A espécie humana surgiu na face da terra há pelo menos 1,8 milhões de anos e permaneceu vivendo no ambiente natural, sem modificá-lo significativamente, por um longo período de tempo, que corresponde a mais de 99% da existência humana nesse planeta (2). Durante grande parte desse período, os seres humanos permaneceram nômades, coletando frutos, sementes e dividindo o tempo entre caçar e se proteger de outros animais. Se a seca era prolongada, ou o verão demorava a chegar, partiam em busca de novas terras. Permanecer em um mesmo local e fixar residência, parecia uma ideia tão absurda quanto viver por conta própria (3).
No entanto, quando o clima estava bom e os alimentos eram abundantes, havia a vontade de continuar no mesmo lugar. Mas ainda existiam as intempéries da natureza, como as chuvas, o frio, o vento e a escuridão da noite, e com vistas a se proteger de todas estas ameaças, o ser humano finalmente percebe que ele pode modificar o ambiente a sua volta, de acordo com as suas necessidades. E a primeira alteração foi justamente a construção de um abrigo, uma habitação. Aliás, uma casa nada mais é que uma proteção que seleciona e corrige a relação do ser humano para com o ambiente; é um fragmento do ambiente modificado segundo projetos humanos (4).
E dessa maneira, em algum ponto longínquo do Paleolítico, quando o homem constrói a sua primeira habitação, se inicia a longa jornada humana de transformações no meio ambiente (5). Entretanto, as habitações foram apenas o primeiro passo: dos aglomerados destas habitações surgem as aldeias; do aumento das aldeias, os povoados; do desenvolvimento dos povoados, as cidades; do crescimento das cidades, as metrópoles, e da união das metrópoles, as megalópoles. Atualmente, estima-se que mais de 3 bilhões de pessoas vivam nestes centros urbanos, ou seja, metade da humanidade e, a cada dia, mais 160 mil habitantes são acrescidos à população das cidades (6).
Somem-se então, toda a rede de infraestrutura necessária ao funcionamento destas imensas aglomerações humanas, associado ao atual modelo econômico de produção e consumo de bens e tem-se o resultado atual: um sistema de exploração e modificação do ambiente natural que pode ser considerado completamente insustentável a longo prazo.
Pode-se dizer que a construção civil contribui com grande parte deste problema, pois, para poder produzir os maiores bens em escala do planeta, o setor é responsável pelo consumo de 40% de todos os materiais produzidos no mundo; 40% do total de energia gerada; 17% da água potável disponível e 25% de toda a madeira produzida (7). Além disso, o setor ainda responde por números elevados de emissão de resíduos e desperdício de materiais. Segundo as estatísticas do International Council for Research and Innovation in Building and Construction (CIB), a construção civil é responsável por 40% de todo o lixo produzido pela humanidade (8).
E justamente por apresentar um potencial de modificação do meio ambiente desta magnitude, a construção civil é também um dos setores que mais tem sofrido pressões dos diversos segmentos da sociedade para se adequar ambientalmente. E contraditoriamente, talvez uma das respostas à questão ambiental esteja exatamente onde tudo começou: a construção habitacional. Seja no desenvolvimento de novas tecnologias de captação e produção de energia solar, na possibilidade de diminuição do consumo de recursos naturais, ou por meio do aproveitamento e encapsulamento de resíduos em materiais de construção, a habitação atualmente se mostra um espaço promissor para o desenvolvimento/aplicação de novas tecnologias e materiais mais sustentáveis, contribuindo para a diminuição dos impactos ambientais humanos.
Dessa maneira, o primeiro passo na direção da sustentabilidade é compreender mais profundamente a relação entre as habitações e o meio ambiente, entender a sua história, de como evoluíram do abrigo inicial, tão inócuo, para se tornarem esse complexo sistema atual, tão impactante no ambiente. Pois, se o Brasil ainda possui um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias (9), compreender mais profundamente a relação entre as habitações e o ambiente (histórica e sistematicamente) é de suma importância, principalmente para os arquitetos e engenheiros, já que eles serão os agentes diretamente responsáveis pelas decisões acerca do futuro desta história.
Não é por acaso que a própria palavra Ecologia seja derivada do termo grego “oikos” que significa casa. Ecologia é justamente o estudo da casa, ou seja, do lugar onde vivemos. Afinal, uma casa é um mundo pequeno. O mundo, uma casa grande.
Habitação e meio ambiente na história
Pode-se dizer que a primeira habitação, segundo Benevolo (5), data de 300.000 anos atrás e foi encontrada nos arredores da cidade de Nice, na França. Assim como era característico do período, é constituída de uma estrutura simples de madeira, não possui divisões internas e apenas acolhe um espaço destinado à fogueira e aos trabalhos domésticos (Figura 1). E são justamente os resíduos abandonados pelo homem que permitem que se conheça a sua primeira casa: as sobras de alimentos, como pequenos ossos; os fragmentos de seus utensílios de pedra e alguns pedaços de madeira são os sinais deixados em volta de antigas fogueiras, indicando que ali era uma habitação.
De acordo com Butera (10), toda a energia consumida pelos ancestrais pré-históricos provinha de duas fontes: a energia mecânica, advinda das atividades musculares e a energia térmica, resultado da combustão de lenha. Estima-se que nesse período, o consumo médio de calorias girava em torno de 7:1, ou seja, os humanos eram recompensados com sete calorias (comendo) para cada caloria gasta (caçando).
Já no período Neolítico, que corresponde a aproximadamente 10.000 anos atrás, os seres humanos passaram a cultivar os próprios alimentos, o que caracteriza uma mudança radical no seu modo de vida, pois agora podem se estabelecer definitivamente num local fixo (5). Desse fato, surge a necessidade de habitações mais duráveis e elaboradas, e dos aglomerados destes edifícios vão surgindo as primeiras aldeias. Em virtude da sua recém-conquistada perenidade, as habitações passaram a ser confeccionadas com materiais mais sólidos e variados, como paredes de argila seca, alicerces de pedra e pilares de madeira, além disso, passaram a possuir terraços ou telhados como cobertura.
Geralmente, edifícios como os templos religiosos eram construídos com pedras, para que permanecessem imutáveis ao tempo (sendo que até hoje se podem visitar algumas destas obras), enquanto as casas eram construídas com tijolos e argila, para que durassem apenas enquanto houvesse interesse de manutenção, pois com o passar dos anos, sua degradação natural se encarregaria de dissolvê-las e reincorporá-las ao solo.
Esta solução construtiva pode ser considerada muito interessante, pois se assemelha aos ciclos naturais da vida. Analisando a natureza, pode-se dizer que suas transformações geralmente operam em ciclos, como o ciclo da água e dos nutrientes.
Mas voltando às habitações, é crível afirmar que nesse período elas ainda não eram pensadas como um local de permanência, pois todas as atividades eram desenvolvidas no seu exterior e sua função se restringia ao abrigo noturno (para dormir) e à proteção das chuvas (quando fosse necessário). No entanto, em virtude dos avanços técnicos que estavam sendo alcançados na área da agricultura e pecuária, o excedente da produção agrícola estava se acumulando, transformando as aldeias, que até então eram pequenos aglomerados de não mais que umas cinquenta cabanas, em cidades (10).
Foi durante os impérios greco-romanos da antiguidade, que as cidades se transformam em estruturas complexas e amplas, tendo como centro desse desenvolvimento o conceito das cidades-estados. Cada cidade mantinha certa autonomia e governo próprio, além de possuir um território maior ou menor, de acordo com suas conquistas. A cidade de Esparta, por exemplo, chegou a dominar uma extensão de mais de 8.400 km2, enquanto Atenas abrangia mais de 2.650 km2. Já Alexandria, estima-se que pode ter atingido entre meio e um milhão de habitantes (5).
Em virtude dessa grande aglomeração populacional, surgiram os primeiros problemas relacionados aos resíduos sólidos urbanos, de maneira que as experiências pioneiras na tentativa de gerenciamento ocorreram neste período. Na Grécia, no ano de 500 a.C. os cidadãos atenienses organizaram o primeiro aterro municipal que se tem notícia e exigiram que a disposição do lixo fosse realizada longe dos muros de Atenas (11).
Em Roma, segundo Mumford (12), as habitações se dividem em dois tipos, de acordo com a classe social: as domus, para os cidadãos mais abastados, são residências individuais com um ou dois andares, que podem ter de 800 a 1.000 m2; e as insulae, para as classes médias e inferiores, que são construções coletivas de muitos andares e com um grande número de cômodos iguais, construídas geralmente pelos especuladores imobiliários (Figura 2).
Com as estruturas públicas cada vez mais solidificadas, o espaço e as atividades vinculadas à residência vão se tornando menores e mais raros. Toda a vida social, política e religiosa é realizada fora do âmbito doméstico. A abundância dos serviços públicos supre a falta de condições e serviços domésticos na maior parte das habitações.
No entanto, essa época de apogeu das cidades não durou para sempre. Após a queda do império romano, com a crise econômica e política, as cidades foram se enfraquecendo, de modo que houve um grande êxodo da população para o campo, onde as famílias poderiam conseguir seu sustento. Assim, as cidades que restaram eram estruturas sem grande destaque, que estavam à margem da sociedade feudal vigente e, para se proteger de possíveis invasões, foram quase que completamente muradas.
Em função dessa limitação espacial, as ruas ficaram cada vez mais estreitas e tortuosas, os lotes menores e as casas mais esguias (Figura 3). Contudo, esta organização das habitações em fileiras contínuas, com suas fachadas formando o perímetro fechado de um quarteirão e acessos guardados no térreo, servia como uma muralha doméstica, protegendo seus moradores em tempos muito conturbados (12).
Com muitos andares e a fachada voltada para a rua, as casas medievais eram frias, mal iluminadas e pobremente aquecidas (13). Ainda era utilizado um sistema de aquecimento semelhante ao do período Paleolítico: uma chama acesa no centro de um cômodo, que permitia tanto o preparo da comida, quanto o aquecimento do ambiente e a iluminação. Contudo, o problema nessa época era a fumaça que, sem um sistema adequado de vazão, ficava pairando pelo ambiente até encontrar alguma janela aberta.
No que concerne aos serviços de saneamento básico, pode-se dizer que nesse período eram praticamente inexistentes. Os domicílios não possuíam coleta de esgoto e, o lixo e os dejetos eram jogados diretamente nas ruas, muitas vezes lançados pelas janelas, para alegria dos porcos e outros animais que vagavam livremente. Somente em dias de festa ou procissão as ruas eram limpas. Em virtude desse cenário é fácil imaginar a situação de falta de higiene e disseminação de doenças que imperava (10).
Nesse ponto da história, apesar do aparente atraso tecnológico de que padeciam as estruturas domésticas, o velho continente comemorava o início de uma revolução: as grandes navegações. Portugal e Espanha deixam a Europa rumo às Índias e acabam por descobrir todo um continente, denominado de América. E a partir do momento que haviam sido encontradas novas terras, era preciso habitá-las e colonizá-las, o que literalmente significava que era preciso construir neste novo território, as suas próprias habitações.
A história das habitações no Brasil pode ter tido suas origens nas habitações e nos modos de construir lusitanos, porém, muito do que hoje se pode considerar como uma casa brasileira é uma mistura de conhecimentos e influências de diferentes povos. E o que se pode chamar dos primeiros aglomerados urbanos, eram na verdade choças, construídas a partir de palha e folhas de coqueiro amarradas com cipó, em uma rudimentar estrutura de madeira. No entanto, a primeira mudança estabelecida pelos colonizadores foi o abandono do formato circular da oca e a adoção da forma conhecida pelo europeu como uma habitação, o espaço cúbico (4).
Os portugueses que no Brasil chegavam, eram provenientes de diversas regiões e traziam consigo, todo um conhecimento de gerações da chamada arquitetura vernácula. Esse conhecimento de técnicas específicas de determinadas regiões, confrontado com os materiais aqui existentes e principalmente, com o clima tropical, foram gerando um sem número de novas tipologias habitacionais. Não obstante, estes primeiros habitantes, ao mesmo tempo em que encontravam uma grande quantidade de recursos naturais disponíveis, também se deparavam com escassa mão-de-obra especializada e falta de ferramentas. Talvez esse fato, remonte à própria história do desperdício, principalmente na construção civil. Ao vislumbrar a vastidão das novas terras, os imigrantes acostumados ao diminuto espaço, imaginaram serem os recursos inesgotáveis, e assim podiam explorar a vontade. Aliando esse fato à falta de mão-de-obra e ferramentas adequadas, pode-se imaginar a quantidade de árvores que foram cortadas em vão, para que talvez um caibro fosse utilizado na tentativa de se erguer uma casa.
Nessa época, juntamente com o progresso proporcionado pelas grandes navegações, alguns avanços também puderam ser percebidos no ambiente doméstico. De acordo com Mumford (12) foi somente por volta do final do século XV, com o aparecimento e disseminação do uso de vidro plano para as janelas, que o ambiente dentro das casas passa a ser mais iluminado sem deixar de ser aquecido, o que torna a casa não mais um antro escuro e frio, mas um local de agradável permanência. Dessa maneira, muitas atividades migram do exterior para o interior da habitação e, como não era mais necessário que todos permanecessem em um só espaço (ao redor do fogo) surge a possibilidade de criar diferentes cômodos, e com eles, nasce também a privacidade.
Porém, ficar mais tempo em casa, em diferentes ambientes, cada qual devidamente iluminado e aquecido, tem seu preço: o aumento do consumo de lenha. Consumindo cada vez mais lenha, e posteriormente carvão, as habitações iniciam assim, uma nova etapa em sua longa caminhada rumo ao aumento do consumo de recursos naturais e energia, e consequente acréscimo dos impactos ambientais (14).
Outro capítulo fundamental na história dos impactos inerentes a uma habitação é a questão do consumo de água. Durante um extenso período, que perdurou desde o surgimento das primeiras casas, até meados do século XVIII, a água era vista como um bem escasso e até mesmo precioso, em função da dificuldade para se obter a água. Os povos antepassados tinham de caminhar muito, até o rio ou fonte mais próxima, para buscá-la.
Estima-se que o consumo de água no período medieval, tomando como exemplo a cidade de Paris, era de não mais que três ou quatro litros por dia por habitante (10). Se hoje se sabe serem necessários cerca de dois litros por dia apenas para a ingestão humana, pode-se inferir que muito pouco era utilizado em outras atividades, ficando a questão da higiene, definitivamente, em segundo plano. Apenas com o passar do tempo e com as descobertas da medicina – que começa a estabelecer relação entre a falta de higiene e o aparecimento de doenças – é que a água passa a ser utilizada em maior quantidade para atividades como a limpeza dos edifícios e asseio de seus moradores.
As tubulações de água vão surgir pela primeira vez em Londres no ano de 1770, e sua distribuição ainda não era contínua: apenas três vezes por semana a água era liberada e os cidadãos deveriam conservá-la em recipientes para os dias conseguintes (10). Com o tempo as tubulações se estendem e se ramificam, tornando a água possível em todos os cômodos, entrando definitivamente nas casas e modificando os costumes. Primeiro a cozinha, depois a sala de banho, o vaso sanitário, as banheiras e a ducha, e surgem inclusive, as redes de coleta de águas residuárias. Esse processo é lento, porém definitivo, e com a mudança dos costumes, a água passa a ser largamente utilizada para diversos fins e muda principalmente o seu conceito: de um bem escasso e precioso, a água agora é abundante, de fácil acesso e o mais importante, é barata. Passa a existir aqui, o hábito do desperdício.
Nesse mesmo período, a cidade de Londres também é palco de transformações que irão modificar radicalmente a ideia de cidade, habitação e seu potencial de impactos no ambiente: a revolução industrial. O liberalismo econômico, a acumulação de capital, o desenvolvimento do motor a vapor, as ferrovias e finalmente, a consagração do capitalismo como o sistema econômico vigente, são alguns dos fatores que possibilitaram essa revolução (6). De acordo com Rolnik (1988, p. 83) “[...] a indústria colocou para a cidade questões novas – ela é ao mesmo tempo seu espetáculo e seu inferno [...]” (15).
Espetáculo, em virtude das novas oportunidades de trabalho e da diversidade de produtos e serviços que a indústria possibilita, e inferno, em função da exploração dos recursos (em uma escala nunca antes vista), das condições de insalubridade em que trabalhavam e viviam os operários, e dos problemas relacionados à poluição da água, do solo e principalmente do ar (Figura 4).
O século XIX foi particularmente importante na história dos impactos de uma residência, pois registra uma série de significativas mudanças tecnológicas. Além das redes de distribuição de água e de coleta de esgotos, surgem as redes de provimento de iluminação, tanto no espaço público quanto no privado. Durante a primeira metade deste século, permaneceram sendo utilizadas as velas de sebo nas casas e as lanternas suspensas com velas ou lâmpadas a óleo nas ruas. No entanto, é importante mencionar que estas eram técnicas já utilizadas pelos romanos, e por muito tempo não houve interesse em se mudar esta situação. Porém, o óleo das lâmpadas (que era principalmente extraído por meio da caça das baleias cachalotes) começou a se tornar escasso, o que inevitavelmente aumentou seu custo. A partir de então, era necessário procurar uma nova alternativa.
Na Europa, a solução veio com a iluminação a gás: credita-se a ideia aos franceses, porém foram os ingleses que souberam como aplicá-la e distribuí-la. Em Londres, no início do ano de 1815 existiam 25 km de redes de distribuição de gás para iluminação, enquanto que no final do mesmo ano, a rede já chegava a mais de 40 km. Em 1820, as instalações de produção de gás de iluminação já definiam as estruturas que seriam mantidas pelo próximo século (10).
Inicialmente nos prédios públicos, a rede de iluminação logo chegou às casas e provocou uma transformação significativa na vida dos seus habitantes, desde as mudanças nos hábitos noturnos, no nível de iluminação das casas, na possibilidade de execução de novas tarefas e até no aumento da jornada de trabalho.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, em função da necessidade de iluminação, iniciava-se uma nova era na história da energia. Segundo Aragão (16), a resposta dos americanos para a escassez de óleo foi dada no início de 1859, em uma fazenda na Pensilvânia. Nesta data, foi perfurado o primeiro poço de petróleo, considerado o marco inicial da indústria moderna do petróleo.
E continuando com as mudanças tecnológicas deste período, prossegue-se para talvez a mudança mais radical, importante (e impactante) de toda a história: o surgimento da energia elétrica. De acordo com Banham (17) é justamente com o provimento regular e contínuo de energia elétrica pública que se inicia a maior revolução ambiental da história humana desde o domínio do fogo. E pode-se dizer que isso ocorreu aproximadamente em 1878, quando surge o primeiro sistema elétrico para a iluminação pública na avenida e praça do prédio da Ópera de Paris. Nos Estados Unidos, no mesmo ano, o sistema também é levado a um grande magazine na Filadélfia (10).
A partir desse ponto, inúmeras cidades em todo o mundo começam a receber sistemas semelhantes e a energia elétrica inicia a sua era. E em função das novas possibilidades que isso apontava, todos começaram a se perguntar a respeito do que mais a energia pode fazer para resolver os problemas do cotidiano e tornar a vida mais fácil: entre a segunda metade do século XIX e início do século XX aparecem os eletrodomésticos.
Toda essa revolução também está intimamente ligada às mudanças pelas quais passam a mulher durante esse período. A necessidade de economizar tempo dentro de casa para poder exercer outros papéis na sociedade, implica facilitar as atividades domésticas e isso somente poderia ser realizado com o auxílio da recém-criada energia elétrica: surgem a lavadora de roupas (1850), o fogão (1851), a lavadora de louças (1865), a geladeira (1887) e o aspirador de pó (1904), dentre inúmeros outros (10). É claro que muitos desses aparelhos ainda necessitavam de inúmeros aprimoramentos técnicos para se parecerem com aqueles que se conhecem atualmente, porém, seu conceito e modo de funcionamento já estavam definidos.
Um caso significativo que merece ser ressaltado é o das geladeiras. Inicialmente, os gases utilizados para o resfriamento eram considerados tóxicos, o que dificultava a aceitação do produto. Desse modo, foi somente a partir de 1930 com o emprego do Freon que as geladeiras se tornaram populares, afinal, esse parecia o gás ideal para ser utilizado dentro das habitações, pois não era nem tóxico, nem inflamável. O que não se sabia nessa época era que o Freon é um gás totalmente instável e pode se decompor com facilidade na atmosfera, destruindo a camada de ozônio (18). O problema é que este fato só foi descoberto depois dos anos 1980, após décadas de uso contínuo.
Outro caso a ser mencionado é o do ar-condicionado. Uma das inovações deste período que mais demorou a ser utilizada nas residências – estima-se que somente em 1945 foi criado o primeiro modelo específico para as casas – foi também uma das que mais causou impactos ambientais. Quando se iniciaram as vendas foi um grande sucesso comercial, de maneira que as fábricas mal conseguiam acompanhar os pedidos e o consumo de energia elétrica aumentou de modo substancial. Para confirmar, cita-se que em função do excessivo uso do ar-condicionado registraram-se os primeiros blecautes no fornecimento de energia, no fortíssimo verão de 1966 nos Estados Unidos (10).
Nos anos 1970, a disseminação do uso de condicionadores de ar associada à crise energética pela qual os países mais desenvolvidos estavam passando, incentivou a construção de edifícios com baixa troca de calor entre o exterior e o interior, como forma de aumentar a eficiência dos condicionadores sem aumentar o consumo de energia. Essas medidas, além de provocaram um decréscimo na qualidade do ar do interior desses edifícios, induziu a uma série de problemas na saúde de seus habitantes. Eram relatadas irritação e obstrução nasal, desidratação e irritação da pele, problemas na garganta e nos olhos, dor de cabeça, cansaço e perda da concentração. No início da década de 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu esses sintomas como indícios da denominada “Síndrome de Edifícios Doentes” (19).
Todavia, não era somente a falta de troca de ventilação com o exterior que estava criando estes sintomas. O ar do lado de fora das casas também estava poluído e a composição dos materiais de construção também havia sido alterada, assim como os meios de produção e os métodos construtivos. Os materiais usados nos acabamentos e mobiliário passaram a ser fontes poluidoras, emitindo compostos químicos para os ambientes internos e causando danos à saúde dos seus moradores (19).
E pode-se dizer que a maioria destas mudanças, no modo como as pessoas constroem e se relacionam com as habitações, modificando o ambiente a sua volta, começaram na segunda metade do século XIX e desde então, em tão curto espaço de tempo, distanciaram a humanidade de forma vertiginosa dos modos de vida que a tinham caracterizado pelos últimos milhares de anos (Figura 5).
Atualmente, não se jogam mais o lixo e os dejetos diretamente pelas janelas, como faziam os povos antigos, no entanto, uma quantidade infinitamente maior de poluentes é expelida pelas chaminés das indústrias e escapamentos dos veículos para a atmosfera. A diferença é que hoje não se tratam somente de resíduos orgânicos, mas sim de lixo inorgânico, compostos químicos e fumaça de combustíveis queimados (20).
Em escala planetária, o clima está se alterando, os verões estão mais quentes e os invernos mais frios – fato constatável por qualquer habitante da Terra. A temperatura média está aumentando (os anos de 1995 a 2006, figuram entre os mais quentes da história, desde que as temperaturas na Terra começaram a ser medidas em 1850), as geleiras estão derretendo (desde o ano de 1978, a extensão das geleiras árticas tem diminuído a uma porcentagem média de 2,7% a cada década) e o nível do mar está se elevando (desde o ano de 1993, o nível médio do mar têm aumentado 3,1 mm/ano), dentre outras tantas mudanças perceptíveis em todas as partes do globo (21).
De acordo com o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), ou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, dentre as causas mais prováveis destas mudanças, podem ser citadas as variações nas taxas de concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera e as alterações na cobertura da camada de ozônio, aspectos que têm relação direta com as atividades antropogênicas de modificação do meio ambiente. Conforme os dados apresentados pelo órgão, as emissões mundiais de dióxido de carbono – o gás de efeito estufa antropogênico mais importante – aumentaram em média 80% ao ano, entre os anos de 1970 e 2004 (21). E se a humanidade permanecer nesse ritmo de crescimento, as previsões para o futuro são ainda menos otimistas.
Contudo, muitos poderão questionar que ainda não existe uma correlação estabelecida entre todas estas mudanças provocadas pelo aquecimento global e o aumento do efeito estufa e que, por fim, o mundo e o clima sempre mudaram. Não obstante, estas transformações nunca ocorreram de maneira tão rápida e contundente.
Nesse ponto, é preciso ter cuidado para não adotar o tom alarmista que muitos trabalhos seguem ao discutir a questão ambiental, no entanto, tratar o assunto com a seriedade que ele merece, poderá levar a mudanças que não apenas irão contribuir para solucionar a problemática ambiental vinculada às questões habitacionais, mas sim, para elevar a qualidade de vida no planeta de uma maneira global.
notas
1
Texto originalmente publicado como parte da Dissertação de Mestrado de autoria de Maria Fernanda Nóbrega dos Santos. Referência: SANTOS, Maria Fernanda Nobrega dos. Análise dos impactos na construção civil: Avaliação do Ciclo de Vida em chapas de partículas para forros. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia, Bauru, 2010.
2
PARK M. A. Biological Anthropology. 2 ed. California: Mayfield Publishing Company, 1999.
3
SAGAN, C. Pálido ponto azul. Uma visão do futuro da humanidade no espaço. Tradução Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
4
LEMOS, C. A. C. História da casa brasileira. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1996. (Coleção Repensando a história).
5
BENEVOLO, L. História da cidade. Tradução Silvia Mazza. São Paulo: Perspectiva, 1983.
6
MORENO, J. O futuro das cidades. São Paulo: Editora Senac, 2002.
7
ATHENA Sustainable Materials Institute. Sustainable building technical manual. Green building design, construction and operations. Produced by Public Technology Inc. - USA Green Building Council, 1996. 292 p.
8
CIB International Council for Research and Innovation in Building and Construction. Agenda 21 on Sustainable Construction. Rotterdam: CIB, 1999.
9
COSTA, F. D. Ministro das Cidades anuncia queda do déficit habitacional brasileiro. Revista Sustentabilidade. Net, 2010. Disponível em: <http://www.revistasustentabilidade.com.br> Acesso em: 20 de ago. de 2010.
10
BUTERA, F. M. Da caverna à casa ecológica. História do conforto e da energia. Tradução Elza Bassetto. São Paulo: Nova Técnica, 2009.
11
FIRMEZA, S. M.; MAIA, L. P. Caracterização física dos resíduos sólidos domiciliares de Fortaleza: implicações para a determinação do seu potencial reciclável/poluidor. Arquivos em Ciências do Mar, Fortaleza, v. 41, n. 1, p.74-80, 2008.
12
MUMFORD, L. A cidade na história. Suas origens, transformações e perspectivas. Tradução Neil R. da Silva. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
13
MASCARÓ, L. Iluminação e arquitetura: Sua evolução através do tempo. Revista Arquitextos, São Paulo, n. 63, e324, ago. 2005.
14
TESSMER, H. Uma síntese histórica da evolução do consumo de energia pelo homem. Revista Liberato, Novo Hamburgo, v. 3, n. 3, 7 p. nov. 2002.
15
ROLNIK, R. O que é cidade? São Paulo: Brasiliense, 1988.
16
ARAGÃO, A. P. Estimativa da contribuição do setor petróleo ao produto interno bruto brasileiro: 1955/2004. Dissertação (Mestrado em Planejamento Energético) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
17
BANHAM, R. La arquitectura del entorno bien climatizado. Buenos Aires: Infinito, 1975.
18
CASSETI, V.; COSTA, J. E. A. M. Algumas considerações sobre o ozônio e o projeto ozônio em Goiás. Boletim Goiano de Geografia, Goiânia, v. 9/10, n. 1/2, p. 21-42, 1989.
19
UEMOTO, K. L.; IKEMATSU, P.; AGOPYAN, V. Impacto ambiental das tintas imobiliárias. In: SATTLER, M. A.; PEREIRA, F. O. R. (Org.). Construção e meio ambiente. Porto Alegre: ANTAC, 2006. cap. 3.
20
ROAF, S. Ecohouse: a casa ambientalmente sustentável. Tradução Alexandre Salvaterra. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006.
21
IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change 2007: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. In: PACHAURI, R. K.; REISINGER, A. (Org.) Geneva: IPCC, 2007.
sobre o autores
Maria Fernanda Nóbrega dos Santos, Arquiteta Urbanista formada pela UNESP/Bauru, Mestre em Engenharia de Produção na área de Gestão Ambiental, também pela UNESP/Bauru. Atua na docência e pesquisas relacionadas a técnicas construtivas e práticas projetuais mais sustentáveis.
Rosane Battistelle, Engenheira Civil, Doutora em Ciências da Engenharia Ambiental, USP/São Carlos. Docente do Departamento de Engenharia Civil e da Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UNESP/Bauru.
Humberto Varum, Engenheiro Civil, Doutor em Engenharia Civil, Universidade do Porto. Docente do Departamento de Engenharia Civil, UA – Universidade de Aveiro, Portugal.