A produção fabril de escultura de grande porte para colocação exterior iniciou-se em Portugal na Real Fábrica de Louça, ao Rato, nos últimos meses de 1769. Já antes haviam ocorrido algumas experiências, no espaço das olarias lisboetas (1) e mesmo em Coimbra (2), mas estas foram episódicas, com um propósito religioso e num contexto de manufactura esmagadoramente associada à produção de objectos de uso.
As esculturas produzidas no Rato integravam outro paradigma. Na sua maioria possuem uma feição classicizante, sendo por isso brancas, evocação do trabalho em pedra, representando divindades ou personagens da mitologia e cultura greco-romana e destinando-se, maioritariamente, a ser colocadas em jardins. Oapogeu da produção destas peças situou-se no período entre 1781 e 1816, sob a administração de João Anastácio Botelho de Almeida, ainda que a mesma tenha prosseguido quase até ao encerramento da fábrica (3). É precisamente desta fase final que há notícia, em 1826, do importante envio para o Rio de Janeiro de “Estátuas, Grupos e Vasos” destinados à Real Quinta da Bela Vista ou Paço de São Cristovão (4). Esta encomenda envolveu a criação de novas figuras e vasos, testemunho eloquente da sua importância, da qual sabemos existirem ainda exemplares no local c. de 1880, através de uma fotografia do chamado Jardim as Princesas, nesse edifício.
A Real Fábrica de Louça, ao Rato, em Lisboa, foi a única unidade fabril, desta primeira vaga que iniciou a sua produção ainda sob a protecção do Marquês de Pombal, no 3º quartel do século XVIII, a contar nas suas listas com peças escultóricas. Até ao seu encerramento, em 1835, não há notícia de outros centros cerâmicos produzirem peças de vulto para colocação em jardins ou outros espaços de exterior.
O ressurgimento da escultura cerâmica ocorreu em meados do século XIX, provavelmente procurando ocupar o espaço deixado vago pela fábrica de Lisboa, ainda que agora despontasse um conceito diferente de aplicação. As peças então produzidas, ainda que aplicadas em jardins (5) ou espaços de lazer, por vezes empregando um carácter exótico – como um tipo de bancos de jardim em figura de macacos (6), produzidos na Fábrica de Santo António do Vale de Piedade, de Vila Nova de Gaia – começaram, no 3º quartel do século, a ocupar paulatinamente as fachadas de edifícios, enobrecendo-os e procurando dota-los de um carácter erudito que, muitas vezes, a própria arquitectura desmente (7).
Um dos factores que terá contribuido para esta utilização da escultura cerâmica poderá ser encontrado em produções de outras fábricas europeias. Destas, talvez as mais influentes tenham sido as inglesas (8), responsáveis por algumas soluções que mereceram grande divulgação à época, como a fachada sul do South Kensington Museum (hoje Victoria and Albert Museum), em Londres, datada dos anos 60 do século XIX, edificio que veio a albergar, duas décadas mais tarde, talvez a mais influente exposição, no que a Portugal diz respeito, até então realizada fora do país. Tratava-se da Spanish and Portuguese Ornamental Art, apresentada em 1881, da qual nasceu o projecto da seminal Exposição de Arte Ornamental, que teve lugar em Lisboa no ano seguinte.
Já desde os anos 70 de Oitocentos que a capital inglesa via as fachadas de edifícios importantes serem preenchidas com esculturas cerâmicas – na sua maioria baixos-relevos produzidos por algumas das mais importantes fábricas britânicas – como o Albert Hall (1867-71), o Wedgwood Institute, Burslem, Staffordshire (1863-73) ou o Museu de História Natural, em Londres 81873-1881), só para citar alguns (9). A produção fabril portuguesa deverá ter estado a par deste interesse pela escultura de fachada pois, aquando da Exposição Internacional de Filadélfia, em 1876 (10), o pavilhão português apresentava diversas esculturas de vulto, indicando uma produção florescente deste tipo de objectos (11).
Ao contrário do que ocorrera no final do século anterior, o fabrico de esculturas cerâmicas já não se concentrava em Lisboa, pelo contrário, deslocara-se para o Porto e Gaia, conhecendo-se exemplares seriados produzidos nas mais importantes fábricas locais, como: Santo António do Vale de Piedade, Devesas, Massarelos, Miragaia e Carvalhinho. Em Lisboa, somente há registo da Fábrica Viúva Lamego ter sido responsável por este tipo de peças, com excepção de alguns raros exemplares produzidos na Fábrica Roseira e, aparentemente, na unidade da Calçada do Monte. É, no entanto, às unidades nortenhas que se pode imputar a esmagadora maioria das peças empregues na arquitectura brasileira, mercê de exportações então efectuadas. Muitas destas peças – das esculturas aos vasos e bustos – que ornamentaram jardins e fachadas de edifícios brasileiros, têm vindo a ser reunidas no Instituto Portucale de Cerâmica Luso-Brasileira (12), na Chácara Marajoara, em Embu, localizada na região metropolitana de São Paulo, onde se podem ver exemplares de todas estas fábricas.
Os temas presentes, muitos com diversas variantes, prosseguem o gosto pela erudição mitológica greco-romana, com Mercúrio – o mais representado, pela sua relação com o comércio – Júpiter, Diana ou mesmo as Musas. Surgem, apesar disso, novos temas, como Bailarinas gregas em diferentes posturas, mas que remetem para a obra do italiano António Canova (1757-1822), indiciando a busca por uma linguagem erudizante de pendor mais académico (13). Outro aspecto que ressalta nas representações destas imagens são os temas associados a alegorias, como a Gratidão, a Amizade ou a Bondade. A esta escolha não será alheio o facto de os referentes de algumas destas peças serem esculturas que se encontravam em cemitérios, talvez por estas serem os modelos mais acessíveis para os modeladores fabris que procuraram implementar este tipo de produção (14).
Ainda que sem grande expressão, talvez por se destinarem a edifícios muito específicos, encontram-se alguns conjuntos de índole religiosa como as Virtudes Teologais (Fé, Esperança e Caridade) ou Apostolados, com os seus doze elementos. No entanto, os temas que predominam nas imagens cerâmicas empregues em fachadas, quer lusas, quer brasileiras, seguem outra lógica, mais direccionada para os ritmos da vida e do tempo, como os Meses do ano ou as quatro Estações (talvez o tema mais popular e com maior número de soluções escultóricas conhecidas), os quatro Continentes e as personificações do Comércio e, especialmente, da Indústria.
Esta iconografia ajuda-nos a compreender a mensagem que se procurava transmitir através da sua utilização nas fachadas citadinas, uma ideia de progresso e de domínio do tempo e do espaço. A cidade, mercê do discurso veiculado por estas fachadas, ganhava, assim, uma lógica de modernidade, ainda que, a esta, se procurasse aliar uma expressão de tradição erudita de raiz clássica. Despojando muitas destas arquitecturas dos elementos cerâmicos que nelas se encontram apostos – azulejos, estátuas, vasos, esferas, bustos, platibandas, goteiras, beirais, telhas – o que prevalece são edifícios, na maioria dos casos, desinteressantes e mesmo pobres, cuja identidade advem-lhes dessa presença, por vezes excessiva e de gosto algo impositivo. Isto é um elemento importante, pois a presença destas esculturas poderia levar-nos a apontar como matriz para a sua colocação nestes espaços expositivos citadinos um revivalismo neoclássico.
No entanto, uma observação mais cautelosa parece demonstrar que estamos perante uma lógica diferente, a criação de uma linguagem híbrida que permite a fusão de influências diversificadas. Ela também não integra o discurso romântico com as suas atmosferas de carácter místico, ainda que tenha um sabor cenográfico que, muitas vezes, está associado a este movimento. O que parece encontrar-se aqui é um produto original, uma fusão de elementos e influências que criam uma linguagem cenográfica na cidade, uma teatralização do espaço urbano que lhe dá a feição evocativa de um cenário, onde a população assume, mercê da rigidez comportamental da época, o papel de actores.
Em rigor, as fachadas decoradas com azulejos, esculturas e outros materiais cerâmicos, com presença assinalada em Portugal e no Brasil, reflectem uma arquitectura prática, com uma lógica sumptuária simples e clara, cuja mensagem dominante está associada ao progresso e à renovação que a Revolução Industrial trouxe. Aqui, a escultura cerâmica perdeu um papel decorativo e bucólico, que lhe advinha da sua colocação em espaços de jardins, para assumir, especialemente a partir do final do 3º quartel do século XIX, uma dimensão de discurso programático, enaltecendo novos valores e a emergência da nova classe ascendente, a burguesia.
Uma das questões que permanece ainda e que se prende com a utilização de materiais cerâmicos no Brasil é o seu impacto em Portugal. Independentemente das motivações que levaram ao seu emprego nas fachadas edificadas brasileiras e lusas, um aspecto é, contudo, comum a ambas, o facto de serem consideradas manifestações de mau gosto (15). Se a exportação destes materiais para terras brasileiras alterou a imagem das cidades, nomeadamente no emprego da escultura cerâmica produzida em fábricas lusas, o papel que os chamados “brasileiros torna-viagem” tiveram na disseminação de uma nova orientação de utilização destes materiais em território português permanece ainda muito preso a (pre)conceitos nascidos de estereótipos literários coevos. A imagem que temos destas personagens deve muito à caricatura que deles fizeram escritores como Júlio Dinis (1839-1871), mas especialmente o virulento Camilo Castelo Branco (1825-1890) (16).
Um outro aspecto que importa, igualmente, salientar é a relevância que a produção de elementos escultóricos em cerâmica para jardins, eventualmente adaptados para fachadas, assumia no contexto das fábricas nacionais. Essa importância é patente nos próprios painéis de azulejos que ornamentam a fachada da Fábrica Cerâmica das Devesas, num dos quais, o seu fundador, António Almeida da Costa (1832-1915) (17) surge representado no espaço da Oficina de estatuária. Esta fábrica teve ainda a particularidade de nela ter colaborado o escultor José Joaquim Teixeira Lopes (1837-1918) - pai do também escultor António Teixeira Lopes (1866-1942) - responsável por alguns dos modelos aí comercializados. Este tipo de colaboração não foi caso único. Sabe-se que o escultor António Soares dos Reis (1847-1889) chegou a modelar peças para a Fábrica de Santo António do Vale de Piedade (18), o que parece indiciar um investimento, por parte destas unidades de produção, num aperfeiçoamento destas peças, eventualmente sintomático de maior procura deste género de produto, mas também de uma clientela mais exigente.
Observando o recorrentemente reproduzido catálogo da Fábrica Cerâmica das Devesas, datado de 1910, é evidente, em algumas das esculturas aí representadas, a colagem a modelos de João José de Aguiar (1769-1841), discípulo de António Canova, ou Francisco de Assis Rodrigues (1801-1877), a geração herdeira do chamado Laboratório de Joaquim Machado de Castro (1731-1822). Francisco de Assis Rodrigues foi o responsável pela execução das duas musas da comédia e da tragédia (Tália e Mélpomene, respectivamente) e do Gil Vicente que ornamentam o frontão do Teatro D. Maria II, inaugurado em 1846, edíficio que poderá ter tido alguma responsabilidade na formação do gosto pela colocação de estatuária nas fachadas da cidade. Exemplo ainda remanescente desta referência é a fachada do antigo Teatro Luís de Camões (19), na Calçada da Ajuda, onde a mesma métrica, o autor (aqui são três bustos de escritores) central se encontra ladeado pelas duas musas, em pose próxima das suas congéneres pétreas.
Este é um aspecto que nos conduz a outra questão relacionada com a integração de figuras de faiança ou terracota nas arquitecturas nacionais. Parece evidente que o fenómeno teve origem em factores variados, dimensão que poderá ter condicionado a sua expressão consoante o ponto do País onde se encontra assinalado. Assim, no caso lisboeta, talvez não seja de descurar, para além da fachada do Teatro D. Maria II, o aspecto aúlico de estruturas como o Arco da Rua Augusta, inaugurado em 1873 e que teve ampla divulgação nos jornais da época. Esta arquitectura eternizava um tipo de elemento da paisagem urbana, os arcos e construções efémeras construídos por ocasião de festas da cidade e cujas raízes remontam ao século XVI. O carácter cenográfico de algumas fachadas, aliado à iconografia ainda muito presa à herança imagética de César Ripa (meados séc. XVI-1622), podem apontar para referentes entretanto perdidos, nascidos de celebrações e discursos simbólicos capazes de conduzir à criação de uma arquitectura que se tornava, assim, na sua génese, de âmbito multicultural.
Esta produção, no entanto, foi desaparecendo progressivamente no dealbar do século XX, com o advento de uma linguagem artística diversa, a Arte Nova, que noutros países, curiosamente, assistiu à integração de esculturas cerâmicas em fachadas, mas que em Portugal acabou por constituir um fenómeno residual. Uma das razões para este desaparecimento poderá dever-se a factores técnicos, mais do que a opções artísticas. Com o final do século XIX, mas de forma mais determinante no início do seculo XX, a indústria cerâmica nacional encontrava-se sujeita a duas condicionantes que explicam alguma da decadência então observada. Para além de outros factores – políticos, económicos e sociais – um dos aspectos importantes nessa conjuntura era a concorrência exercida pelas produções de outros países, nomeadamente a proveniente de Inglaterra e da França. Apesar da publicação de pautas alfandegárias que procuravam sobrecarregar estas produções com direitos de importação, a concorrência permaneceu constante só abrandando no 2º quartel do século XX. Um segundo factor, este talvez mais decisivo, contribuiu para um lento retrocesso produtivo, o arcaismo dos equipamentos empregues nas unidades fabris nacionais, face à modernização estrangeira que então ocorria no mesmo ramo.
Se a moda oitocentista de colocar elementos cerâmicos nas fachadas foi sempre encarada como sinal de ostentação e poder económico essa ideia tem vindo a ser relativizada (20). É possível que ela estivesse presente, mas também é provável que esta utilização tenha nascido, no caso português, de uma nostalgia por um mundo colorido e vibrante, o qual se trocou pelas tonalidades pastel da terra-mãe. Este espírito pode ser encontrado, salvo as devidas distâncias temporais e sociais, na arquitectura dita “de emigrantes”, que povoa as terras portuguesas a partir dos anos 70 do século XX. Também aqui se reflecte a nostalgia de um outro espaço, de uma outra realidade, transposta para o mundo de origem, mas associando-lhe elementos característicos da vivência nacional local. Uma vez mais o azulejo industrial, dito “de casa de banho”, encontra o caminho para as fachadas e as esculturas (agora em pedra ou massa) pontuam portões e varandas.
O discurso destas imagens é também diverso do que ocorrera em Oitocentos. As esculturas já não reflectem figuras mitológicas ou alegorias, mas predominam os novos discursos e as actuais “divindades”, reflectidas nos símbolos dos clubes de futebol: leões, águias e dragões. Ainda que possa ser encarada como uma perspectiva algo simplista, há um grande paralelismo entre as arquitecturas produzidas na sequência das duas vagas de “torna-viagem” que marcam a paisagem urbana nacional, a do século XIX (inspirada pelo exotismo brasileiro) e a do 3º quartel do século XX (marcada por visões de realidades europeias variadas). Em ambas exprime-se o sucesso daquele que regressa, na ostentação de signos que demonstram o local onde venceu, tingidos por elementos atávicos de gosto nacional (o azulejo e a escultura). Uma diferença essencial, no entanto, separa-os, a qual prende-se com aquilo que a sociedade considera o sucesso. No século XIX, para além do dinheiro, privilegiava-se referentes culturais e um discurso erudizante que a escultura cerâmica então produzida permitia reflectir. Para o século XX, o sucesso mediu-se na configuração arquitectónica dos edifícios, que procuram reflectir o espaço de regresso e a urbanidade alcançada.
Como para todas as questões, nunca há respostas definitivas, só parcelas da realidade que presidiu a cada fenómeno, por isso o emprego de materiais cerâmicos, nomeadamente as esculturas, em Portugal e no Brasil e as relações que se estabeleceram, mercê destas experiências, permanece um tema ainda pouco claro, do qual se pode dizer que não passamos da fachada.
notas
NE – Sob coordenação editorial de Paula André (Instituto Universitário de Lisboa IUL) e Abilio Guerra (editor Arquitextos), número traz sete artigos em comemoração do “Ano de Portugal no Brasil e do Ano do Brasil em Portugal”, conforme Resolução do Conselho de Ministros n.º 7/2012, que menciona que “Portugal e o Brasil acordaram, por ocasião da X Cimeira, na realização, em 2012, em conjunto e simultâneo, do Ano de Portugal no Brasil e do Ano do Brasil em Portugal, iniciativas concebidas como oportunidades para actualizar as imagens recíprocas, promover as culturas e as economias de ambos os países e estreitar os vínculos entre as sociedades civis” [Diário da República, 1ª série, nº 10, 13 jan. 2012, p. 133 <http://dre.pt/pdf1sdip/2012/01/01000/0013300135.pdf>]. Os artigos do número especial Brasil/Portugal são os seguintes:
ANDRÉ, Paula. Arquitecturas e cidades devoradas entre Portugal e o Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.00, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4501>.
ALMEIDA, Ana. O azulejo em Portugal nas décadas de 1950 e 1960. Influência brasileira e especificidades locais. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.01, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4490>.
JORGE, Luís Antônio. Língua portuguesa, literatura brasileira e os lugares do modernismo no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.02, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4503>.
MACEDO, Helder. As rédeas do Reino e os muros de Marrocos. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.03, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4494>.
PAIS, Alexandre Nobre. Um tema de fachada. A escultura cerâmica portuguesa no exterior de arquitecturas luso-brasileiras. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.04, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4484>.
BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. A arquitetura das fronteiras do Brasil. Duas faces de um mesmo problema. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.05, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4506>.
SIMÕES JUNIOR, José Geraldo. Paradigmas da urbanística ibérica adotados na colonização do continente americano. Sua aplicação no Brasil ao longo do século XVI. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.06, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4505>.
1
Estão assinaladas quatro peças de feição religiosa manufacturadas nas olarias de Lisboa nos 2º e 3º quartel do século XVII. Destas, uma estava colocada num jardim em Valongo, hoje em colecção particular; outras duas permanecem nas fachadas para que se destinavam: a Igreja de Nossa Senhora da Alegria, em Castelo de Vide e a Igreja da Misericórdia de Óbidos. Da quarta imagem desconhece-se a origem, mas encontra-se na colecção do Museu Nacional de Soares dos Reis.
2
Poderá ser imputada a este centro um Neptuno com golfinhos, em colecção particular, aparentemente da 1ª metade do século XVIII e que estaria numa fonte de Valongo.
3
Cf. Real Fábrica de Louça, ao Rato (cat. exp.). Lisboa, Museu Nacional do Azulejo, 2003.
4
Cf. PAIS, Alexandre Nobre. A escultura in Real Fábrica de Louça, ao Rato (cat. exp.). Lisboa, Museu Nacional do Azulejo, 2003, p. 426-427. Monteiro, João Pedro. O Brasil como destino da cerâmica da Real Fábrica de Louça in Convergência Lusíada, nº 24, Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, 2º semestre 2007.
5
No inventário dos bens que se encontravam na Fábrica de Louça de Miragaia, datado de 22 de Abril de 1842, por ocasião da falência do seu proprietário, Francisco da Rocha Soares, são mencionadas:“37 figuras de corpo inteiro para jardim – 177$600rs; 1 figura de meio corpo – 2$400rs; 2 figuras grandes de Mercúrio, refugo – 14$400 rs; 1 busto de D. Pedro – 4$800rs (...) 2 figuras de leão – 14$400rs”. Cf. Fábrica de louça de Miragaia (cat. exp.). Lisboa, Instituto dos Museus e da Conservação, 2009, p. 77-78. Também uma factura da Fábrica Cerâmica do Carvalhinho, em Vila Nova de Gaia, datada de 1870, sendo então proprietário Tomás Nunes da Cunha, refere que se produziam aí:“Louça, azulejos, telhas, vazos, figuras para adorno de jardim, pinhas para adorno de jardim”. Cf. MARTINS, Fausto. Subsídios para a História da Fábrica Cerâmica do Carvalhinho. Vila Nova de Gaia, Revista Gaia, 1984, p. 448-450.
6
Estes bancos são referenciados numa aquisição efectuada a 18 de Novembro de 1864 à Fábrica de Santo António do Vale da Piedade e destinados à Casa do Chão Verde, no Porto, referindo-se: ”2 macacos para assento – 7$000rs”. Cf. DOMINGUES, Ana Margarida Portela, A ornamentação cerâmica na arquitectura do Romantismo em Portugal. Tese de Doutoramento. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2009, p. 404. A Fábrica inglesa de Minton produziu a partir de 1870, em majólica colorida, um tipo de assentos para jardim, ditos de inspiração japonesa, muito semelhantes às peças portuguesas, ainda que com melhor acabamento. Cf. KNOWLES, Eric. Victoriana, Antiques checklist. London, Mitchell Beazley Publishers, 1991, p. 71.
7
Acerca do tema das fachadas ornamentadas portuguesas é fundamental cf. DOMINGUES, 2009.
8
São conhecidas produções deste tipo em outros países, como a associada a Julius Wiese que, c. de 1890, produziu figuras em majólica colorida ou, em maior escala, o que saiu da Manifattura di Signa, em Florença, com as suas cópias de esculturas clássicas greco-romanas. Cf. Markische ton-kunst veltener ofenfabriken ein beitrag zur kulturgeschichte des heizens (cat. exp.). Berlim, Edition Cantz, 1992, p. 114 e CONTI, Giovanni, GROSSO, Gilda, La maiolica fiorentine. Roma, De Luca Ediziones d’Arte, 1990.
9
Para mais informações sobre o tema cf. LEMMEN, Hans van, Architectural ceramics. Buckinghamshire, Shire Publications, 2002. Não queremos com isto excluir a produção de fábricas espanholas ou francesas, sensível na escolha de modelos empregues em algumas das unidades nacionais, no entanto, é provável que o exemplo britânico tenha tido reflexos importantes na sua aplicação em edifícios citadinos.
10
O impacto desta mostra é patente, por exemplo, no trabalho de Jennie Young, publicado em 1878, onde se refere: “Of the ceramics of Portugal very little is known; but that little is sufficient to lead us to wish for more exact knowledge. In this matter, Portugal has not yet, in fact, been appointed to any recognized place in history. Her ceramic art has not been known to Europeans for more than ten years [na sequência da Exposição Universal de 1867], and to Americans for little more than one [na sequência da Exposição Internacional de 1876, de Filadélfia]; and we have no means of telling whence it was derived. (…) The humor which the Portuguese contrived to infuse into their art evidently lent the pottery section of their department at the Centennial its greatest attraction; and combined as it was with excellent modeling and colors, the nature of which we can hardly specify, it excited our curiosity to learn what historical background there may be to the art which now chooses such expression”. Cf. YOUNG, Jennie. The ceramic art. The history and manufacture of pottery and porcelain. New York, Harper & Brothers publishers, 1878, p. 239.
11
“The section assigned to Portugal (...) It is about as large as the Egyptian section (...) In this section of the space is the display of glassware, pottery, and porcelain, which, though not large, is very good. (...) here is to be seen the finest porcelain and glassware of this exhibit”. Cf. International Exhibition. 1876 Official catalogue. Part II - Art gallery, annexes, and outdoor works of art. Philadelphia, John R. Nagle and Company, 1876, p. 430. Para aqueles que desejarem aprofundar o tema da Exposições Universais e Internacionais devem consultar: SOUTO, Maria Helena. Arte, Tecnologia e Espectáculo. Portugal nas Grandes Exposições, 1851-1900. Dissertação de Mestrado. Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1996. Queremos agradecer a Maria Helena Souto disponibilizar-nos algum do material referente a este tema.
12
Organizado por João Paulo Camargo de Toledo, a quem agradecemos as informações.
13
Nas fotos das Bailarinas presentes no catálogo de 1910 da Fábrica de Cerâmica das Devesas, imagem presente neste texto, a figura da direita segue de perto a Bailarina com dedo no queixo de António Canova, de c. 1819-23, na National Gallery, Washington. A que se encontra ao seu lado, com o nº 96, é já uma interpretação da Dançarina de 1812, do mesmo escultor, na posse do Museu do Hermitage, em São Petersburgo.
14
Esta percepção foi avançada por Ana Margarida Portela, que encontrou em cemitérios alguns dos modelos que estiveram na génese de esculturas produzidas pelas Fábricas de Santo António do Vale de Piedade e das Devesas. Isto explica alguma iconografia clássica presente em peças cerâmicas, como a Parca Atropos, responsável pelo corte da vida dos homens, da qual se conhece uma escultura no Instituto Portucale de Cerâmica Luso-Brasileira e várias peças em cemitérios portuenses. Cf. DOMINGUES, 2009, p. 436, 450.
15
Esta ideia que é veiculada num registo brasileiro mais popular, não encontra só críticos. O importante investigador Eldino da Fonseca Brancante refere, a este propósito, ter sido esta das “fases mais decorativas e alegres do urbanismo brasileiro. Contribuíram elas para transformar o aspecto daquelas massas pesadonas, sizudas dos casarões em jovial e colorida apresentação através do emprego de telhas esmaltadas de branco e azul, ou ainda de pináculos, pinhas, estatuetas, ponteiras, vasos, balaústres, colunetas, adornando o telhado e dando-lhe um remate rítmico e estético muitas vezes de sabor oriental. E os parques solarengos que antes, só raramente, em mansão de um ou outro potentado ostentavam estátuas de mármore, passaram a povoar-se de «seres» que o bom gosto e a inspiração dos ceramistas lusos fizeram surgir nos jardins, em meia-faiança ou louça esmaltada”. Cf. BRANCANTE, Eldino da Fonseca. O Brasil e a Cerâmica antiga. São Paulo, S.e., 1981, p. 495-496.
16
Na obra de Camilo a figura do “brasileiro” é recorrente, surgindo não só no sempre citado Eusébio Macário (1879) ou na Brasileira de Prazins (1883), mas já antes em Os brilhantes do brasileiro (1869) ou mesmo na Queda de um anjo (1866). Outros autores, menos conhecidos, reflectem o tema, como Faustino Xavier de Novais (1820-1869), que na sua poesia satirizou os “torna-viagem” ou, num outro registo de saudade, Francisco Gomes de Amorim (1827-1891), que enaltece o exotismo da paisagem brasileira. Cf. BARREIROS, António José. História da literatura portuguesa, sec. XIX-XX, 2 vol. Braga, Editora Pax, 1982, p. 118-119. Também não é irrelevante para a formação de uma imagem do “torna-viagem” como figura bonacheirona, pleno de prosápia pelo seu dinheiro, roçando o ridículo, a opereta de costumes O brasileiro Pancrácio, estreada pela primeira vez no Teatro da Trindade em 1893. Este original do escritor Sá de Albergaria (1850-1921) e música de Freitas Gazul (1842-1925), que conheceu várias representações em Portugal e no Brasil, introduziu uma nova adjectivação para uma figura simplória e pacóvia, o ser um “pancrácio”. Cf. PEREIRA, Maria da Conceição Meireles. O Brasileiro no teatro musicado português. Duas operetas paradigmáticas, http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/20424/2/revpopsoc152007mcmeireles000085266.pdf (consultado em 03.08.2012).
17
António Almeida da Costa tinha formação de canteiro, tendo aberto oficina de marmorista no Porto, em 1860. Colaborou nos elementos em mármore do monumento a D. Pedro V, na Praça da Batalha, com José Joaquim Teixeira Lopes, com responsabilidades no desenho do monumento. Este percurso poderá ajudar a explicar a importância que a escultura cerâmica teve nesta fábrica, para além da aproximação a modelos que se encontravam em cemitérios, e o destaque que lhe era dado nos próprios catálogos produzidos. Acerca da Fábrica e seu fundador cf. LEÃO, Manuel. A cerâmica em Vila Nova de Gaia. Vila Nova de Gaia, Fundação Manuel Leão, 1999, p. 257-260.
18
Cf. Fábrica de Louça de Miragaia, 2009, p. 103.
19
O Teatro Luís de Camões foi fundado em 1880 e desactivado em 1899.
20
Acerca deste tema cf. DOMINGUES, 2009, p. 369-389.
sobre o autor
Alexandre Pais investigador do Museu Nacional do Azulejo, de 1993 a 2004 e de novo desde 2009. Trabalhou no Palácio da Pena, Sintra (1987-1993) e no Instituto Português de Conservação e Restauro (2004-2009). Lecionou na Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, na Escola Superior de Artes Decorativas da Fundação Ricardo Espírito Santo, e Escola de Conservação e Restauro, Sintra. Tem várias publicações acerca de azulejo e cerâmica portuguesa. Concluiu recentemente o Doutoramento em Arte Decorativas na Universidade Católica Portuguesa, do qual aguarda as provas públicas, sobre o tema da faiança de Lisboa, entre 1550-1750, sob a orientação do Prof. Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa.