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architexts ISSN 1809-6298

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Com a propagação de novas tecnologias, cresce também o seu uso em atividades de lazer. Com elas também se desenvolvem os chamados urban games (jogos urbanos) como o geocoaching, nos quais o uso real de espaços públicos faz parte do jogo


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SMANIOTTO COSTA, Carlos; STEINMEIER, Gilsa. A caça ao tesouro ao ar livre. Geocaching, uma oportunidade de lazer em espaços verdes. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 143.03, Vitruvius, abr. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.143/4332>.

Quando muitas das novas tecnologias evoluem e amadurecem, elas acabam se infiltrando em nossas vidas de maneiras não necessariamente previstas. Um bom exemplo são os telefones celulares e o Sistema de Posicionamento Global (GPS), cujos usos primários são óbvios: com eles se pode fazer e receber ligações, mesmo longe de casa, e se pode facilmente encontrar lugares ou pessoas, inclusive se localizar, caso esteja perdido. Mas eles oferecem cada vez mais possibilidades de uso, que vão muito além destas funções primárias.

Nesse contexto, surgem oportunidades inovadoras e lúdicas de usar estas tecnologias. Um exemplo são os chamados urban games (jogos urbanos), nos quais o uso de espaços públicos como play space faz parte do jogo. Utilizando tecnologia de comunicação, como telefones celulares, receptores GPS, câmeras digitais e internet, esses jogos variam desde o recriar videogames em uma "escala humana" (ao invés da escala em miniatura ou imagem abstrata de um monitor), a esconder "tesouros" para serem procurados via GPS.

Este último - chamado de geocaching (1) - é o sucessor mais difundido dos jogos urbanos. Por ser uma atividade de lazer que pode ser usada para melhorar as relações entre o usuário e o espaço, bem como por ser um incentivo para atividades físicas ao ar livre, vamos neste artigo analisar o geocaching e explorar o seu potencial de lazer e de interação com o ambiente urbano. Por trazer as pessoas ao ar livre, ou como uma razão para deixar a vida sedentária, combinando o fator aventura com o explorar de novos locais, o geocaching faz com que as pessoas aprendam a usufruir do espaço, a conhecer a sua história, a apreciar as suas qualidades, a se orientar, e em áreas verdes a apreciar e entender processos biológicos ou climático-ambientais.

Geocaching - uma febre crescente

Geocaching é uma forma moderna de caça ao tesouro, usando tecnologia de navegação do Sistema de Posicionamento Global (GPS). Ele é provavelmente o jogo urbano mais acessível e envolvente, por não ser nem complicado, nem necessitar de infraestrutura ou preparação, por ser adequado a quase todas as idades e à capacidade física de cada um. Com cada vez mais adeptos, eles já podem ser encontrados em praticamente todo o mundo. Um dispositivo de GPS portátil, o único requisito, pode ser adquirido por US$ 100. Assim, qualquer pessoa munida de um aparelho e senso de aventura pode sair pelo mundo à procura de centenas de tesouros.

O geocaching funciona de maneira simples: alguém esconde um tesouro - chamado de geocache ou simplesmente cachê (2) - em um lugar acessível e dispõe as suas coordenadas (latitude, longitude) e mais algumas pistas na internet. Munidos de um receptor GPS, das coordenadas e das pistas, os "caçadores" ou cachers saem à procura do esconderijo destes tesouros. Ao encontrá-los, eles assinam o livro de registros (logbook), recolocam o cache na sua posição original, e mais tarde postam os seus achados no site.

Um cacher registra o seu achado no Parque da Cidade de Bad Oyenhausen
Foto Gilsa Steinmeier 2011

O geochaching vive da atuação tanto do "proprietário", que o esconde, quanto do "caçador", que sai à sua procura. O cache pode ser grande ou tão pequeno quanto um recipiente de filme fotográfico ou até mesmo virtual. E o "tesouro", em muitos casos, fisicamente nem existe: na sua forma mais simples, encontra-se dentro do cache somente o livro de registros, para os caçadores registrarem o seu achado. Em outros casos, caches podem conter itens como pequenos brinquedos e/ou moedas (geocoin), que trocam de proprietário. Alguns contêm ainda pequenas placas de metal (travel bug), que com um número de série permitem ser rastreados. Um travel bug tem uma missão ou um destino, por exemplo, ir a Paris e voltar ao seu cache inicial. Há também os caches que envolvem duas ou mais localizações distintas, ou aqueles com enigmas ou quebra-cabeças, que devem ser decifrados para a obtenção da coordenada final do tesouro. A aventura de encontrar o tesouro é para muitos jogadores a melhor recompensa.

Alguns caches têm múltiplas partes, exigindo dos jogadores que decifrem pistas para levá-los ao cache propriamente dito
Foto Gilsa Steinmeier 2011

Maiores informações sobre o geocaching podem ser obtidas nos diferentes sites existentes. O mais difundido deles é o www.geocaching.com (3), que começou a operar há 11 anos, e já conta com mais de 1.250.000 cachers, em 200 diferentes países. Cada cache é controlado por revisores regionais antes da sua publicação na internet. A afiliação é gratuita e permite aos usuários ver as coordenadas para a maioria dos caches em seu banco de dados.

Algumas regras do geocaching

Primeiro, lembrando que GPS - Sistema de Posicionamento Global vem do inglês (Global Positioning System) e é um sistema de navegação baseado em satélites. Através dele, é possível determinar a posição aproximada de qualquer ponto no planeta (latitude, longitude e altitude). Uma vez que determinada a posição do usuário, a unidade de GPS pode calcular os mais diversos dados, como: velocidade, distância de viagem, distância ao destino, tempo de viagem, etc.

O GPS tem as mais variadas aplicações, tanto na navegação terrestre, marítima ou aérea, como na cartografia e agricultura. Ele é imprescindível em atividades em que é necessária a localização, tanto do ponto de partida como o de chegada. Um receptor de GPS já é um componente de vários aparelhos de comunicação e está presente em todos os telefones móveis. Além destas utilidades "práticas", ele também está sendo útil em esportes e lazer.

Geocaches estão escondidos por quase todo o mundo. Em alguns países, eles já estão bastante difundidos e com um grande número de seguidores, como Estados Unidos (o seu berço), Canadá, Nova Zelândia, Japão, Alemanha, França, Holanda e Bélgica. Habitualmente, os tesouros estão escondidos em locais que são importantes para o "proprietário", refletem seu interesse ou uma habilidade especial sua. Estes esconderijos podem ser muito diferentes. Eles podem aparecer em um parque, junto a um edifício importante ou sob uma ponte.

Os geocaches podem ser usados para chamar a atenção para o patrimônio histórico, arquitetônico ou natural de uma cidade
Foto Gilsa Steinmeier 2011

Ao esconder um tesouro, o "proprietário" deve garantir que o cache permaneça acessível, sem colocar os caçadores em situação de risco ou desagradável. Ao esconder e procurar um cache não se deve danificar, desfigurar ou destruir a propriedade ou o espaço, nem ameaçar a flora ou a fauna.

Como regra, os caches não devem ser colocados em escolas, parques infantis, bases militares e, como mencionado acima, em quaisquer outros sítios que possam criar problemas ou risco ao caçador. Procurá-los também pode colocar o jogador em uma situação incômoda, principalmente em locais com muitos transeuntes. Mas não se deixar apanhar por um muggel também faz parte do jogo. O termo muggel é emprestado dos livros sobre Harry Potter, e denominam os não-magos. A razão para a cautela: Um muggel poderia destruir um geocaching ou desvendar o seu esconderijo. O medo de ser descoberto é também a razão para o comportamento muitas vezes suspeito dos cachers. Por outro lado, pessoas estranhas que vagueiam à procura de algo podem ser tomadas por criminosos. Por estes motivos os caches devem estar claramente identificados do lado de fora do recipiente para evitar qualquer confusão e alarme, caso venham a ser descobertos acidentalmente. Na Alemanha, depois de várias denúncias (4), a polícia já tem conhecimento do geocaching. Da cidade de Münster é relatado que os policiais que encontraram por acaso um cache deixaram no logbook o seu registro (5).

Para cada cache há uma descrição das suas características: tamanho, grau de dificuldade e condições de acesso, bem como referências e informações sobre o local onde ele está escondido. Assim, munido destas dicas, o caçador também se informa sobre aspectos relevantes do local (história, arquitetura ou equipamentos existentes). Ver os registros carregados por outros cachers também pode ser valioso, além de ser divertido ler as suas experiências.

Num raio de 30 metros, deve-se mais confiar nos olhos que no dispositivo de GPS, já que este pode somente determinar uma localização aproximada. A exatidão do sinal recebido – que nos melhores casos situa-se entre 3 e10 metros, depende de várias condicionantes. Entre elas, está a precisão do próprio aparelho e as condições do tempo; quanto mais claro o céu ou quanto menos obstáculos (p. ex. árvores) houver, melhor será o sinal recebido. Os receptores atuais combinam as coordenadas de localização com mapas digitais e um software que calcula a posição no mapa. Já que os caches não devem estar visíveis, eles podem estar camuflados. E encontrá-los exige fantasia e perspicácia dos jogadores.

A grande contribuição do geocaching está em dar uma razão para as pessoas saírem de casa, caminharem ao ar livre e, associado ao fator aventura, explorar novos locais. Em uma grande parte dos registros pode-se ler nos comentários deixados pelos cachers o agradecimento por trazer os caçadores a um local novo. Assim geocaching, por proporcionar diversão ao ar livre, é um pretexto para juntar amigos, a família, ou sair com o animal de estimação, além do fato de partilhar experiências proporcionar satisfação pessoal.

Principalmente crianças e adolescentes têm grande prazer em sair à procura dos tesouros. Esse é um importante incentivo para levá-los a ter uma vida mais ativa
Foto Gilsa Steinmeier 2011

O ambiente urbano e as atividades físicas

Há dois grupos de fatores que são considerados determinantes quando uma pessoa decide ter uma vida mais ativa e usar os espaços públicos para a prática de atividades físicas. O primeiro é de caráter pessoal e inclui fatores como sexo, idade, tempo disponível, habilidade e motivação. O segundo está diretamente relacionado com a qualidade do local onde a pessoa vive e as oportunidades que lhes são oferecidas. Essa qualidade é resultante da interação entre o ambiente construído, o natural e o social. Assim, quanto mais propício for o ambiente, maior é a tendência de as pessoas usarem os espaços disponíveis para atividades ativas. Uma vida ativa contribui não só para saúde física e mental de cada indivíduo, mas também para a coesão social e o bem estar de toda a comunidade (6).

Um geocache pode ser um atrativo para que as pessoas passem a usar com maior assiduidade espaços verdes e para passarem mais tempo ao ar livre
Foto Gilsa Steinmeier 2011

O atual estilo de vida de boa parte da população urbana é visto como a principal causa do acelerado aumento da obesidade nas sociedades ocidentais. Apesar de se tratar de uma condição clínica individual, a obesidade é considerada, cada vez mais, um sério problema de saúde pública. O excesso de peso predispõe o organismo a uma série de doenças e restrições (7). Embora as causas sejam diversas, muitos estudos demonstram que o principal desencadeador é a combinação do sedentarismo (definido como a falta ou a grande diminuição das atividades físicas) e o consumo excessivo de calorias.

O sedentarismo e a obesidade podem também ser reduzidos através da disponibilização de mais oportunidades de se estar ao ar livre, adequadas para esportes e atividades físicas. Os parques são lugares ideais para se praticar exercícios físicos, mas uma pessoa com sobrepeso não se será atraída a frequentá-lo, a não ser que o parque seja convidativo, seguro e de fácil acesso (8). As prefeituras têm aqui um papel crucial a desempenhar na criação de ambientes que promovam as oportunidades de lazer e para atividades físicas. GEHL (1986) (9), em sua análise sobre a qualidade do espaço e o seu uso pela população, é categórico: quanto melhor a qualidade do espaço, quanto mais atividades oferecidas, maior é o tempo de permanência nestes espaços e mais contatos sociais ocorrem.

A nosso entender, a obesidade infantil está também diretamente ligada à qualidade do espaço público. No momento em que transformamos as ruas em meras vias de trânsito e reduzimos a qualidade de permanência, também retiramos a oportunidade de crianças usarem este espaço para brincar. Lembrando que, em muitos bairros, as ruas e suas calçadas são os únicos espaços públicos existentes. Se não há nas proximidades áreas verdes e a qualidade das calçadas e ruas é baixa (segurança, tráfego), esses espaços são meramente usados para a locomoção. A vida sedentária no Brasil também está ligada à questão da violência urbana. Ir a parques e frequentar praças está se tornando cada vez mais perigoso. Essa violência também faz com que pais prefiram que seus filhos permaneçam dentro de casa, em atividades que não estimulam a prática de atividades físicas. Correr, jogar bola, andar de bicicleta estão sendo substituídos pela TV e videogames. A essas atividades passivas, como constataram BARTON & GRANT (10), somam-se maus hábitos alimentares, como o excesso de alimentos de alto valor calórico (sanduíches, pizzas e biscoitos acompanhados de refrigerantes).

Na Alemanha, pode ser observado que esportes e atividades físicas no meio urbano também estão mudando significativamente nos últimos anos. Porém, com a diferença que estes estão se tornando uma parte integrante do uso de espaços verdes. Em áreas urbanas, os parques, bosques e áreas verdes desempenham um papel importante nas oportunidades de lazer, e com isso influenciam positivamente a qualidade de vida da população. Há 15 anos, as atividades desportivas ocorriam preponderantemente em clubes. Hoje, elas já não estão mais ligadas exclusivamente às instalações desportivas, mas ocorrem fora delas, nos parques e áreas verdes, e com uma forte tendência a aumentar (11).

As razões que levam os alemães à prática de atividades físicas igualmente estão se modificando. Motivos tidos como clássicos, como vencer um desafio, aumentar o desempenho, potência e sucesso estão dando lugar ao prazer de praticar um esporte, maior preocupação com a saúde, para combater estresse, reduzir níveis de ansiedade e aumentar o contato com a natureza. Esta mudança se deve também a novos esportes e à crescente preocupação das pessoas com a sua saúde.

Geocaches podem assumir uma função educativa e esta está relacionada à possibilidade única que eles oferecem para apreciar os processos naturais e de contemplar a natureza
Foto Gilsa Steinmeier 2011

Atividades e esportes como jogging, caminhada, nordic walking, patins online, ciclismo, mas também atividades exóticas como geocaching já fazem parte da paisagem urbana (12). Outro motivo para essa mudança de comportamento é o papel do esporte na recreação, já que a maioria das pessoas quer passar o tempo livre de forma individual e flexível. Áreas verdes e espaços públicos vicinais adquirem ai um significado especial. Ao contrário de clubes e instalações desportivas com tempos e práticas rígidas, o uso de áreas verdes é gratuito e de fácil acesso.

Recentes estudos mostram uma crescente relação entre o espaço verde e a saúde (13). É cada vez mais evidente que a frequente utilização de espaços verdes melhora não só a nossa saúde física, mas também a mental. Estes estudos apontam que pessoas para as quais "estar ao ar livre" é uma atividade quotidiana sofrem menos de estresse ou ansiedade. A caminhada em espaços agradáveis ajuda a reduzir a pressão arterial, a manter a frequência normal dos batimentos cardíacos e a relaxar os músculos. O simples fato de olhar uma planta sinaliza ao cérebro uma situação relaxante e de aconchego. Um jardim, segundo médicos e psicólogos, evoca uma experiência positiva de paz e ordem. BARTON & PRETTY (14) demonstram que apenas cinco minutos por dia de atividade “verde”, como caminhar, fazer jardinagem ou andar de bicicleta melhoram o humor e aumentam a auto-estima. O contato com a natureza pode levar a um melhor estado emocional e, a longo prazo, prevenir doenças. Além disso, o contato com a natureza aumenta a capacidade de aprendizagem ao longo da vida.

Alguns caches exigem um pouco mais de habilidade e audácia dos caçadores
Foto Gilsa Steinmeier 2011

Alguns caches exigem um pouco mais de habilidade e audácia dos caçadores
Foto Gilsa Steinmeier 2011

Contribuições do geocaching

Dentro das inúmeras possibilidades do uso do geocaching como contribuição para o ambiente urbano, além das já citadas acima (como uma opção de lazer e os benefícios de atividades ao ar livre), podemos ainda citar o seu uso como uma maneira de aumentar a percepção do espaço e para estabelecer relações entre as pessoas e estes espaços

Estar ao ar livre em um espaço público possibilita a interação e a convivência entre as pessoas de diferentes grupos sociais. E, diferentemente do que foi inicialmente suposto e defendido por alguns autores, a crescente virtualização de nossas vidas não está significando o fim da cidade real. Cada vez mais as cidades estão investindo na melhoria da qualidade de vida oferecida a seus habitantes. E isso implica também na configuração e qualificação do espaço urbano. As autoridades locais e líderes políticos têm um papel crucial na criação de políticas propícias e na implementação de espaços e oportunidades para atividade físicas e uma vida mais ativa da população.

E é justamente por trazer as pessoas ao ar livre que o geocaching faz com que elas aprendam a usufruir do espaço, aprendam a apreciar as suas qualidades, descubram a sua história; crianças aprendem a se orientar, e em áreas verdes podem entender os processos biológicos. Como exemplo, podemos citar o caso de uma série de caches em Egham, uma pequena cidade no condado de Surrey, no sudeste da Inglaterra. Localizada a sudoeste de Londres, Egham está inserida no complexo de áreas verdes de proteção aos reservatórios que garantem o suprimento de água para a capital britânica. Na região existem 50.634 caches escondidos pelos mais diversos jogadores. Na área adjacente ao Wraysbury Reservoir, quando procurados em série, a sua caça leva a uma caminhada de 2 de 3 horas em uma área rica em diversidade e uma alternância entre caminhos confortávels e difíceis, por bosques e prados.

No Zwinger, um complexo de museus e jardins do séc. XVIII na cidade alemã de Dresden encontram-se escondidos quatro cachês de diferentes "proprietários", cada um chamando atenção a um detalhe arquitetônico ou histórico
Foto Gilsa Steinmeier 2011

Também já existem algumas experiências em fazer conexões entre o geocaching e a educação. No site do geocaching é relatado que nos Estados Unidos várias escolas ou professores já estão utilizando o jogo como uma ferramenta de ensino, já que o geocaching, sem grandes custos, coloca o corpo e a mente em ação, incentiva a formação de equipes, desenvolve o pensamento crítico e exige o empenho ativo do aluno (15).

Um exemplo interessante do uso de geocaching vem da cidade de Osnabrück (Alemanha). Na vizinhança da Praça Rosenplatz, o geocaching é usado para chamar atenção para as medidas implementadas pelo programa de renovação urbana. Localizada em um bairro próximo ao centro, a área ao redor desta praça entrou em decadência. No entanto, desde 2001, como parte do programa de reabilitação urbana, com fundos públicos do programa "Cidade Social" (16), há diversos projetos visando à melhoria das condições de vida das pessoas que lá vivem.

Para alcançar o objetivo principal, melhorar a qualidade de vida e atrair novos habitantes, são realizados projetos nas áreas social, cultural, educacional e de lazer. Uma das metas é reduzir o impacto negativo do tráfego e a criação de ciclovias. Isso implica na redução de áreas para estacionamento e no estreitamento de várias ruas; uma mudança que nem sempre é bem aceita, principalmente por motoristas. Mas esta medida, além de melhorar a segurança, já que o estreitamento das ruas faz com que motoristas reduzam a velocidade, aumenta os espaços para uso público. Com o objetivo de promover o lazer ao ar livre, mas também como meio de informação, estudantes do curso de Serviço Social transformaram a área de reabilitação urbana em um lugar de caça ao tesouro. Com diferentes rotas, preparadas para famílias e crianças ou adultos, os caches foram escondidos estrategicamente, e a sua busca leva os jogadores não só por áreas em recuperação e edifícios de destaque do bairro, mas também por organizações sociais e áreas ainda problemáticas. Assim, todos podem "dar uma olhada no que acontece pelo bairro", além se conscientizarem dos seus problemas. A coordenadoria do programa de reabilitação adquiriu duas unidades de GPS, colocando-as à disposição dos moradores. Com este incentivo a mais, os moradores podem melhor conhecer o seu bairro, e observar os progressos.

Indo além do fator entretenimento, o exemplo de Osnabrück mostra como geochaching pode contribuir para a formação e consolidação da chamada community capacity, a capacidade da comunidade em se articular e participar ativamente do que acontece nas suas proximidades. Ações como a dos estudantes de Serviço Social, que organizaram o geocaching como uma opção de lazer, no próprio bairro onde moram, podem fazer da população em geral uma forte aliada para a solução de problemas locais. Assim se cria a indispensável confiança na cooperação ativa entre os atores públicos e privados locais. Para muitos autores (17), a participação ativa da população é um fator integrante de um plano estratégico, e um dos aspectos decisivos para o seu sucesso.

Na cidade de Braunschweig, onde em 2010 já se contava mais de 2.000 caches, a maioria deles escondidos nos parques e áreas verdes, a própria companhia municipal de saneamento preparou um geocaching educacional sobre o tema da água na cidade. Denominado de Wasserlauf (ciclo da água), este cache múltiplo foi criado com o intuito de informar sobre o processo de captação, tratamento e distribuição de água potável e o tratamento de esgotos. Preparado tanto para os aficionados como para os não cacher, este é composto por várias estações, onde a solução de tarefas leva sucessivamente ao cache final. Com uma ampla difusão, espera-se ganhar mais adeptos aos programas de mudança de hábitos para o uso mais racional de água e para estimular sua economia (18).

Outra atividade comunitária relacionada ao geocaching é a ação voluntária de limpeza de espaços verdes. Organizada pela comunidade local de cachers, a ação "cache in trash out" (entra o cache sai o lixo) está se tornando frequente em muitas cidades. Em um esforço conjunto, os cachers se reúnem e se dedicam à limpeza de parques e outros lugares interessantes como esconderijo de caches. O calendário está online e qualquer pessoa é bem-vinda para participar.

Uma tentativa de situar o geocaching no Brasil

Uma vista rápida pelo mapa de caches gerado pelo site internacional (19) revela a quantidade de caches existentes no mundo. Se, por um lado, existem regiões que parecem estar densamente cobertas por geocaches, como por exemplo, a Europa Ocidental, América do Norte, Japão, Austrália ou Nova Zelândia, existem outras que ainda estão totalmente "inexploradas". A densidade de caches pode também ser interpretada como o grau de conhecimento: quanto mais caches provavelmente maior é o número de jogadores.

O mapa gerado para o Brasil revela uma concentração maior na costa - onde estão os nossos grandes aglomerados urbanos, e um determinado adensamento entre Florianópolis, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Nesse sentido, imaginamos que no Brasil o geocaching, como uma prática de lazer, ainda seja bastante desconhecida e incipiente. E esta suposição é confirmada nos blogs nacionais em que se discute o assunto. Nestes blogs, há também vários comentários a respeito da presença do geocaching na mídia nacional. Uma rápida leitura indica que já foram publicados vários artigos a respeito, porém nem todos deixaram os cachers satisfeitos. Estes artigos muitas vezes não transportam o espírito do geocaching, principalmente no que tange ao prazer de procurar um tesouro, cujo "valor" é, por regra, irrisório.

Segundo o revisor de geocaches para o Brasil, em uma na entrevista para um blog nacional (20), o país vem experimentando um crescimento constante de caches. Em 2010, duas campanhas foram realizadas para aumentar o número de caches no país; a primeira atingiu os previstos 700 caches e a segunda deveria atingir 900 - mas o site geocaching registra ao todo 865 caches verde-amarelos.

Entre este pequeno número encontra-se, no entanto um cache que se tornou internacionalmente simbólico para os jogadores mais inveterados. Escondido no Parque Estadual Intervales (Estado de São Paulo) este cache é um dos poucos remanescentes ainda ativos de uma série instalada ao redor do mundo (21) em 2001. A sua busca leva o jogador a uma área de preservação da mata atlântica com exuberante patrimônio natural e notável biodiversidade. Como recompensa pela caminhada de aproximadamente 30 minutos por trilhas na mata, o local do seu esconderijo oferece um ótimo panorama para se admirar a beleza da paisagem. Os mais de 400 cachers listados como observadores são a prova da sua distinção (na maioria dos caches o número de observadores está entre um e cinco).

Tomando Curitiba como um exemplo da escala urbana, existem na cidade atualmente 46 caches. O interessante é que a sua grande maioria se encontra escondida nos parques e nas áreas verdes da cidade. Para os jogadores, essa pequena quantia de caches significa que para sair a sua procura deve-se percorrer grandes distâncias. Uma visita rápida aos caches curitibanos revela certa discrepância no que se refere aos registros. Enquanto alguns foram encontrados recentemente, há outros que ainda não tem nenhum registro ou a última anotação é de longa data. Uma boa parte dos registros está em inglês ou até em outras línguas, o que demonstra que também há estrangeiros à procura de tesouros pelo país. Quase a totalidade de caches na cidade corresponde ao tipo tradicional e de pequeno porte; a sua grande maioria é considerada de nível de dificuldade baixo para encontrá-los, o que demonstra o espírito pioneiro dos cachers na cidade. Certamente há outros bons exemplos do uso do geocaching no Brasil, porém analisá-los não é o intuito primário deste artigo.

Com o incremento do uso de celulares inteligentes é possível que o interesse pelo geocaching também aumente no país. E os dois grandes eventos internacionais que o Brasil sediará em 2014 e 2016 com certeza atrairão mais jogadores.

Considerações finais

Como os dispositivos GPS estão se tornando comuns, jogos urbanos igualmente tendem a aumentar sua popularidade. Muitas empresas já usam jogos urbanos (ou jogos baseados em aplicações orientadas para a localização - location-based) para atrair consumidores ou em campanhas de marketing para seduzir o mercado jovem. Assim, na medida em que os aparelhos são acessíveis a um maior número de pessoas, seus usos tendem a se ampliar.

Como visto nos exemplos citados, geocaching também pode ser usado como um atrativo para fazer com que as pessoas usem e se apropriem dos espaços públicos e levem assim uma vida mais ativa. Uma mudança de atitude onde todos ganham.

Atualmente, o jogo acontece sem uma participação oficial de administração pública - o que não deve ser considerado negativo. Geocaching envolve o uso de espaços públicos e isso pode causar transtornos. Nem todos têm conhecimento de que há um jogo acontecendo, e a presença assídua de "caçadores" pode criar confusão ou irritação em pessoas desavisadas Por outro lado, não é desejável que todos saibam o que é geocaching - já que um pouco de mistério faz parte do jogo.

notas

1
Informações mais detalhadas, bem como a história do geocache pode ser obtida no site http://www.geocaching.com/about/history.aspx

2
Termo originário do francês cacher - que significa esconder, to cache significa tanto acumular, armazenar, guardar como esconder ou ocultar; o substantivo derivado cache entre outros significa esconderijo. O termo é também usado na eletrônica com semelhante sentido. Lá basicamente se trata do local de armazenamento de dados ou processos com probabilidade de serem utilizados futuramente, poupando tempo e tornando processos mais rápidos.

3
Sites brasileiros: http://www.brasilcaching.com.br, http://www.geocachingbrasil.com.br e http://geocachesbrasil.blogspot.com. Acessos em 28/10/2011

4
No blog alemão há alguns relatos, onde os cachers passaram por uma situação desagradável http://geocaching-blog.de/?tag=polizei

5
Veja: http://www.geocaching.com/seek/log.aspx?IID=237f9dca-49d8-47c2-a583-b52c1e22d1e6&LID=4480680. Acesso em 22/08/2011

6
BARTON, Jo; PRETTY Jules. “What is the Best Dose of Nature and Green Exercise for Improving Mental Health? A Multi-Study Analysis. In: Environmental Science & Technology 44 (10), 2010, p. 3947-3955.

7
SJÖSTRÖM, Michael; SUNDBERG, Carl J. “Improve your health. In: Medical Science, Stockholm, 2009, p. 6-8.

8
SMANIOTTO COSTA, Carlos. “Áreas Verdes: um elemento chave para a sustentabilidade urbana - A abordagem do Projeto GreenKeys. In: Arquitextos, São Paulo, 2010. http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.126/3672

9
GEHL, Jan. Life between buildings: Using public space. New York, Van Nostrand Reinhold, 1987.

10
BARTON, Hugh, GRANT, Marcus. “A health map for the local human habitat. In: Journal of the Royal Society for the Promotion of Public Health, 126 (6), 2006, p. 252-261.

11
BfN - Bundesamt für Naturschutz. Menschen bewegen – Grünflächen entwickeln. Bonn, 2008.

12
Idem. Ibidem.

13
BARTON, Jo; PRETTY Jules. Op. Cit.; SJÖSTRÖM, Michael; SUNDBERG, Carl J. Op. Cit.; BARTON, Hugh, GRANT, Marcus. Op. Cit.

14
BARTON, Jo; PRETTY Jules. Op. Cit.

15
Link: http://www.geocaching.com/education/default.aspx

16
Trata-se de um programa, criado em 1999 pelo governo federal alemão e com apoio financeiro dos Estados e da União Europeia, para coordenar e financiar a reabilitação de "bairros com necessidades especiais de desenvolvimento". Chamado de Cidade Social (Soziale Stadt), este programa objetiva neutralizar os efeitos sócio-espaciais da chamada espiral de declínio, presente em áreas carentes de várias cidades. O programa visa melhorar as condições de vida locais, promover a participação e cooperação entre diferentes agentes e representa uma nova política de abordagem integrativa para o desenvolvimento urbano. Em 2011, o programa mantém projetos em 603 bairros em 375 municípios. http://www.sozialestadt.de/en/programm. Acesso em 28/07/2011

17
Por exemplo FRIEDMAN, 1987, KANGAS & STORE, 2003.

18
Braunschweig Versorgung AG. In: Braunschweiger Parks und Grünanlagen sind die Geocacher unterwegs. In: Revista BS.Energie, Edição April 2011.

19
Geocaching: http://www.geocaching.com, acessado em 27/07/2011

20
Link: http://www.geocachingbrasil.com.br/feat/entrevista-com-o-revisor/

21
Em 2001 a 20th Century Fox usou a idéia, então embrionária do geocaching, como um golpe publicitário, precedente ao lançamento do seu blockbuster de verão O Planeta dos Macacos. Através do Projeto A.P.E. (Alternative Primate Evolution) foram espalhados pelo mundo caches que continham objetos usados no filme. Os primeiros a encontrarem esses caches obtiveram objetos originais. A maioria dos caches então instalados já se encontra desativada.

bibliografia complementar

Neue Osnabrücker Zeitung. Geocaching: Schatzsuche rund um den Osnabrücker Rosenplatz. Edição 06.02.2011, http://www.noz.de/lokales/51239808/geocaching-schatzsuche-rund-um-den-osnabruecker-rosenplatz. Acesso em 23/09/2011

SMANIOTTO COSTA, Carlos. O verde como propulsor do desenvolvimento urbano - Exemplos das exposições de paisagismo na Alemanha. In: Malha Urbana - Revista Lusófona de Urbanismo, 6. Lisboa, 2008. http://malhaurbana.ulusofona.pt/arquivo/malhaurbana6/malha_urbana_artigos.htm

SMANIOTTO COSTA, Carlos; SCHERZER, Cornelius; SUTTER-SCHURR, Heidi. Tage im Grün - Nutzerwünsche und Nutzungsverhalten im öffentlichen Freiraum - eine Untersuchung in Dresden. In: Stadt und Grün 11. Berlim, 2006, p. 12-19.

sobre o autores

Carlos Smaniotto Costa (PhD) é graduado e doutorado em Arquitetura da Paisagem e Planejamento Ambiental pela Universidade de Hanover/Alemanha. Além de realizar vários projetos paisagísticos, ocupa-se como pesquisador com questões de desenvolvimento urbano sustentável, estratégias para a integração de espaços livres e preservação da natureza, e transformação da paisagem no contexto urbano. É professor de paisagismo e ecologia urbana, com atuação em ensino e pesquisa nos cursos de pós-graduação em Urbanismo da Universidade Lusófona em Lisboa.

Gilsa Steinmeier é bancária e adepta de atividades físicas ao ar livre como competições de barco-dragão, ciclismo, nordic walking e caminhadas. Pratica o geocaching há mais dois anos, não só o tem como atividade de lazer, mas também é organizadora de eventos internacionais. Vive e trabalha na cidade de Bad Oeynhausen (Alemanha).

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