Para falar de sustentabilidade no futuro das cidades, optou-se por falar não de projetos de cidades utópicas, ideais, mas sim das cidades com seus problemas reais e atuais, em diversas escalas. Tais projetos utópicos são interessantes e auxiliam nossa reflexão sobre como devemos agir em busca de um futuro sustentável, mas se falarmos apenas desse tempo futuro, distante, parece também que as soluções se encontram lá, distanciadas do nosso cotidiano, do nosso tempo, como se com o passar dos anos, a solução dos nossos problemas finalmente chegasse. Ao invés de deixarmos nas mãos do tempo, é preciso refletir sobre o que podemos fazer agora, sobre o papel dos projetos de arquitetura enquanto indutores de um processo de transformação social e ambiental em busca da presente melhoria da qualidade de vida nas cidades. Por esse motivo este texto apresenta conceitos, pensamentos e idéias que podem ser aplicados na cidade real com a intenção de motivar os profissionais do urbano (engenheiros, arquitetos, urbanistas, planejadores) a participar ativamente no processo de construção da sustentabilidade urbana.
Por incrível que pareça para nós, que estamos envolvidos e sentimos diretamente e fisicamente as mudanças globais, resultado das relações que foram estabelecidas de uso dos recursos naturais e modificação contínua do meio físico ao longo do tempo, até um passado recente não havia a preocupação com o esgotamento dos recursos naturais. Hoje caminhamos para ampliar a consciência e mudar comportamentos em função da alarmante crise ambiental que vivemos, com velocidade de transformação e agravamento crescentes.
A recente Conferência Rio+20 (1) destaca entre as sete questões críticas discutidas (emprego, energia, cidades, alimentação, água, oceanos, desastres), que a degradação do meio ambiente e as mudanças climáticas contribuem para aumentar a ocorrência de desastres associados a riscos ambientais e afirma que nenhum país está imune, independente do nível de desenvolvimento econômico e social.
Porém, esta conscientização demorou um pouco a chegar. Antes da era industrial os desastres ou catástrofes ambientais ainda eram considerados “produtos da natureza”, como se esta fosse mágica e exercesse poder sobre os homens. Dentro desse contexto a questão ambiental referia-se a eventos da “natureza” que interferiam na organização socioespacial, mas que eram considerados independentes da ação humana, como por exemplo: vulcanismo, tectonismo, enchentes, inundações e incêndios em florestas provocados por tempestades, são alguns exemplos.
O início das preocupações sobre os riscos da degradação do meio ambiente e os impactos das atividades humanas sobre a qualidade de vida, ainda em escala local, começaram na década de 50 com a ocorrência de acidentes ambientais como o de Minamata (cidade no Japão) quando a descarga de água contaminada com mercúrio pela fábrica Chisso ocasionou defeitos congênitos e a morte de pessoas e animais. Acidentes ambientais continuaram a ocorrer, como o de Bhopal relacionado a gases tóxicos (Índia, 1984) e o Exxon Valdez (1989) envolvendo vazamento de petróleo.
Porém, antes disso, como consequência da revolução industrial no século XVIII já começaram as consequências socioambientais das transformações no meio físico das cidades, tornando-as insalubres com diversos focos de doença e desabrigando milhares de pessoas.
Discussões sobre os limites do desenvolvimento tiveram como marco histórico a constituição do Clube de Roma em 1968 composto por cientistas, industriais e políticos. No ano de 1972, este grupo publica o relatório intitulado “Os limites do crescimento” após discutir e analisar os limites do crescimento econômico levando em conta o uso crescente dos recursos naturais. Como resultado da análise, são identificados os maiores problemas a serem enfrentados para limitar o desenvolvimento: a industrialização acelerada, o rápido crescimento demográfico, a escassez de alimentos, o esgotamento de recursos não renováveis e a deterioração do meio ambiente. Para a elaboração deste relatório o grupo criou um cenário futuro de 100 anos, e sem considerar o surgimento de novas tecnologias, afirmou que se mantidos os níveis industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração dos recursos naturais o limite do planeta seria atingido. A principal causa desse quadro de degradação era a crescente pressão populacional sobre os recursos naturais para o atendimento das crescentes demandas.
Como principal solução para frear este processo o grupo sugeriu como ação necessária e urgente congelar o crescimento da população global e do capital industrial incentivando medidas de controle populacional e de redução do crescimento econômico. Mas surgiram reações de várias partes do mundo quanto ao resultado do relatório, tanto de intelectuais do primeiro mundo que criticavam o fim do crescimento da sociedade industrial, como também de cientistas e políticos atuantes nos países subdesenvolvidos que criticavam as propostas dos países desenvolvidos em "fechar a porta" do desenvolvimento aos países pobres, com uma justificativa ecológica. Em resposta a tais reações, foram incluídos no relatório capítulos com o objetivo de resguardar a soberania dos países sobre seus territórios e recursos naturais como também sobre a necessidade e liberdade de alcançar o desenvolvimento de forma igualitária para todos os países.
Dessa época até os dias de hoje, outros eventos importantes ocorreram para discutir a nível global as principais questões envolvendo a problemática ambiental, como por exemplo:
- A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano Conferência de Estocolmo (1972)
- A instituição da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (1983) que elaborou o Relatório Bruntland (“Nosso Futuro Comum”, 1987) com a intenção de elaborar “Uma agenda global para mudanças”. Este evento tem fundamental importância na discussão da sustentabilidade, pois divulgou internacionalmente o conceito de desenvolvimento sustentável enquanto “aquele que responde as necessidades do presente de forma igualitária mas sem comprometer as possibilidades de sobrevivência e prosperidade das gerações futuras” . Parte da importância reside na presença de dois conceitos-chave: as “necessidades” dos países em desenvolvimento e as “limitações” que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras. Mesmo assim, o conceito apresenta ambigüidades, criticadas por diversos cientistas e pesquisadores envolvidos com as questões ambientais, como pensar nesses dois termos juntos “desenvolvimento” (avançar cada vez mais) e “sustentável” (manter condições) ?
- A AGENDA 21 – documento idealizado durante a RIO 92, evento realizado no Rio de Janeiro no ano de 1992 onde foi firmado um pacto entre diversos grupos de interesse políticos, sociais, éticos e comerciais sobre os seguintes temas, que foram estruturados em capítulos do documento final: I Dimensões Econômicas e Sociais; Conservação e Gerenciamento de Recursos para o Desenvolvimento; Fortalecimento do Papel dos Grupos Principais e Meios de Implementação. Após a realização deste evento foram estimuladas iniciativas locais para a elaboração em cada país da sua agenda 21, como também no âmbito municipal sempre através de processos participativos. A Agenda 21 brasileira foi elaborada com os seguintes capítulos: Cidades sustentáveis; Agricultura sustentável; Infra-estrutura e integração regional; Gestão dos recursos naturais; Redução das desigualdades sociais e C&T e desenvolvimento sustentável.
Porém, desde a elaboração do relatório “Os limites do crescimento” em 1972, alguns problemas sociais e ambientais além de não terem sido solucionados, tanto nas pequenas, como nas grandes cidades, incluindo suas áreas rurais, foram agravados. Apesar de poucas iniciativas isoladas na reversão dos impactos socioambientais decorrentes da ação humana, com o desenvolvimento tecnológico, que não tínhamos, a velocidade das transformações no meio natural e também no ambiente construído, aceleram-se de tal forma que as possibilidades de reversão da degradação ambiental tornam-se mais difíceis e em alguns casos irreversíveis.
Sobre as consequências deste processo, vemos surgir atualmente um sério problema que envolve populações do mundo inteiro, e que deve ser objeto de reflexão: o crescente aumento do número dos “refugiados do meio ambiente”, termo desconhecido até pouco tempo atrás. Dados do Comitê Internacional da Cruz Vermelha apontam que hoje há mais pessoas deslocadas por desastres ambientais do que por guerras.
Estes refugiados são resultado do intenso modo com que a ação humana altera e desequilibra os processos ecológicos gerando impactos não apenas locais, mas regionais e globais. No ano de 2005 o Furacão Katrina que passou em Nova Orleans (Estados Unidos) deixou um milhão de norte-americanos na estrada, desalojados e com poucas perspectivas futuras. De acordo com a Universidade das Nações Unidas (UNU) até o ano de 2010 50 milhões de pessoas serão obrigadas a deixar seus lares, temporária ou definitivamente, por problemas relacionados ao meio ambiente, sejam elas vítimas de grandes desastres ou comunidades inteiras que serão forçadas a migrar devido a problemas no seu local de moradia, como a degradação de solos e águas que ira alterar profundamente a dinâmica de vida das pessoas.
Para agravar ainda mais a situação, e forçar o aumento de nossa consciência sobre os problemas ambientais, não somente locais, mas globais também, não serão somente estes desastres inesperados e catastróficos que irão aumentar o número de refugiados do meio ambiente. Existem mudanças ambientais que já estão ocorrendo diariamente, mas que são graduais, e são sentidas ao longo de tempo pelas populações de determinados territórios. Mas mesmo sendo mudanças graduais, estas também irão forçar milhões de pessoas a deixar os seus lares, como é o caso dos processos de desertificação, de degradação do solo e da elevação do nível do mar.
Este processo vem ocorrendo, entre muitos lugares, no deserto de Gobi, na China, que expande‑se mais de dez mil quilômetros quadrados por ano, ameaçando muitos povoados vizinhos. Outros exemplos: metade das terras irrigadas do Egito sofrem os efeitos da salinização e 160 mil quilômetros quadrados de propriedades agrícolas da Turquia sofrem os efeitos da erosão.
Mas esta situação não é diferente no Brasil, apesar de pouco ter se falado sobre isso. Temos sim no Brasil inúmeros refugiados do meio ambiente que sofrem as conseqüências diretas das alterações ambientais, que forçam o deslocamento de comunidades inteiras de certas regiões. Para identificar onde estão s refugiados do meio ambiente no Brasil é só analisar dados, estudos e pesquisas sobre os processos migratórios brasileiros, que na realidade, indicam os deslocamentos destes refugiados em busca de alternativas de sustento e vida. Dados de levantamento feito pelo IBGE em 2002,mostram que dos 50 municípios brasileiros (com até 20.000 habitantes) que mais perderam população entre 1991 e 2000 metade declarou enfrentar alterações ambientais relevantes que afetaram a vida da população. O que explica o processo migratório como conseqüência, entre outros fatores, da degradação ambiental, e extremamente ligado à produção de refugiados do meio ambiente.
Mas apesar de ser um termo recente, se voltarmos um pouco no tempo, Graciliano Ramos em “Vidas Secas” já nos alertava que algo estava acontecendo, o autor já retratava a realidade destas famílias que são obrigadas a deixar seus lares e por causa das transformações ocorridas em seu território. Ainda hoje, a seca é presente, seja por causa do desmatamento, das atividades agropecuárias ou da mineração, e o assoreamento dos corpos d’água - presente em 53% dos municípios brasileiros, altera completamente a dinâmica de vida de comunidades inteiras, principalmente as que dependem a pesca para sobrevivência.
Mas a pergunta que fica é porque ainda pensamos que estamos separados da natureza? Por que ainda competimos com a natureza e não estamos integrados a ela? Essa é uma situação que deve, prioritariamente, ser revertida, devemos promover uma mudança de postura e de pensamento, devemos pensar na integração, na harmonia, e não na competição e exploração indiscriminada dos recursos naturais. A natureza não deve ser mais vista como um bem inesgotável, uma fonte de renda, uma propriedade para fins lucrativos, ela é nossa aliada e devemos trabalhar para criar ambientes construídos, e melhorar a qualidade ambiental e de vida nas cidades através dessa relação.
Nessa tentativa, a construção de um processo de sustentabilidade urbana, não deve estar apoiado somente em um único conceito, uma única definição, um modelo ou receita. A sustentabilidade, dentro do ambiente complexo das cidades, deve ser pensada como uma sustentabilidade ampliada onde vários conceitos se relacionam e são interdependentes. A proposta para esta questão é que as ações de sustentabilidade sejam concebidas em quatro campos de ação, todos com sua relativa importância e interdependência.
São necessárias ações relativas ao gerenciamento adequado dos insumos e resíduos (matéria-prima e geração de resíduos), práticas sustentáveis para a conformação do ambiente construído (arquitetura, engenharia), a estruturação de redes de governança (estruturas institucionais, organizações, normas, padrões de avaliação ambiental) para a elaboração de normas e padrões a serem seguidos, como também para promoção de incentivos à boas práticas, e por último, mas não menos importante o fortalecimento das dinâmicas sociais (comportamento, consumo, controle social), para promoção de mudanças de comportamento e consumo, além das iniciativas necessárias de controle social, que contribuem para a gestão compartilhada do ambiente físico e natural.
As ações que promovem o ordenamento do território devem ser regulamentadas de modo a produzir um espaço social e ambientalmente justo e equilibrado. Tais ações são realizadas pelas Redes de Governança, que dentro de suas estruturas, de forma articulada ou não, tem a responsabilidade de elaborar e implementar:
- o zoneamento ambiental;
- as normas ambientais- estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;
- a avaliação de impacto ambiental e os procedimentos de licenciamento ambiental;
- as políticas públicas;
- os planos e programas setoriais;
- as ações de fiscalização ambiental;
os investimentos e incentivos para incentivar mudanças de comportamento, tanto de empreendedores, empresários, profissionais do espaço urbano, como também cidadãos.
As Dinâmicas Sociais devem atuar de forma integrada com as Redes de Governança. Dentro desse contexto a sociedade civil organizada também participa da gestão do território, defendendo seus interesses e demandas, e solucionando conflitos relativos ao uso do território, através de instrumentos de controle social:
- fiscalização e controle das atividades públicas;
- participação na tomada de decisão – conselhos municipais e outras instâncias – Plano Diretor – instrumentos do Estatuto da Cidade;
- orçamento participativo;
- audiências públicas;
- ação popular;
- código do consumidor;
- sindicatos;
- ONGS – mediadores entre sociedade civil e Estado;
- Universidades - integração entre comunidade, academia, poder público- mecanismo de pressão.
Com estes instrumentos a sociedade civil assume a gestão compartilhada do meio ambiente de corresponsabilidade, e promotora de uma cidadania ativa. Esse tipo de postura já foi defendido na Constituição Federal de 1988, no artigo 225: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
Continuando a explicação dos quatro campos de ações necessárias para construir um processo de sustentabilidade urbana, entraremos na questão do porquê é importante pensar nos insumos e resíduos. As cidades são como organismos vivos que absorvem recursos e emitem resíduos, pois precisam de insumos para manter a população e os processos produtivos de modo a atender as demandas de seus habitantes. Para explicar o funcionamento deste processo nas cidades, o antropólogo e ecologista Herbert Girardet desenvolveu o conceito de metabolismo linear. Linear porque os recursos que são extraídos são depositados de outro lado sem a reutilização ou reciclagem dos mesmos, gerando sérios impactos ambientais e sociais.
Muitos são os perigos da falta de planejamento e gerenciamento na utilização desses recursos, como também da disposição e tratamento inadequado dos resíduos que são gerados: esgotamento de recursos não renováveis, contaminação do solo, dos recursos hídricos e prejuízos à saúde da população são alguns exemplos dos possíveis impactos dessas atividades.
As áreas que são degradadas para a extração de recursos naturais objetivando a obtenção dos insumos, de um lado do processo, e as que recebem os resíduos gerados são denominadas “pegada ecológica” (ecological footprint). A pegada ecológica é a “marca” deixada no território na qual é possível identificar os impactos ambientais que foram gerados para o desenvolvimento das atividades humanas e atendimento de demandas diárias. É possível calcular a pegada ecológica, tanto de um indivíduo, de uma atividade produtiva, de uma cidade, de uma região ou de um país e para isso existem diversas ferramentas que foram desenvolvidas. A importância do cálculo da pegada ecológica reside na análise dos resultados obtidos para identificar os processos e comportamentos que são prejudiciais e que podem ser alterados para reverter, ou minimizar a degradação ambiental.
Realizar a extração dos recursos de forma sustentável é fundamental se levarmos em consideração o tempo para renovação dos recursos como também o esgotamento de alguns no futuro. A velocidade com que utilizamos os recursos e devolvemos os resíduos no meio ambiente também é preocupante se pensarmos que a capacidade de autodepuração dos recursos naturais é muito prejudicada nas cidades em função da carga de resíduos excessiva que é gerada. Esta capacidade tem ralação com os mecanismos de autolimpeza que a natureza possui, e que permitem, por exemplo, um curso d´água realizar um processo de autolimpeza após receber uma quantidade de resíduos.
Aproximando a discussão da sustentabilidade, dos impactos socioambientais, do metabolismo e da pegada ecológica com a arquitetura e com a construção civil percebemos a necessidade de se repensar os projetos e a forma de construção nas cidades. Dessa forma, mudando as práticas que envolvem a constante reformulação do Ambiente Construído, é possível caminhar para a construção de um processo de sustentabilidade urbana, não apenas para o futuro, mas para o tempo de hoje.
Dados obtidos no levantamento realizado para a elaboração do Guia de Boas Práticas na Construção Civil do Banco Real, apontam a necessidade de uma mudança de atitude:
- A quantidade gerada de resíduos de construção e de demolição (RCD) é, em média, de 150kg/m² construído, sendo que os resíduos da construção constituem de 41% a 70% da massa dos resíduos sólidos urbanos, ou seja, em muitos municípios mais da metade dos resíduos gerados por toda a cidade são resíduos da construção civil (2).
- O esgotamento das reservas próximas às grandes cidades faz com que a areia natural já esteja sendo transportada de distâncias superiores a 100km, implicando enormes consumos de energia e geração de poluição (3).
O cenário atual mostra a necessidade de reorientar as práticas de projeto de modo a diminuir a pegada ecológica das cidades, o que é possível se pensarmos em outro tipo de metabolismo para as cidades, conforme o sugerido por Herbert Girardet: o metabolismo circular. As principais diferenças entre este tipo de metabolismo, do linear presente na grande maioria das cidades, é que no circular a entrada de insumos é reduzida e é promovida a maximização da reciclagem para reduzir a geração de resíduos. Desse modo, parte dos resíduos gerados são reaproveitados através de ações como estas: coleta e tratamento de água para reuso nos jardins, sanitários, limpeza; o lodo de esgoto pode ser utilizado como nutriente na agricultura e o lixo orgânico pode ser utilizado na compostagem para enriquecer a terra com nutrientes.
Mas existem outras práticas que devem ser pensadas e executadas, desde o momento do planejamento da obra, da construção e operação do empreendimento envolvendo: o atendimento da legislação e de normas ambientais, a implementação de sistemas que objetivem a eficiência energética das edificações, a conservação da água, da biodiversidade e dos recursos naturais, entre outras.
Ampliando um pouco a escala e pensando em práticas a serem promovidas dentro das cidades, algumas alternativas para mudar o metabolismo e diminuir a pegada ecológica são:
- melhorar e incentivar o uso do transporte público;
- planejar e construir centros locais próximos de residências para diminuir os deslocamentos e a poluição gerada;
- evitar o desperdício de alimentos;
- mudar os padrões de consumos;
- utilizar produtos até o final de sua vida útil;
- promover ações de reciclagem que significa diminuir a obtenção de matéria prima para indústria;
- promover política de incentivo ao aumento da durabilidade dos produtos e
- incentivar ações nas quais a empresa torna-se responsável pelo recolhimento e destino correto de produtos fabricados evitando-se assim a disposição inadequada dos resíduos.
Existem outras possibilidades dos projetos de arquitetura contribuírem na redução da pegada ecológica das cidades. Isso é possível através de dois tipos de ações, principalmente quando este processo é iniciado na concepção do projeto, ainda em planta:
- Ao pensar na utilização de materiais construtivos locais e certificados e em sistemas construtivos que otimizem o uso de recursos naturais, o projeto de arquitetura contribui na redução da obtenção de insumos necessários tanto para a fabricação dos materiais construtivos como também para a produção energética necessária para a operação da edificação. Para isto, o arquiteto deve conceber o projeto em função das características locais (topográficas, climáticas, naturais), pensar em alternativas construtivas para utilizar de forma passiva os recursos naturais, integrando o projeto aos processos ecológicos existentes na região. Quanto a utilização passiva dos recursos naturais, é válido lembrar que existem algumas iniciativas e projetos que buscam ofertar serviços ambientais, assunto que será abordado a seguir.
- Na fase de construção da obra é de extrema importância o gerenciamento dos resíduos da construção civil, incluindo ações de redução, reutilização e reciclagem. A Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) no307/2002 (4) no art. 1º estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil, disciplinando as ações necessárias de forma a minimizar os impactos ambientais. Além disso define as responsabilidades e deveres de cada município em licenciar as atividades de disposição final dos resíduos como também a necessidade de fiscalização deste processo.
Retomando a questão exposta no item 1 acima, sobre a necessidade de utilizar os recursos naturais de forma passiva, com a integração do projeto arquitetônico aos processos ecológicos existentes, é necessária uma breve explicação sobre como isso pode ser feito. A oferta de serviços ambientais já não é mais uma prática pouco conhecida nos projetos de arquitetura, existem iniciativas em diversos lugares do mundo de elaboração de projetos de baixo impacto ambiental para atender este objetivo. De acordo com a Avaliação Ecossistêmica do Milênio (5), realizada em 2005, existem quatro categorias de serviços ambientais (ecossystem services):
- Provisão – produtos: alimentos, fibras, combustíveis, recursos genéticos, ornamentais, água doce;
- Regulação – benefícios: ciclo hidrológico, qualidade da água,erosão, clima,qualidade do ar;
- Culturais – benefícios recreacionais, estéticos e culturais: parques, florestas, áreas turísticas,áreas de lazer, recreação, contemplação, práticas esportivas;
- De suporte - afetam a disponibilidade dos serviços de provisão, de regulação e culturais, principalmente na formação dos solos
Os projetos de arquitetura têm o potencial de ofertar as quatro categorias dos serviços ambientais: de suporte (quando o projeto está integrado e adequado as características naturais do terreno); de provisão (quando não impacta o meio, com lançamento inadequada de resíduos, por exemplo, e assim não interfere indiretamente na ofertas destes produtos); de regulação (quando trabalha com pavimentos permeáveis, sistemas de micro-drenagem, projetos de arborização e paisagismo,entre outras possibilidades) e culturais (quando possuí em seu programa a criação de espaços de lazer, recreação, ou de contemplação, públicos ou privados integrados ao meio ecológico).
Além destes projetos, que já estão sendo construídos efetivamente nas cidades, existem outras gerações de arquitetos e engenheiros que trabalham no desenvolvimento de sistemas que utilizem fontes de energia alternativa, e de uma arquitetura para o futuro, concentrando seus esforços no desenvolvimento de tecnologias verde (green technology).
Quando são tantas as possibilidades de concepção, de sistemas construtivos, de tecnologias, princípios e idéias presentes e necessárias para a elaboração de projetos de arquitetura de baixo impacto, podemos nos questionar se estamos presenciando a formação de uma nova arquitetura. Só para citar alguns tipos, hoje fala-se muito em bioarquitetura, arquitetura vernacular, arquitetura sustentável - construção sustentável, edifícios verdes - edifícios inteligentes, arquitetura ecológica e até de infra-estrutura verde.
Muitos arquitetos estão envolvidos na busca de uma nova arquitetura que tenha o potencial de , ao integrar-se com o meio ecológico e social no qual está inserida, tenha o potencial de melhorar as condições ambientais e de vida tanto dos usuários, como da população do entorno. Devemos apenas tomar cuidado, pois nem toda arquitetura verde deve ser considerada sustentável sem uma análise criteriosa dos materiais construtivos, dos impactos causados tanto na fase de construção e de operação, do tratamento que é dado aos resíduos gerados (sólidos e líquidos), do uso que a edificação faz da energia, se utiliza fontes de energias alternativas, como solar ou eólica, se foi projetada e construída com o mínimo de alterações no terreno, se está em solo contaminado, se está adequada as diretrizes do zoneamento municipal, se atende a legislação municipal, como estadual e federal no que diz respeito ao uso do solo urbano e à utilização e ou manejo de recursos naturais, entre outros aspectos também relevantes. Existem diversos sistemas de avaliação de desempenho ambiental que permitem essa análise mais criteriosa, mas são ferramentas de adesão voluntária, diferente dos procedimentos de licenciamento ambiental requeridos a tipos específicos de empreendimentos.
Tais sistemas possuem metodologias de avaliação diferenciadas em cada país, e agrupam os itens a serem avaliados em temas, que refletem as principais preocupações econômicas, ambientais e sociais de cada região. Por isso cada local, cultura, região e país devem desenvolver um sistema de avaliação condizente com a sua realidade socioespacial, econômica e política.
Será que com tantas preocupações e princípios ambientais a serem incorporados nos projetos de arquitetura o processo criativo ficará prejudicado? Além de atender ao programa de necessidades dos futuros usuários do projeto, o arquiteto hoje também deve pensar e analisar outros aspectos no momento da concepção do projeto, citando apenas alguns deles:
- pensar oferta de serviços ambientais;
- em melhorar a qualidade de vida do usuário/ morador e da população do entorno;
- otimizar ventilação e iluminação naturais, para conseqüentemente reduzir o consumo energético;
- integrar o projeto às características naturais locais.
Como ficam a liberdade de criação e a estética, a arte e a beleza que estão diretamente ligadas à arquitetura? Com certeza não, pelo contrário todas essas preocupações devem servir de estímulo intelectual e criativo para o desenvolvimento de novos projetos. Para mostra como isso pode ocorrer de fato, seguem alguns exemplos de projetos de arquitetura nos quais foram incorporados princípios e preocupações ambientais, mas que de forma alguma perderam a beleza e originalidade.
Mas se voltarmos um pouco no tempo podemos identificar que iniciativas de aproveitar de forma passiva os recursos naturais já foram idealizadas por outros arquitetos. Projetos de arquitetura moderna, como os de Le Corbusier também com muita criatividade e beleza conseguiram otimizar o uso da luz natural dentro das edificações.
Para finalizar uma nova discussão será colocada para reflexões futuras, será que estamos vivenciando o surgimento de uma nova estética na arquitetura, pela necessidade de se repensar o projeto e a função da arquitetura na melhoria da qualidade de vida e no equilíbrio do meio? Se realizarmos uma análise histórica da arquitetura podemos perceber que a forma plástica evolui em função das novas técnicas e de novos materiais que lhe dão aspectos diferentes e inovadores, em função de seu tempo, cultura e relações que são estabelecidas com o meio em cada época.
Se de fato isso ocorre, e agora estamos na busca de uma nova relação de integração do ambiente construído com o meio natural, como será a forma da arquitetura no futuro? Usando a mesma frase de Oscar Niemeyer quando Brasília foi construída, a forma da arquitetura no futuro pode ser “qualquer uma, porém, livre e rigorosa”. No caso de projetos indutores de transformações sociais e que contribuam para a manutenção do equilíbrio ecológico, o rigor está em atender e responder as preocupações ambientais e sociais para melhorar a qualidade de vida, incorporando princípios da sustentabilidade no planejamento, concepção e execução do projeto de arquitetura. Já o “livre” deve ser mantido porque não é preciso estar apoiado em uma única técnica ou sistema construtivo, ou conceito de sustentabilidade para integrar um projeto aos processos ecológicos, as características locais. Para adequar o projeto de arquitetura ao lugar e às pessoas a forma plástica deve ser a mais livre e flexível, onde a invenção e a criatividade permitem fazer surgir uma boa arquitetura transformadora do tempo de hoje.
notas
1
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), que está sendo organizada em conformidade com a Resolução 64/236 da Assembleia Geral (A/RES/64/236), irá ocorrer no Brasil de 20 a 22 de junho de 2012 marcando o 20º aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992, e o 10º aniversário da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (WSSD), ocorrida em Johanesburgo em 2002. Com a presença de Chefes de Estado e de Governo ou outros representantes a expectativa é de uma Conferência do mais alto nível, sendo que dela resultará a produção de um documento político focado. http://www.rio20.info/2012/sobre
2
PINTO, Tarcílio de Paula. Metodologia para a gestão diferenciada de resíduos sólidos da construção urbana. São Paulo, 1999. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo.
3
JOHN, Vanderley Moacyr. Reciclagem de Resíduos na Construção Civil: Contribuição a Metodologia e Desenvolvimento. Livre-Docência. Universidade de São Paulo. Ano de obtenção: 2000.
4
Para ler a resolução na íntegra acessar: http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res02/res30702.html
5
O Relatório Síntese da Avaliação Ecossistêmica do Milênio está disponível para download no link: http://www.millenniumassessment.org/documents/document.446.aspx.pdf
sobre a autora
Durante o curso de Arquitetura e Urbanismo pela Puc Campinas (1999) a autora começou a se interessar pelas implicações socioambientais da produção e consumo do espaço urbano. A motivação para pensar novas possibilidades de trabalhar nas cidades, conduziu à formação de mestre (FEAGRI/ Unicamp, 2003), dentro da linha de pesquisa de Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável, e de Doutora em Engenharia Civil (FEC/UNICAMP, 2009), no Depto. de Saneamento e Ambiente, trabalhando com Redes Técnicas e Serviços Ambientais como nova forma de gestão das áreas verdes urbanas. Como pesquisadora trabalhou na elaboração de planos municipais vinculados a gestão urbana. Na Mandalah, empresa de consultoria em Inovação Consciente (SP).Também é pesquisadora voluntária do laboratório FLUXUS - de estudos de redes técnicas e sustentabilidade socioambiental (FEC/UNICAMP).