159 e passim, sustenta também que Burle Marx lhe confirmara que diversos projetos já estariam em andamento, como a Praça do Três Poderes, mostrados pelo próprio arquiteto, o que lhe teria levado à recusa em participar dos mesmos e suscitado, ainda, uma forte reação do IAB. Segundo o autor, o grupo de arquitetos mais diretamente ligados a Niemeyer teria se organizado, então, para tomar a presidência da entidade, em um episódio turbulento que incluiria uma eleição fraudada, anulada posteriormente.19
A revista Época, ed. 03/03/2003, diz que “...metade do que Oscar faz não cobra. E o que cobra sai pela metade do preço”.20
E também com o Teatro Estadual de Araras, projetado por Niemeyer por solicitação de Orestes Quércia para atender a um pedido de sua sogra.21
Frase do arquiteto sobre os projetos reunidos na mostra comemorativa dos seus noventa anos, no vídeo documentário “Oscar Niemeyer: un architecte engagé dans le siècle”, de Marc-Henry Wajnberg, França, 2000.22
A construtora da sede do Superior Tribunal de Justiça/STJ, Brasília, acusada de superfaturá-la, diria ao Ministério Público Federal que o orçamento inicial fora elaborado "a partir de um esboço (...), pois é assim que o renomado artista trabalha, detalhando o projeto ao longo da execução", de acordo com a Folha de S. Paulo, em 13/02/2006.23
MARTINS, Paulo Edi Rivero. Patrones Arquitectónicos y Urbanísticos del Turismo en Florianópolis. Tese de Doutorado. Barcelona, ETSAB-UPC, 2004.24
Leal, Daniela Viana. Oscar Niemeyer e o mercado imobiliário de São Paulo na década de 1950. O escritório satélite sob direção do arquiteto Carlos Lemos e os edifícios encomendados pelo Banco Nacional Imobiliário. Dissertação de Mestrado. Campinas, Departamento de História, Unicamp, 2003.25
IBPC: originalmente SPHAN e hoje Instituto do Patrimônio Histórico Navional/IPHAN.26
Esta Lei (3.751/60) protegia o "Plano Piloto" em seu desenho, sem defini-lo em termos físico-territoriais, ou seja, sem explicitar que características do plano deveriam preservar-se, nem delimitar a área de abrangência do instrumento de proteção.27
Em 15 de dezembro de 2006, dia do 99º aniversário do arquiteto, foram inaugurados a Biblioteca Nacional Leonel de Moura Brizola e o Museu Nacional Honestino Guimarães.28
Correio Braziliense, Brasília, 7 maio 1999. Cidades, p.3.29
Artigo publicado no DODF de 21 de julho de 2004, “A preservação de Brasília e do estado democrático de direito”, firmado por Casimiro Marques de Oliveira, Procurador-Chefe da Procuradoria do Meio ambiente, Patrimônio Urbanístico e Imobiliário – PROMAI, DF.30
Apud CAMARGO, Mônica Junqueira de. “Sobre o projeto de Oscar Niemeyer para o entorno do Teatro no Parque Ibirapuera”. In Informativo eletrônico Vitruvius, Minha Cidade 125, Março 2005.31
ISTOÉ nº 1958, de 09 de maio/2007, matéria “Brasil Confidencial”, por Hugo Studart, p. 27.32
Folha de São Paulo, 03/12/1996. pp. 1 e 4-9.33
SANTOS, Gabriela Izar dos. “Brasília, Brasília, a capital, e Oscar Niemeyer, o autofágico”. Informativo eletrônico Vitruvius, Minha Cidade 129, abril 2005.34
VILELA, Jorge. “Liberdade não deveria virar museu”. Informativo eletrônico Vitruvius. Minha Cidade 109, Agosto 2004.35
Ver: “Patrimônio e desenvolvimento em BH. Palácios da Praça da Liberdade em risco”, de Benedito T. de Oliveira; “Liberdade, testemunho e valor. A praça da Liberdade em BH”, de M.B.Lopes; “Usos, abusos & desusos da Liberdade”, de J.E. Ferolla; em www.vitruvius.com.br.36
“Ainda não é oficial, mas a Embratur faz gestões na ONU e na Unesco para que o corredor arquitetônico seja tombado e transformado em patrimônio histórico da humanidade. Em caso afirmativo, Niterói será a 18ª cidade-monumento tombada no País.”. ISTOÉ Online, 07/07/2004, (por Liana Melo).37
Ademais, não existe propriamente uma crítica de arquitetura na grande imprensa, no mesmo sentido da que existe para artes cênicas, literatura, etc., áreas em que a mídia colabora para a formação de público e de mercado para bens culturais.38
Uma postura ambígua e dissimulada pode ser vista nas palavras reticentes de Joaquim Guedes, que alinha Niemeyer a outras personalidades extraordinárias, dizendo que elas são destinadas a “compreender e ampliar nossas vistas sobre o universo”. Que são figuras que, por falarem “diretamente com seus deuses e, sobretudo, consigo mesmos”, desconheceriam “em seu trabalho a pessoa humana”. Ver em: GUEDES, Joaquim. “Limites da arquitetura e dos humanos em Conversas com Gaudí”. In MARTINELL BRUNET, César. Conversas com Gaudí. São Paulo, Perspectiva. 2007. Citações às páginas 17-18.39
MAHFUZ, Edson. O clássico, o poético e o erótico e outros ensaios. Cadernos de Arquitetura Ritter dos Reis, V1. Porto Alegre, Ed.Ritter dos Reis, 2001.40
Mahfuz, op. cit. p. 130.41
Mahfuz, op. cit. p. 133. Itálicos do autor.42
COMAS, Carlos Eduardo. “Nemours-Sur-Tietê ou A Modernidade de Ontem”. Revista Projeto, V. 89, p. 90-93. 1986. Citação a páginas 92-93.43
HOLSTON, James. A cidade modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia. São Paulo, Cia. das Letras. 1993.44
QUEIROZ, Rodrigo Cristiano. 2003. O desenho de um processo: os estudos de Oscar Niemeyer para o projeto do edifício do Congresso Nacional de Brasília. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAUUSP.45
“Procurando analisar a relação entre as formas e o espaço, constata que os volumes de Niemeyer revelam, especialmente na fase pós-Brasília, o mesmo caráter auto-referente e espacialmente autônomo da escultura a que se remetem”. Fonte: BORDA, Luis Eduardo dos Santos. 2003. O nexo da forma: Oscar Niemeyer : da arte moderna ao debate contemporâneo. Tese de doutorado. São Paulo, FAUUSP.46
CARRANZA, Ricardo & CARRANZA, Edite G. R. 2005. Paço Municipal de São Paulo-1952 - Oscar Niemeyer e equipe. Revista Academia Belas Artes, v. 1 (:1-2).47
Stevens, op. cit na nota 6, usou a Macmillan Encyclopaedia of Architects (A. Placzek, ed.), N.Y. Macmillan, 1982, com 2.600 biografias de arquitetos famosos do mundo todo. O critério para distinguir um arquiteto “maior” foi a extensão do verbete, tanto maior quanto maior a obra e o reconhecimento do biografado.48
A noção de “discípulo” adotada por Stevens não inclui quantos possam ter consciente ou inconscientemente mobilizado em seu trabalho referências procedentes de projetos de Niemeyer.49
É preciso ler matérias de jornal e livros de memórias para se obter referências de Niemeyer a arquitetos colaboradores, como, na fase mais recente, seriam Jair Valera, Ana Elisa Niemeyer Attademo e Cecília Scarlach.50
“E, perguntado sobre a possível ênfase plástica de seus trabalhos, respondeu: ‘Na falta de outro assunto, o problema da funcionalidade surge sempre por aí’ ”. In Revista Caros Amigos, edição 74, 2003. Apud GRUNOW, Evelise. “Caminhos revisitados”, Boletim eletrônico Arcoweb, ed. 22/05/2007.51
Texto: “Quando a miséria se multiplica e a esperança foge do coração dos homens... Só a revolução. ON”.
sobre os autores
José Carlos Durand é sociólogo pela USP, com pós-doutorado em Paris (Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales, 1986-1988) e Nova York (NYU, 1999-2000). É Professor Titular (aposentado) da Fundação Getúlio Vargas/SP e Pesquisador associado do FOCUS (Grupo de Estudos sobre Instituição Escolar e Organizações Familiares), da Faculdade de Educação da UNICAMP. Autor de “Arte, privilégio e distinção. Artes plásticas, arquitetura e classe dirigente no Brasil, 1855-1985”. Ed. Perspectiva, S. Paulo, 2ª. ed. 2009.
Elena Salvatori é Arquiteta graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1977), Especialista em Urbanismo pela Universidade Luterana do Brasil (1984), Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1996) e Doutora em Teoria e História da Arquitetura pela Universidade Politécnica da Catalunha (2006). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.