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architexts ISSN 1809-6298

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O ensino do desenho moderno no Brasil sofreu influências dos Liceus de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e de São Paulo. O 1º sofreu influências do crítico de arte inglês John Ruskin com a sua teoria da natureza e o 2º, da natureza positivista de A. Comte


how to quote

AMARAL, Cláudio Silveira. Duas concepções de Natureza no ensino do desenho moderno no Brasil. A de John Ruskin e a da filosofia positivista. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 145.04, Vitruvius, jun. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.145/4361>.

John Ruskin, Holyrood Chapel, 1838 [Wikimedia Commons]


Introdução

O artigo trata da hipótese de que a origem do ensino do desenho moderno no Brasil estaria no ensino do desenho dos Liceus de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e de São Paulo.

O ensino do desenho no Brasil do século XIX foi considerado uma política industrial com o objetivo de alterar a condição do país, de agrário para industrial, substituindo o trabalho escravo pelo trabalho assalariado. O objetivo do ensino do desenho seria formar trabalhadores para a indústria moderna. No entanto, por trás das diferentes pedagogias do desenho existiram diferentes concepções de fábricas. A hipótese deste artigo é que: o ensino do desenho do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro apontou para modelo de fábrica cooperativa. Gestão que valoriza o trabalho assim como o seu trabalhador, pois permite o pensar associado ao fazer. Já o ensino do desenho do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo valorizou o trabalho, porém desvalorizou o trabalhador, pois dividiu e hierarquizou o trabalho em cientifico e técnico, apontando para o modelo de fábrica taylorista. (1)

O Liceu do Rio de Janeiro sofreu a influência do critico de arte inglês do século XIX John Ruskin, e o de São Paulo, sofreu a influência da filosofia positivista de Auguste Comte.

O ensino do desenho moderno na Europa e no Brasil

O ensino do desenho em instituições de ensino ocorreu durante a passagem do modo de produção artesanal para o capitalista industrial, o que permite dizer que o ensino do desenho em escolas é uma atividade decorrente do mundo do trabalho, e o trabalho seria o valor máximo para a sociedade moderna industrial, diferente da feudal e da clássica. Isto ocorreu durante a separação entre as Artes Liberais das Mecânicas ainda no século XVIII. (2)

Na Grécia Antiga, o trabalho feito com as mãos era considerado uma atividade indigna realizada por mulheres e escravos, ao passo que o trabalho intelectual, seria feito pelos homens de bem (proprietários, ricos, cidadão). O desenho, sendo uma atividade realizada com as mãos, seria, portanto indigna, ao passo que a sua idealização seria uma atividade digna. Nasceu assim a hierarquização do pensar em relação ao fazer. Conforme o crítico de arte inglês do século XIX John Ruskin, essa hierarquia perdurou até meados da Idade Média quando uma inversão de valores ocorreu fazendo com que o trabalho manual fosse tão digno quanto o intelectual. Outros autores, como Rui Gama, por exemplo, identificam essa passagem no século XVIII.

No modo de produção feudal o ensino seria uma atividade interna ao processo produtivo. As informações eram transmitidas em forma de segredos de ofício pelo mestre ao aprendiz. No Renascimento, século XIV, XV, uma mudança se deu quando a atividade do ensino se desprendeu da atividade da produção, o que veio a separar a teoria (os fundamentos dos segredos), da prática. A este acontecimento Rui Gama referiu-se como a passagem do modo de produção feudal ao capitalista-industrial, onde o termo técnica foi substituído por tecnologia burguesa ou tecnologia moderna. (3)

A atividade do ensino em escolas incorporou a noção de tecnologia moderna. Desta forma, a escola para as Artes Mecânicas surgiu na Europa no século XVIII; e no Brasil, apenas no século XIX. Pretendeu formar trabalhadores para um mercado de trabalho especializado em estética, o que exigiu a construção de estruturas (escolas). O desdobramento deste objetivo seria alterar os hábitos culturais de desvalorização do trabalho para a sua valorização.

Na França, Bachelier criou o Curso de desenho gratuito e noturno, e no Brasil, Bethéncourt da Silva fundou o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro: curso noturno, gratuito para qualquer pessoa independente do gênero, posição social ou cor da pele.

O preconceito em relação ao trabalho manual teria que ser exterminado para superar a condição do trabalho escravo ao trabalho como uma mercadoria. A missão do Liceu, além de formar operários qualificados, seria exterminar esse preconceito em relação ao trabalho manual.

O trabalho é a divisa da mocidade, é o emblema da virtude, da honestidade e do progresso, com ele mostraremos aos covardes que a inovação não é um atentado e que o futuro será nosso. Tratemos da nossa sociedade com afã e desvelo, abramos as portas do edifício da nossa escola, coloquemos no altar da pátria e da musa nacional o farol que deve guiar os nossos filhos do estudo, e o futuro das artes, do país e da mocidade estará salvo. (4)

Na Europa a política do ensino do desenho alavancou a dinâmica que realizou a passagem do modo de produção artesanal para o capitalista industrial. No Brasil essa mesma política deveria facilitar a passagem de um país agrário-escravocrata para um capitalista industrial.

(...) Estamos inabalavelmente convencidos de que o ponto de partida para promover a expansão da indústria nacional, ainda até hoje embrionária entre nós, é introduzir o ensino do desenho em todas as camadas da educação popular, desde a escola até os Liceus, e dar aos Liceus nova capacidade, adaptando-os na formação de profissionais nas artes de aplicação comum. (5)

Mas, o que fez o Liceu em sessenta anos! Dignificou os ofícios dando-lhes o cunho de liberal da Arte. (6)

A Missão Francesa, trazida pela corte portuguesa ao Brasil em 1816, veio para fundar duas escolas; uma para as Artes Liberais e outra para as Artes Mecânicas, ou seja, trouxe consigo o conceito de tecnologia burguesa em curso na Europa. No entanto, a diferença de tempos entre a fundação das instituições de ensino na Europa em relação as brasileiras influenciou as experiências pedagógicas no Brasil, pois o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, fundado em 1856, foi influenciado, não por Joaquim Lebreton (chefe da Missão Francesa) (7), mas pelas críticas a Exposição Universal Londrina de 1851, feitas por John Ruskin. (8)

Araujo Porto Alegre considerava lastimável a presença do Brasil na Exposição de 1851, e Rui Barbosa mostrava que a própria participação inglesa fora desastrosa, seus comentários foram certamente inspirados em John Ruskin, cuja obra The Stones of Venice cita no mencionado discurso. Foi Ruskin quem chamou a atenção para a feiúra dos objetos produzidos na Inglaterra vitoriana. (9)

John Ruskin denunciou a péssima qualidade dos produtos industriais, dizendo faltar arte a estes produtos. No entanto, arte para Ruskin não seria apenas o desenho do produto, mas o modo como este foi produzido. Ruskin criticou o modelo de gestão das fabricas de então.

Nós discordamos da denominação de perfeição atribuida ao sistema de divisão de trabalho da civilização moderna. Na verdade não é o trabalho que foi dividido, mas sim o homem. O homem foi transformado em fragmentos de homem. (...) Poderiam me perguntar como uma produção em larga escala pode ocorrer sem o sistema de divisão do trabalho? Eu proponho três princípios para que o trabalho seja um trabalho digno: 1) Toda produção tem de ser criativa. A invenção deve ter lugar no processo. 2) Nunca definir o produto final antes de começar o processo de produção. Deve existir a possibilidade de nuanças durante o processo produtivo. 3) Nunca encoraje a imitação para o desenho do produto. (10)

É preciso dizer que John Ruskin nunca foi contra a fábrica em si, como afirmaram todos os historiadores da arquitetura moderna, mas contra aquele tipo de fabrica com base na exploração de sua força de trabalho. Os escritos ruskinianos, conforme Charles Ahsbee, apontam para uma concepção de fábrica cooperativista, no qual o proprietário seria também o operário, o comerciante, o designer e o educador e cuja gestão seria uma política da ajuda mútua (11). Ashbee fundou sua fábrica em Londres inspirado nos escritos de John Ruskin e William Morris.

...Aceitamos amplamente o princípio cooperativo. (...) O esforço do sistema administrativo é dar as condições sociais e econômicas frutos das aspirações socialistas do trabalhador Inglês no sentido de obter a melhoria da qualidade de vida. (...) Em termos gerais implica na rebelião contra as inutilidades, a convicção de que a máquina deve ser relegada ao seu devido lugar como ferramenta e não como mestre do trabalhador, que a vida do produtor é para a comunidade a consideração mais vital do que a produção barata, e que, portanto, as considerações humanas e éticas que insistem na individualidade do trabalho do homem, são de primeira importância. (...) Foi frequentemente dito contra John Ruskin ser contra a indústria moderna e consequentemente contra a máquina. Nós procuramos não seguir o que disseram dele, mas fomos direto aos seus ensinamentos. (...) Portanto, não rejeitamos a máquina, congratulamo-nos com ela. Mas nós desejamos vê-la dominada pelo homem e não escravizada por ela. (12)

Considerando que o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro foi fundado, dentre outros motivos, a partir das criticas feitas pelos chamados românticos, dentre eles, John Ruskin que aponta para uma concepção de fábrica cooperativista, não seria possível também dizer que, por trás da concepção de ensino do desenho do Liceu carioca estaria um modelo de fábrica cooperativista?

O ensino do desenho ruskiniano deriva de uma lógica extraída de sua filosofia da natureza. Para Ruskin a natureza possuiria uma lógica cujo funcionamento estaria na política da ajuda mútua. Nenhum elemento natural poderia viver a sós, pois todos são interdependentes. Um exemplo dessa política estaria no desenho da árvore onde as raízes trocam com a terra a sua estabilidade, assim como também, a sua alimentação. Já o desenho da folha é voltado para absorver a energia do sol sendo larga e apontada para o céu. Cada elemento natural seria depositário de um desenho próprio para exercer essa política da ajuda mútua ruskiniana.

A politica da ajuda mutua de Ruskin contem uma lógica natural, que, conforme Ruskin, deveria ser imitada pelos homens em todas as suas atividades, como por exemplo, nas sociais, políticas, econômicas, de gestão, arquitetônicas, etc.

O desenho ruskiniano seria então a expressão da interpretação dessa lógica natural. A função do professor de desenho seria provocar o aflorar dessa consciência sem o uso de técnicas de desenho, pois cada aluno a sentiria de forma singular. Ruskin dizia: não estou aqui para ensinar você a desenhar, mas ensiná-lo a ver, e ver para ele é sentir a lógica natural a qual chamou de composição natural.

No Brasil, o político e educador Rui Barbosa, sócio honorário do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, durante um discurso feito no Liceu intitulado O Desenho e a Arte Industrial em 1882, chamou John Ruskin de o maior crítico de arte de seu tempo, além de citar dois trechos de Modern Painters e The Two Paths (13). Na Reforma do Ensino Primário (projeto de industrialização de Barbosa para o Brasil), citou Ruskin nominalmente.

Mr. Ruskin, o eloqüente artista, a cuja influência se deve, em nossos dias, o despertar da vida artística no seio da Inglaterra, e cuja benéfica propaganda substituiu, no sentimento publico, o culto das antigas convenções pelo estudo reverente e afetuoso da natureza, atuando profundamente na moderna cultura popular do seu país, Mr. Ruskin lamentava um dia o esquecimento da natureza na educação, em palavras que parecem tecidas de propósitos para o estado geral do ensino entre nós. (14)

Rui Barbosa queria conciliar a educação com a natureza, ou seja, conhecia e utilizava a teoria da natureza de John Ruskin.

Mas esta reforma encarna em si precisamente a reação mais completa contra esse sistema. Ela parte do desejo de unificar a educação com a natureza, inspira-se na justa indignação contra a pedagogia retórica, a que, já no tempo de Montaigne, lhe ditava estas palavras, onde parece transluzir o pressentimento da revolução educativa, que os nossos tempos estão presenciando. (15)

Barbosa propôs a política do ensino do desenho com base na observação da natureza criticando a pedagogia da repetição herdada pelos Jesuítas. A educação teria por mérito alterar os costumes de uma sociedade escravocrata, que desprezava o trabalho, por uma que a valorizasse.

Não se imagine o desenho no currículo escolar sob o funesto espírito pedagógico de que é presa a instrução nacional entre nós. Somos um povo de sofistas e retóricos, nutridos de palavras, vitimas do seu mentido prestigio, e não reparamos em que essa perversão, origem de todas as calamidades, é obra de nossa educação na escola, na família, no colégio, nas faculdades. O nosso ensino reduz-se ao culto mecânico da frase: por ela nos advém feitos, e recebemos inverificadas, as opiniões que adotamos, por ela desacostumaram a mente de toda ação própria, por ela estranhamos a realidade, ou de não discerni-la senão através de Nuvens. (...) O desenho não é o produto da fantasia ociosa, mas o estudado fruto da observação acumulada. Sem observação, sem experiência, não há desenho. (16)

O projeto ruskiniano não vingou em seu país de origem sendo os seus escritos deturpados pelos historiadores da arquitetura moderna que o classificaram de neo-gótico e adverso a revolução industrial. No Brasil não foi diferente, o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, apesar de ainda existir, foi esquecido e apagado da memória do ensino do desenho no Brasil, embora passasse a ser reconhecido nos últimos anos como atestam os trabalhos de Celina Mudori Murasse (A educação para a ordem e o progresso no Brasil: o Liceu de Arte e Ofícios do Rio de Janeiro, Tese UNICAMP, 2001), Alba Carneiro Bielinsky (Liceu de Artes e Ofícios do Rio De Janeiro – dos pressupostos aos reflexos de sua criação, Dissertação UFRJ, 2003), Claudio Silveira Amaral (John Ruskin e o desenho no Brasil, Tese, FAU USP, 2005),.e o livro de Luíz Antônio Cunha (O ensino de ofícios artesanais e manufaturas no Brasil escravocrata, Editora. UNESP, 2000).

Também foi esquecido a Reforma do Ensino Primário de Rui Barbosa, embora ainda continuasse a defender ideias progressistas até o final da vida, como atesta o discurso feito na sua campanha à Presidência em 1919, no qual defende a concessão dos direitos aos trabalhadores, reproduzido parcialmente no volume II de “A Classe Operária no Brasil, 1889 a 1930” de Paulo Sérgio Pinheiro e Michael Hall, São Paulo: Brasiliense, 1981.

Mas, diferente do Liceu do Rio de Janeiro, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, fundado em 1873, optou pelo modelo de fábrica que acabou vingando no cenário do processo da industrialização do Brasil. O Liceu paulista tornou-se modelo para o ensino do desenho moderno no país com base na filosofia positivista. O seu objetivo seria formar operários qualificados para o mercado de trabalho adaptado aos preceitos da administração cientifica de Frederick Taylor.

Nas palavras de Ricardo Severo, tratava-se da “escola da sociedade paulista daquela época, de constitucional liberalismo, conduzida pela nova corrente do positivismo filosófico para a obra renovadora da cultura e da civilização.” (...) Eles se fixaram nas condições da industrialização que se caracterizou inicialmente pela divisão do trabalho (sobretudo divisão entre projeto e execução), e pela especialização dos ofícios artesanais. A organização das oficinas do Liceu tende ao modelo de industrialização manufatureira, baseado na centralização de decisões na etapa do projeto, reunindo vários ofícios especializados em um mesmo local, de modo a possibilitar o parcelamento das tarefas. (17)

O taylorismo ainda não existia no Brasil, e nem existia no seu país de origem, os Estados Unidos da América, porém a sua lógica de funcionamento já estava presente. A aproximação do ensino do Liceu de São Paulo com o taylorismo ocorre na medida em que o positivismo restaurou a antiga divisão do pensar e do fazer, hierarquia necessária para a Teoria da Administração Cientifica taylorista.

Embora o sistema de fábrica já tivesse introduzido a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual no interior do processo de trabalho, as tarefas específicas de cada trabalhador ainda eram deixadas em suas mãos. (...) Taylor vai dizer que cada tarefa e cada movimento de cada trabalhador possuem uma ciência. (...) Conseqüentemente, se existe uma ciência para cada tipo de trabalho, as determinações das tarefas não deveriam ser deixadas a cargo dos próprios operários apegados à sua tradição, mas deveriam ser estudadas, classificadas e sistematizadas por cientistas do trabalho, no caso a gerência científica. Trata-se então de separar as fases de planejamento, concepção e direção, de um lado, das tarefas de execução, de outro. (18)

O positivismo trouxe de volta os preconceitos que Diderot, Ruskin, Bethencourt da Silva e Rui Barbosa tentaram em vão destruir. Diferente da divisão entre as Artes Liberais das Artes Mecânicas, porém em essência igual, o cientista positivo pensa e, portanto é quem manda, ao passo que, o técnico positivo obedece e, portanto apenas cumpre ordens.

A concepção positivista da ideologia como conjunto de conhecimentos teóricos possui três conseqüências principais: 1) define a teoria de tal modo que a reduz à simples organização sistemática e hierárquica de idéias, sem jamais fazer da teoria a tentativa de explicação e de interpretação dos fenômenos naturais e humanos a partir de sua origem real. Para o positivista tal indagação é tida como metafísica ou teológica, contrária ao espírito positivo ou científico; 2) estabelece entre teoria e prática uma relação autoritária de mando e de obediência, isto é, a teoria manda porque possui as idéias e a prática obedece porque é ignorante. Os teóricos comandam e os demais obedecem; 3) concebe a prática como simples instrumento ou como mera técnica que aplica automaticamente regras, normas e princípios vindos da teoria. A prática não é ação propriamente dita, pois não inventa, não cria, não introduz situações novas que suscitem o esforço do pensamento para compreendê-las. (19)

O ensino do desenho no Liceu paulista pretendeu formar técnicos a fim de constituir um mercado de trabalho treinado para receber as ordens de seus superiores, ou seja, alguns pensavam e outros faziam. O ensino de desenho, nestes termos, se limitou a transmitir a lógica da geometria euclidiana com base no ensino-aprendizagem da repetição e memorização de regras. A noção de natureza positivista viria da logica das ciências físicas com base na lógica da matemática.

(...) Sob estes pontos de vista, é considerada em primeiro lugar a disciplina mental e social, que deve existir em qualquer organismo industrial e no próprio operário. Por este motivo o programa geral do Curso de Artes inicia-se pelo Desenho Linear Geométrico. A Geometria constitui, portanto, a base de todo este sistema pedagógico que obedece no seu desenvolvimento a uma ordem rigorosamente geometral. (20)

Considerações finais

O ensino do desenho moderno no Brasil do século XIX foi influenciado por duas noções de natureza. A primeira veio do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro com a filosofia da Natureza de John Ruskin e a segunda, do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo com a filosofia da natureza positivista. As duas concepções de natureza dariam origem a duas concepções de fábrica diferentes, a cooperativista e a taylorista, sendo que a segunda prevaleceu sobre a primeira.

notas

1
O taylorismo nesta época ainda não existia, porém a divisão do trabalho que subsidiou a Teoria de Taylor sim, e é isto que estamos considerando.

“(...) Ao lado de todos estes trabalhadores especificamente treinados estão os gerentes, aqueles que dominam a ciência do assentamento dos tijolos e portanto os que podem determinar o que e como cada trabalhador deve fazer. São os gerentes que treinam os operários para trabalharem com os novos métodos. São eles que explicam, auxiliam, encorajam cada trabalhador individualmente, ao mesmo tempo que controlam a produção de cada um a fim de recompensar monetariamente aqueles que seguiram corretamente as normas de trabalho impostas. Por outro lado, são também eles que decidem pela dispensa daqueles operários cuja ignorância e preconceitos impedem de perceber as vantagens das normas cientificas do trabalho para ambas as partes. Este pequeno exemplo serve para nos dar uma primeira ideia do que é usualmente chamado de taylorismo, o conjunto de estudos desenvolvidos por Frederick Winslow Taylor (1856-1915) e aplicados nas industrias de todo o mundo, determinando a organização do processo de trabalho contemporâneo.” (RAGO, L.,M., MOREIRA, E.. O que é o taylorismo. São Paulo: edt. Brasiliense, 1984, p.14).

2
 “Definida a arte, Diderot passa a explicar a origem da divisãp, ou melhor, da distribuição que se fez entre artes liberais e mecânicas. Ele parte do princípio já tradicional de que há obras que são mais do espirito  do que da mão, e outras que, ao contrário, são mais da mão do que do espirito. As primeiras deu-se o nome de liberais e as demais, de mecânicas, contudo essa distribuição é considerada bastante grosseira  pelo autor, uma vez que nã dá nuanças que delineiam cada uma das artes. A seu ver, ela é fruto do preconceito que dignificou e exaltou as artes liberais e rebaixou as mecânicas. Gerada pelo preconceito, a distribuição é ridícula, na medida em que provoca uma maior estima pelas ciências  sublimes do que pelas artes mecânicas. Tudo seria diferente se a divisão fosse calcada nas vantagens de cada uma delas, pois o preconceito nos leva a elogiar os homens que desejam nos fazer crer que somos felizes e a desprezar os que se ocuparam em fazer com que nós efetivamente o fossemos.” (MAGNÓLIA, C. S., Posfácio , Diderot, da interpretação da natureza. São Paulo: Madrid Tecnos, 1988, p. XIV).

3
 “Técnica: conjunto de regras práticas para fazer coisas determinadas envolvendo a habilidade para executar e transmitir verbalmente, pelo exemplo, o uso das mãos, dos instrumentos e ferramentas e das máquinas.

Tecnologia burguesa: estudo e conhecimento cientifico das operações técnicas ou da técnica. Compreende o estudo sistemático dos instrumentos, das ferramentas e das máquinas empregadas nos diversos ramos da técnica, dos gestos e dos tempos de trabalho e dos custos dos materiais e energias empregadas. A tecnologia implica na aplicação dos métodos das ciências físicas e naturais e, como assinala Alain Birou, também na comunicação desses conhecimentos pelo ensino técnico.” (GAMA, R., A tecnologia e o trabalho na história. São Paulo: Nobel-Edusp, 1986, p.31).

4
BETHENCOURT DA SILVA. O Brazil Artístico. Revista da Sociedade propagadora das Belas Artes do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Tipografia Leuzinger. 1911, p.27.

5
BARBOSA, R., O desenho e a Arte Industrial, discurso de Rui Barbosa no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Rodrigues & Cia, 1949.

6
BARROS, P., O Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e o seu fundador. Rio de Janeiro: Tipografia do Liceu, 1956, p.156.

7
Lebreton veio fundar duas escolas, a de Belas Artes e a das Artes Mecânicas. Conforme Lebreton, a primeira realizaria a concepção do projeto e a segunda executaria o que a primeira idealizou. Ou seja, Lebreton manteve o velho preconceito entre o pensar e o fazer. Mas não foi assim que ocorreu, isto porque o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro foi fundado muito tempo depois de sua morte e seria influenciada pelas críticas a exposição Londrina de 1851, mas especificamente pelas críticas feitas por John Ruskin pregando a união entre Artes Liberais e Artes Mecânicas, ou seja, quem pensa também faz...

8
John Ruskin, crítico de arte inglês do século XIX.

9
GAMA, R., Op. Cit., p.144.

10
RUSKIN, J. The Stones of Venice, v.III, p.164, tradução do autor.

11
Ruskin extraiu a sua concepção de política da ajuda mutual de sua filosofia da natureza. Para Ruskin todo elemento natural precisa trocar com os outros para sobreviver. Assim, todos são dependentes uns dos outros e precisam se ajudar mutuamente. Ruskin achava que a natureza funcionava assim e pedia para que o homem imitasse essa lógica natural a qual chamou de composição natural.

12
ASHBEE, C., An endeavour towards the teaching of John Ruskin and William Morris. Londres: E. Arnold, 1901, p.13, 18, 22, 47.

13
Livros escritos por John Ruskin.

14
BARBOSA, R., Reforma do Ensino Primário. Obras completas de Rui Barbosa, Vol.1. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1946, p.253.

15
BARBOSA, R., Op. Cit., 1946, p.274.

16
BARBOSA, R., Op. Cit., 1949, p.52.

17
BELUZZO, A.M., Artesanato Arte e Indústria. São Paulo: tese, Fau Usp, 1988, p.102, 339.

18
RAGO, L.M. MOREIRA, E.F.P., O que é o taylorismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.19.

19
CHAUI, M. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980, p.28.

20
SEVERO, R. O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. São Paulo: LAO São Paulo, 1934, p.81.

bibliografia complementar

AMARAL, C. S., The influence of John Ruskin on the teaching of drawing in Brazil: How his spatial way of thinking affects architecture and painting. Nova Iorque: The Edwin Mellen Press, 2011.

ASHBEE, C., An endeavour towards the teaching of John Ruskin and William Morris. Londres: E. Arnold, 1901.

COMTE, A., Curso de Filosofia Positiva; Discurso sobre o espírito positivo; Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo Positivista. São Paulo: Abril Cultural, Os Pensadores, 1983.

FONTANA, L., O verbo e o desenho. Bauru: Trabalho Final de Graduação, FAAC, UNESP, 2010.

TAYLOR, F., W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1986.

sobre o autor

Claudio Silveira Amaral é Prof. Dr. da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP.

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