Futuro do pretérito
Tanto tempo depois, não parece razoável insistir com mais esboços teóricos para esclarecer uma produção estimulada por promessas e excentricidade, pela evasão e retrocesso, pela incansável classificação de exemplos, tampouco em arriscar genealogias brutalistas, em descrever as artimanhas realistas mais interessadas e em esmiuçar as especificidades regionais preferidas por essa anomalia. Parece mais promissor tentar entender as causas e os mecanismos de tamanha revisão artística, praticamente consensual em seu tempo (1), para dar-se conta da profunda transformação da arquitetura na metade do século XX. A tarefa não é, portanto, prestigiar um fenômeno artístico incoerente, egocêntrico e, principalmente, encurralado, mas em esclarecer o despistamento coletivo que exerce sobre a arquitetura serena, positiva e promissora.
É improvável que haja uma teoria capaz de controlar tantas e tão diversas anormalidades, é compreensível que o modelo, a simpatia pela aparência, e a prescrição moral, ao desprezar juízos e critérios de concepção, propiciem a mistura de obras modernas e brutalistas no mesmo saco. Todavia, é extemporâneo defender, sustentar, cinquenta anos depois, qualquer argumento que confirme e justifique um desvio da arquitetura moderna, sua retificação moral, em nome da purificação dos pressupostos e das obrigações profissionais.
A predileção brutalista é sempre arbitrária e regional: ora cabocla, ora bretã. Reyner Banham (1922-1988) omite, por exemplo, a obra de Marcel Breuer (1902-1981) e a de Kenzo Tange (1913-2005), utiliza um Le Corbusier desavergonhado de abandonar o purismo no projeto do Convento de Santa Maria de la Tourette, 1957-60, Eveux-sur-l’Arbresle e ainda insulta Mies ao considerá-lo brutalista e ao catalogar a moderna Escola de Husntanton, 1950-54, Norfolk, do casal Smithson, como brutalista por causa de alguns encanamentos aparentes. Mais tarde, Yves Bruand em Arquitetura Contemporânea no Brasil, 1980, sem arriscar um palpite com que identificar a peculiaridade brutalista, reserva-a aos paulistas. Deixa aflito quem imagine haver alguma conexão entre o MAM, 1953, no Rio de Janeiro, ou entre a Escola Brasil-Paraguai, 1952, em Assunção, de Affonso Eduardo Reidy (1909-1964) e a arquitetura que se propaga por São Paulo, provavelmente, a partir da Igreja da Vila Madalena, 1956, São Paulo, do jovem Joaquim Manoel Guedes (1932-2008). Deixa aflito quem vê similitude entre o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, 1958, São Paulo, de Paulo Mendes da Rocha e o Congresso de Brasília, de Oscar Niemeyer. Talvez, porque o esquematismo que dá verossimilitude a “escolas” seja parcial e frágil.
Banham, que dispara contra a arquitetura moderna desde 1955 (2), reescreve a história e a versão mais difundida da temporada neo-brutalista (3). Jovens arquitetos escandinavos que divulgam uma casa esquisita e popular, 1950, em Uppsala, Suécia, causam sensação em revistas de arquitetura inglesas e o termo Brutalismo é creditado ao apelido Brutus de Peter Smithson, o eleito. Dessa maneira, não há porque relacionar esse fenômeno com as grandes causas da arte, nem porque associar seu nome com a obstinada rusticidade e rudimento desses objetos. No entanto, pequenos episódios e anedotas soam insuficientes para explicar o rompimento, o desterro da arquitetura moderna que na década de 1950 já constitui tradição, atinge o nível de excelência com teoria e experiência consolidadas no campo da forma moderna apropriada para a arquitetura.
O Brutalismo é recessivo, negativo, mais do que um fenômeno casual, inadvertido ou sueco, deflagrado pelo azar das coincidências, corresponde à contestação, a uma reação ampla contra a aflição e o mal-estar, contra a involuntária estranheza causada pela arquitetura moderna. Se isso estiver certo, o brutalismo é voluntarista e não corresponde a qualquer evolução ou retificação da arquitetura moderna, não é um reencaminhamento. Para dificultar ainda mais sua compreensão, tampouco constituí estilo, ou delimita um modo de concepção reprodutível e estável, já que, em origem, é uma oposição — uma tendência, explica Banham — à desopressão, à ação antimodernista que libera a invenção segundo variedade de discursos, individualismos, arbitrariedades e realismos artísticos: muitas arquiteturas aparentemente símiles. Substitui-se a estrutura abstrata da forma moderna pelo realismo da estrutura concreta ou, para não deixar dúvidas, da estrutura de concreto monumental.
A historiografia dedicada, baseada nas vanguardas e em fotos de artefatos inovadores, pressupõe que a arquitetura moderna seja inevitável e convence a todos de sua superioridade. Subentende que as multidões do século XX estão preparadas, concordam com a iminência de sua infalibilidade: o entendimento da estética transcendental e concomitante abandono da estética convencional e natural, os obstáculos ao projeto conduzido pela nova sensibilidade e guiado pelo sentido visual da forma moderna. Todos são levados a crer na irrevogável superação dessa barreira, na hegemonia da arte moderna, no entanto, essa presciência falha, revela-se hermética, insuficiente, questionável, é incompreensível para indivíduos comuns, para arquitetos, que a estranham. A facilidade, e fascínio, pelo moderno atrelado ao futurismo, à tecnologia e à justiça social convoca um estilismo modernista diverso do moderno estabelecido pela faculdade do juízo e pela primazia da forma moderna: um modernismo do progresso e da novidade.
Parte importante da arte do pós-guerra apenas parece moderna, pois reproduz os simulacros de aparência antinaturalista (4), já que é possível operar a forma moderna abstrata segundo a mimese estilística, segundo “princípios velhos”, de modelos desatentos à estrutura formal subjacente que dá sentido e consistência ao objeto. Muitos sentem falta da empatia que desperte sentimentos e emoções, da simpatia, conforto e intimidade que o objeto moderno recusa ao observador (5). Muitos recordam a estética tradicional e a beleza para opô-las à desambição do objeto moderno, ao descaso com o ornamento e monumentalidade. Muitos são incapazes de um olhar profundo, penetrante, que dissolva a aparência e reconheça nas camadas formativas do objeto sua vertebração, a estrutura estética configuradora que relaciona e dá legalidade às partes e ao todo. É surpreendente o número de pessoas que confessam seu desconforto perante a arte moderna e ainda maior o número das que desconversam sua inaptidão para a estética moderna.
Estética moderna e estética natural
Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762), em Aesthetica publicada entre 1750 e 1758, admite que o conhecimento confuso e as percepções obscuras da arte têm sua perfeição própria e que constituem um conhecimento anterior ao conhecimento distinto ou científico. Desde a origem das teorias estéticas a experiência e o prazer estéticos estão ligados ao conhecimento. Nem sempre é preciso tocar ou conceituar para conhecer, já que a visualidade disponibiliza notável capacidade cognitiva (6) e reconhece sentido e propósito na configuração apropriada dos objetos.
Mas, a estética quase sempre prevalece como sensação e costuma ser confundida com os critérios da realidade vital - a razão de existir - mais preocupados em explicar o objetivo da arte do que em explicar o que ela é, ou como ela é. Dessa maneira, se explica o motivo da arte - e se impõem normas morais, conduta e obrigações -, mais raro é referir-se a seu processo conceptivo a sua configuração oportuna. É um fato comum, antes da abstração, quando na arte os significados parasitam a figura e quando basta com apontar um estilo, com fiar-se da aparência.
Para dissolver a confusão entre o prazer causado pelo gosto do causado pela estética, Immanuel Kant (1724-1804) (7) distingue dois tipos de prazer: o sensitivo e o estético. O primeiro se refere à sensação transmitida pela experiência enquanto ela se desenrola e desperta o gosto do sujeito que sente prazer quando experimenta uma pizza. O segundo transcende e mobiliza instrumentos de conhecimento (8): imaginação e entendimento para referir-se ao reconhecimento da forma e conectar o sujeito com o universal. A autêntica arte moderna, que todos esperam seja mais do que uma pizza, não está vinculada ao prazer sensível do gosto, mas ao prazer estético alcançado, no caso da forma, pelo entendimento visual (9). Vale lembrar que a vulgarização da arte está quase sempre vinculada a essa interpretação: ao rebaixamento artístico na esfera do gosto, ao direito subjetivo sobre a arte e ao refúgio na estética convencional.
A estética moderna fomenta o juízo sobre experiências artísticas classificadas como universais, sem que se possa comprovar sua exatidão, pois no campo da estética não se estabelecem deduções lógicas, nem julgamento moral, portanto é improvável a existência da arquitetura racional e do projeto ético, apenas porque se constate regularidade geométrica, ou instalações aparentes. Essa afirmação é frontalmente contrária a grande parte do discurso da segunda metade do século XX que inculca racionalismo e ideologia como categorias prestigiosas na teoria e crítica de arquitetura. Para insistir, dar verossimilitude à efetividade dessas categorias, deprime-se a relevância e a ideia de forma e, como consequência, tal conveniência crítica a exclui do debate da arquitetura e abre caminho para que proliferem assombrações artísticas.
A pouca atenção dada ao juízo estético, decorre da incapacidade crescente de estabelecê-lo, desfrutá-lo, da desorientação estimulada, retroalimentada por ininterruptas teorias sazonais. Isso faz renunciar à forma moderna entendida como categoria universal, à estrutura reconhecida pela visão que valida a pertinência: ajuíza. Então, a forma abstrata que apenas deixa transparecer a estrita condição ordenadora perde terreno para forma superficial: para a Gestalt.
Como a arquitetura está amparada pelo juízo estético para ascender à condição de arte, não existe lógica em seus nexos, apenas coerência de sua concepção. Como não há de se esperar validação pela engenharia, deve se desconfiar que todo processo não formativo, antiestético, para a obtenção de arquitetura é determinista e recorre à tipologia, ao que é conhecido, ao expediente da escolha de modelos de arquitetura. Assim funciona o uso da figura estrutural como sucedâneo do tipo e do ornamento acadêmico, ao mesmo tempo em que retém, oportunistamente, a justificativa científica da técnica: a arquitetura dos pórticos (10), por exemplo. Mas a razão é insuficiente para conceber arquitetura, caso contrário, caberia aos engenheiros configurar artefatos e projetar edifícios. A racionalidade estrutural e técnica quando contrabandeada para a arquitetura e ascendida a tema artístico, é, invariavelmente, dominada por decisões estéticas convencionais e análogas às do Neogótico do século XIX.
Arte interventora
Apesar das diferenças entre brutalismo e pós-modernismo, ambas as tendências são antimodernistas (11), seja pela grossura do objeto, seja por seu enfado, há constante discordância estética com o moderno. No caso do brutalismo isso é contornado quando se sublima esse sentimento com uma obrigação moral que, em termos práticos, corresponde a um álibi para a estetização da estrutura e do material. É curioso que a arquitetura moderna seja considerada feia e monótona, porque repetitiva, porque estandardizada e asseada, já que, o mesmo não acontece com a oferta brutalista, rústica e grosseira que não recebe da parte dos especialistas qualquer menção ao aspecto tosco e deselegante. Tal característica do brutalismo corrobora a hipótese da reação brutalista como um excesso voluntário — peso, tamanho, esforço — motivado pelo receio de sucumbir na concisa, na convencional, industrialização exacerba a sobrevivência do statu quo do arquiteto, do arquiteto-artista, do engenheiro-artista, no processo conceptivo da arquitetura com mediações arbitrárias e extravagantes. Mais tarde, o pós-modernismo vai combater o estranhamento, esgotamento, moderno — e brutalista —, com um retorno à figura amável, cordial, à cidade convencional, ou histórica, ao edifício colorido e ornamentado, quando capitula ao gosto comum, quando se equipara a uma pizza.
A aproximação entre indústria e arquitetura, tão festejada no começo do século XX, nos livros de história da arquitetura moderna, e a consequente reprodutibilidade em série do objeto com superfície igual, lisa e anódina vão transtornar os arquitetos que temem perder destaque artístico e autoral sobre o objeto de arquitetura, contrafeitos pela agilidade e economia do catálogo de componentes e por breves sistemas construtivos aprimorados e eficazes; no entanto, omitem esse constrangimento, pois é inconfessável o desejo de conceber arte moderna fora do âmbito da sociedade industrial. Por outro lado, não se importam em abandonar demandas — mercado — e exilar-se com clientes particulares, na academia, para viver as fantasias. Em todo caso, ardilosos, desenvolvem o discurso da técnica moderna, o concreto bruto e aparente, de canteiro mas independente da indústria. É muito provável que assim tenha ocorrido, pois essa aversão ao módulo e ao processo sistemático, construtivo e prático está na base da crítica feita ao International Style, à arquitetura considerada impessoal e desanimada, regida pelo mercado, lucro e mundo corporativo: pela apropriação. A arquitetura imobiliária e comercial que invade centros urbanos e se reproduz sem recorrer ao artista notável. Mies van der Rohe com sua extraordinária síntese estabelece a forma moderna para a condição essencial da arquitetura. Convicto vê sua concepção do edifício vertical e metálico tornar-se tradição em Chicago. A chance de produzir arquitetura sistemática indiferente à criatividade e inspiração deve ter horrorizado jovens e talentosos arquitetos que vêem no International Style uma ofensa ideológica e o risco de obsoletar, pois não enxergam nele atributos porque a ideia que fazem de arte ainda está vinculada, enrascada, com a estética romântica e convencional que prestigia a expressão, a audácia, a novidade, o realismo e a excepcionalidade, enfim, o que há de mais apropriado para descrever a dita produção brutalista (12). O que move o brutalismo, como a ficção turbo-tecnológica dos gibis de Archigram e o Metabolismo territorial e agigantado japonês é a saudade da verve provocadora da vanguarda artística. O estímulo decisivo de Team X.
O brutalismo pode ser um slogan, palavra de ordem, com que restaurar a glória vanguardista, para sustentar o enobrecimento típico do arquiteto antigo, para dar vazão à infinita criatividade represada, reprimida pela arquitetura submetida ao mundo moderno, à sociedade industrial, à sistematização construtiva e à ordem da cidade: àquilo que cumpre o International Style que, ao invés de ser entendido como arquitetura desertora, ou cooptada, pode ser visto como a arquitetura mais autêntica e fecunda do século XX, o mercado ao que o arquiteto renuncia para sonhar e ofertar embriaguez dionisíaca, esplendor. É ardiloso afirmar que o International Style não representa a ação engajada, a ideologia transformadora, para dar margem ao espetáculo que tanto anima arquitetos seduzidos pela transcendência.
O Edifício Barão de Iguape, Praça do Patriarca, São Paulo, 1956, concebido pelo escritório americano Skidmore, Owings and Merrill, por encargo do banqueiro Walther Moreira Salles (1912-2001), embaixador brasileiro em Washington na década de 1950, é desenvolvido e fiscalizado pelo escritório de Jacques Pilón (1905-1962), em que na época trabalha o arquiteto Giancarlo Gasperini. A pouca atenção dispensada a um edifício com tantos atributos alerta para a idiossincrasia com que ajeitar o ideal artístico atuante na arquitetura local. Trata-se do mesmo tipo utilizado em importantes projetos nova-iorquinos como é o caso do formidável Edifício Union Carbide, 1961, do mesmo escritório, ou do irreprimível Edifício Seagram, 1958, de Mies van der Rohe, ambos na mesma avenida de NYC. Um tipo ajustado às edificações modernas e isolado na cidade de quarteirões com edifícios baixos nas divisas dos lotes, que isola a estrutura moderna e a solução de fachada a seco, cladding, o que há de mais desenvolvido em sua época.
Como acontece com tantos outros, esse edifício é desprezado, provavelmente, pelo preconceito com arquitetura vertical, pela associação com o uso empresarial, pela solução fabricada e montada, pela xenofobia ou, ainda, pela tímida vibração artística ou expressiva. Tal opção ideológica — irresponsabilidade — restringe e atrasa a indústria da construção civil ao obstaculizar modernas, efetivas e comprovadas tradições construtivas para poder reinar no canteiro artesanal.
Um descaso compreensível, constatada a preferência por soluções verticais mais tectônicas, abrutalhadas pelo dinamismo, pelo pilar ornamentado, pela geometria naturalizada com concreto bruto e pelos programas ideologicamente aceitáveis.
Para desabonar o uso de soluções pré-fabricadas chega-se a alegar, na contramão do recurso construtivo local atestado no Banco Moreira Salles, ser impróprio, improvável, contar com soluções industrializadas em São Paulo e, portanto, legítimo improvisar solução caseira, de canteiro, no máximo manufaturada, com o know-how do pedreiro refletido nas decisões (13).
No caso brasileiro, o concurso de Brasília, com bases publicadas em 1956, e a inauguração da capital em 1960, tumultuam ainda mais a trajetória da arquitetura no Brasil. A excelente arquitetura moderna produzida na década de 1950 fica abalada, desorientada e perturbada pela publicidade, pelo sucesso do traço livre, pela grandiloquência de Oscar Niemeyer (1907-2012) que desde a década de 1940 tripudia o moderno.
Trata-se de um ingrediente local que torna ainda mais efervescente a contestação da arquitetura moderna associada à penúria do pós-guerra e à camisa de força que restringe a imoderada liberdade do artista, na medida em que precisa atualizar-se e exige figuras cada vez mais contundentes com que acompanhar a maravilha brasiliense engendrada pela desenvoltura nacional. Assim, é de se esperar que a arquitetura moderna, prescritiva, com base coletiva e expectativa universal, seja travestida, enquadre-se — retroceda — como arquitetura subjetiva e autoral, notável e genial: impactante. Nessa perspectiva, a escola carioca e a escola paulista parecem ser as duas faces de Janus, ou a direção de dois olhares sobre Brasília.
Também, é decisivo insistir na diferença entre brutalismo e arquitetura moderna, por causa da desorientação, desserviço, que essa promiscuidade acarreta, porque nas faculdades de arquitetura paulistas, na década de 1970, ensina-se brutalismo como arquitetura moderna e a estrutura do livro de Banham disfarçada pelos argumentos superficiais e semânticos entre o que é estilisticamente novo e o que é eticamente renovado, insinua a filiação, a continuidade entre arquitetura moderna e brutalismo (14) quando equipara a escola de Hunstanton, 1949-54, Inglaterra ao edifício Alumni Memorial Hall, 1945-46, Campus ITT, Chicago e as Maisons Jaoul, 1954-56, Paris aos edifícios habitacionais Ham Common, 1955-58, Surrey, Inglaterra. Associa e iguala, com projetos, os grandes mestres a jovens radicais ingleses a destacar: Peter Smithson (1923-2003) e Alison Smithson (1928-1993) fazem o que Mies van der Rohe (1886-1969) faz e James Stirling (1926-1992) possui obra emparelhada à de Le Corbusier (1897-1965). O esquematismo intelectual e precoce de Banham consolida a atenção na aparência que nutre sua cria brutalista e antecipa a retórica ético-teórica que orquestra a truculenta arquitetura da década de 1960. Uma similitude superficial das obras é obtida com fotos tendenciosas e insinua que jovens arquitetos, com poucos anos de carreira, já sabem muito, talvez mais que os experientes mestres e já podem segurar o bastão. Isso insinua que os novos rumos do movimento moderno estão em continuidade, e que arejam, sacodem, a arquitetura combalida e enfraquecida pelo refinamento, pelo mercado e pelo standard industrial. Expor o material artesanal e natural substitui o atributo do objeto fabricado e montado pelo moralismo do objeto de canteiro e avesso à industrialização para que na arquitetura salva pela ética não respingue qualquer perversão da mercadoria, do produto.
Se a escolha das fotos favorece a comparação das imagens, o mesmo não se pode dizer da concepção que configura esses projetos. O Alumni Memorial Hall de Mies é um edifício standard produzido a partir de um sistema construtivo genérico com o que dar forma ao Campus do Illinois Institute of Technology, em Chicago. Gaiolas moduladas de perfis metálicos industriais servem para edificar com vários usos, tamanhos e gabaritos. A combinação com fechamentos em planos de alvenaria ou esquadrias de vidro e aço acata o sentido evidente da família de componentes definida com a intenção de obter máxima economia de meios, máxima repetição material, completa identidade arquitetônica para o conjunto, e, claro, expor inteligente solução e apresentação de fotogênicas arestas e relações formais — sombras, ajuste e integridade — confirmada pela máxima repetição de operações aplicadas numa implantação regular com relações complementares entre espaços abertos e áreas construídas.
Na escola do casal Smithson, ao abstraírem-se as estruturas de aço preto, construções peladas, suficientes para atividades educacionais, pouco ou nada se repete do IIT. No projeto de Norfolk é insinuado um esquema clássico em três pátios iguais, levemente hierarquizados, sem que isso comprometa o autêntico caráter moderno de um edifício modulado e industrializado, talvez esteja entre o melhor do casal de arquitetos. Se a noção formal for diversa da miesiana sua equiparação deixa dúvidas, mas isso não é suficiente para transformar esse conjunto de edifícios em exemplo do brutalismo inglês.
No caso da comparação entre Stirling e Le Corbusier, também a aparência dá conta da realidade arquitetônica. Vizinhas ao Bois de Bologne, as duas casas em abóbodas de cerâmica e concreto com vãos desiguais que organizam de forma impecável o programa doméstico separado em ambientes largos de estreitos. A implantação em ângulo reto confere um sentido excepcional aos espaços abertos, dos jardins, dá independência e autonomia para cada uma das casas. É uma obra desenhada por um arquiteto experiente, de muito recurso. Já, Stirling faz o que pode com as fachadas, mas deixa a dever com a implantação linear e desastrada. Incapaz de alinhar as paredes das plantas e definir regiões regulares opta por deslocamentos arbitrários e incompreensíveis entre os blocos, para acentuar sombras, desencontros e comprometer o formato dos espaços abertos. Stirling não implanta como quem controla relações no terreno, apenas distribui volumes dentro do terreno à meia distância das divisas sem propor valor ou sentido prático para os espaços abertos. Em todo caso, a construção dos panos de fachada tem efetiva similitude e isso parece ser suficiente para que a arquitetura esteja filiada e para que a estrutura de concreto aparente se transforme em ícone da sensação brutalista numa condição crescente de inexigência.
Cabana primitiva
O uso intensivo de concreto aparente e bruto na obra de Paulo Mendes da Rocha fornece quantidade de material para a tertúlia brutalista. Parece que Mendes da Rocha personifica simultaneamente o moderno e o brutalista, uma vez que suas obras frequentam indistintamente as duas listas e que, desta maneira, ele colabore involuntariamente com o improvável alinhamento de antagonismos. A melhor explicação está no entendimento precoce da obra pela sua aparência, pelo preconceito que há em identificar processos e materiais comprometidos com o estilo artístico. É provável que a filiação precoce da obra acoberte aspectos fundamentais da sua concepção, dê longa vida e verossimilhança a teorias sobre modalidades artísticas e à consequente e confusa aplicação de suas máximas.
A Residência do Butantã, a residência do arquiteto, 1964, Butantã, São Paulo construída junto com a símile do cunhado está no centro do dilema. Trata-se de um projeto concebido a partir do reconhecimento de sua estrutura e de seus elementos construtivos. A modulação é definida por um formalismo comprometido com a pureza dos números naturais: as caixas quadradas têm cem centímetros de lado e as nervuras com sete centímetros de espessura, portanto o módulo é cento e sete centímetros, medida que constrói toda a casa. Quatro pilares com grandes lajes finas, flexíveis e independentes, com vigas e balanços equilibrados e crescentes na cobertura de menor sobrecarga, responsável por proteger e sombrear janelas corridas e articuladas. A planta é definida por uma grande ilha zoneada em setores estabelecidos por tabiques paralelos e baixos em argamassa armada que definem os dormitórios iluminados por domus no interior da planta e que, com dois acessos, estabelecem infinidade de circulações. Uma única escada atende a entrada social e a entrada de serviço e as salas das extremidades apresentam-se como varandas elevadas e protegidas por peitoril contínuo e pelas janelas automáticas que repousam abertas. A descrição da concepção da casa faz indubitavelmente referência a um artefato moderno dotado de precisão, clareza e ordem.
As mínimas medidas resultam do cálculo escrupuloso de Shigeo Mitsutani. Mendes da Rocha descreve a economia material e elementar de sua casa como quem descreve a atitude moderna mais autêntica e fecunda, associa os atributos do projeto a sua sistematicidade e se emociona quando imagina toda a casa, como milhares de casas iguais, fabricada e montada com elementos pré-fabricados de concreto, pois não duvida que o mundo moderno seja industrializado e ignora que os processos industriais ofusquem, ou limitem o bom arquiteto, apenas omite, talvez porque o sonho da série seja irresistível, que com uma estrutura isostática o resultado final seria outro.
Nada do que é dito acima pode ser aplicado para descrever a claustrofóbica Residência Fernando Millan (15), 1971, Morumbi, São Paulo. Nesse projeto há duas estruturas e a principal não balança, nem acusa uma marcação de pilares. Como são as residências de Mendes da Rocha, um prisma retangular e elevado em formas horizontais de tábua é fechado por vigas testeira que, apoiadas nas arestas e em prolongamentos sobre os muros de divisa, conformam a estrutura da cobertura e confinam praticamente todos os ambientes que acabam iluminados pela cobertura, pela luz zenital da claraboia central e da claraboia longitudinal de uma cozinha que parece funcionar no quintal. A organização da planta, como suas quatro escadas anunciam, é confusa. Veículos no térreo e serviços no subsolo são avessos à cozinha cavada no terreno por onde se ventilam alcovas e sanitário, uma escada curva e escultural toma seu lugar no meio da sala, conecta a passarela que, por sua vez, se conecta com dois planos superiores de diferente pé-direito que abrem um espaço vertical compartilhado com setores de pé-direito simples da sala, sem deixar evidente uma estrutura formal que controle e ordene o projeto com o layout.
O muro de fechamento do terreno, a segunda estrutura, em concreto paginado em tábuas, agora estreitas e verticais, como a parede curva de carga e contenção, constitui a estrutura térrea e vertical da residência que cruza ondulante pelo meio do terreno para dividir os vãos das vigas e para separar exterior do interior, adianta-se até o alinhamento do lote e define o plano elevado da piscina, inclusive a forma antagônica dos ambientes dentro do prisma segundo um critério formal alheio às divisões em ângulo reto. Chama a atenção no corte da casa que as lajes superiores, os mezaninos com que se separa o dormitório principal dos demais, e os ambientes inferiores sejam discrepantes e que acusem projeções de pés-direitos diferentes em função do encaminhamento das estruturas. É possível que o antagonismo acatado no Brasil com respeito às operações de paisagismo e arquitetura exerça algum papel nas oposições da casa, sempre que se considere o acerto do terreno como problema paisagístico.
Ambas as casas em concreto aparente e bruto guardam analogia em seus ambientes de dormir interiorizados, com a mistura de atividades, compartilham soluções construtivas e técnicas em estruturas inconvencionais, no entanto, o projeto da Residência Butantã é de matriz neoplasticista, de tal maneira preciso e íntegro que os móveis podem ser executados em concreto, como são as mesas e as bases dos sofás, porque todos concordam com seus lugares. Na sombria Residência Millan o ajuste do mobiliário na sala é imprevisível, ali não há adesão ao formato ou função. A sala, quase uma caverna fechada para o exterior, resulta da informalidade de ações diversas e combinadas. Se na Residência Butantã o paralelepípedo corresponde às regras construtivas, na Residência Millan o paralelepípedo corresponde a um partido composto de episódios dualistas e inversões.
Admite-se que o processo de projeto seja diferente para cada uma dessas residências, que a Residência Butantã seja genuinamente moderna (16) e que a Residência Millan combine conceitos, partidos, sem mediação construtiva. Nela não se esclarece a conformidade do objeto a fins, apenas sua constituição por intermédio do indisfarçável carácter tectônico do concreto aparente para que deixe de ser um conjunto de planos concebido pela regra e pela ordem, como é o caso no Butantã, para tornar-se um volume primordial, primitivista, composto por circunstâncias, onde o elementar entendido como referência ao simples e reconhecível do sistema constitutivo da primeira residência fica reduzido à noção elementar entendida como sinônimo de primário, ou rústico, na segunda residência. A transmutação que parece ocorrer na Residência Millan, com respeito à Residência Butantã, sugere um transtorno que pode ser diagnosticado como brutalismo, já que expõe distorção e recuo da ordem moderna.
Os sinais de desordem formal são concomitantes dos sintomas da confusão interpretativa que, longe de ser casual ou episódica, serve para revelar ideologias prediletas e aponta para a facilidade, precocidade, com que a aparência classifica artefatos de arquitetura no meio especializado. Alerta, portanto, para o excesso de confiança no método histórico e consequente negligência de juízo artístico, com imprecisão conceitual, em especial, a tolerância com a vaga noção de moderno que, convenientemente, abarca qualquer experimentalismo, novidade ou preferência.
Espaço desinformado
Lina Bo Bardi em Tempos de grossura: o design no impasse, 1994, escreve em tom de manifesto. O texto é afirmativo — exagerado — para envolver leitores num clima apocalíptico de perdas irreparáveis. Lembra o moralismo de John Ruskin (1819-1900) e William Morris (1834-1896), que acusam a indústria pela destruição do artesanato e anteveem a barbárie. Trata da defesa do popular que teria igual, ou maior valor que outra produção que dispusesse de maior recurso. Fala de um país que, fascinado pela qualidade dos feitos estrangeiros — quinquilharias e bugigangas —, despreza sua sabedoria mais arraigada e pura, sua melhor interpretação, para render-se às soluções prontas e fáceis que supostamente o mercado internacional oferta. A autenticidade do artefato, para Lina Bo Bardi, está na espontaneidade do objeto produzido pelo homem mais simples, sem que isso signifique que seu objeto será simples, ou propriamente popular.
Masp, 1957-68, São Paulo, de Lina Bo Bardi, com o maior vão de estrutura não confirma a concepção moderna, uma vez que o desafio não tem qualquer relação com os requisitos formativos do objeto. Atingir o limite de uma construção é demonstração de audácia, de recurso técnico, que apenas estabelece recorde e, quase sempre, monumentaliza o objeto. Um esforço conectado à tendência romântica, à sublimidade, que coincidem, com frequência, com as razões do engenheiro. O extremado vão livre de 74 metros entre apoios provoca um sentimento sublime: surpreende, tira o fôlego do observador miniaturizado pela praça, num lugar para multidões. Não está entre as questões modernas mais genuínas estabelecer recordes, por isso uma estrutura com vão inadequado não deve constar da lista dos edifícios bem concebidos.
A simplicidade miesiana que Lina Bo Bardi evoca também falsifica a forma e a compreensão estrutural do edifício, uma realidade importante enquanto problema de cálculo e construção que são escamoteados pela plástica. Forma e construção trilham caminhos divergentes e não renunciam aos ideais: da forma que aspire à perfeição geométrica e da estrutura que conquiste o maior vão livre. Forma que não escuta a estrutura e estrutura que finge constituir sua forma.
A caixa de vidro elevada, como ideia para uma pinacoteca parece negar o que a tradição museológica reserva para os quadros: paredes. Por isso causa curiosidade e interesse as primeiras maquetes do projeto com pórticos transversais e com fechamentos maciços.
A forma sugere delgadas e flutuantes lâminas de concreto sustentadas pelo par de pórticos em que apenas tocam. Tudo leva a crer num pórtico hiperestático, já que a continuidade de uma mesma seção regular, no pilar e na viga, sugere, finge os nós rígidos e engastados do pórtico moderno, possível graças ao aço e ao concreto, adequados para estruturas de grande vão. No entanto trata-se de vigas protendidas e apoiadas sobre dois pilares, um conjunto isostático.
O projeto executado é fiel aos estudos anteriores no litoral, Lina continua a repetir estruturas unidirecionais certamente tomadas da experiência de Mies van der Rohe. Em São Vicente, a exemplo do Crown Hall, em Chicago, de 1950-56, uma sucessão de pórticos externos ao fechamento. São secundários, tímidos, os comentários dos repentes modernos de Lina Bo Bardi e a obra de Mies van der Rohe, inclusive em seu texto Contribuição propedeutica ao ensino da teoria de arquitetura, 1957. As coincidências também se apresentam na produção e na semelhança entre as fotomontagens produzidas pelo alemão e pela italiana.
As duas fotomontagens — colagem fotográfica — de ambientes de exposição apresentadas para o Museu à Beira do Oceano, em 1951, São Vicente aparentam um projeto moderno, elevado, com esquema expositivo difuso, com pátios, jardins, ou subtrações submetidas à ordem da estrutura. Se a fotomontagem for analisada com atenção, perceber-se-á que não há ordem no projeto de exposição das obras, também, que a escala dos painéis de exposição não estabelece profundidade à representação, apenas a forma trapezoidal do pano de vidros sugere perspectiva e tridimensionalidade. Se o trapézio de vidro for retirado da colagem, as obras flutuam no plano.
Na verdade, mais do que uma representação amadora, parece desprezar algum parâmetro para estruturar o ambiente obtido através de layout sistemático para exposição de obras de arte. Essa arquitetura parece moderna, mas expõe a ausência de uma estrutura ordenadora que estabeleça condição construtiva e formativa, ou afaste a mesma omissão da Casa de Vidro, 1951, São Paulo.
A fotomontagem, 1951, que coincidentemente traz a tela Guernica, 1937, de Pablo Picasso (1881-1973), como na colagem sobre desenho do Museu para uma pequena cidade, 1941-43, de Mies van der Rohe, esboça um espaço indeciso, a meio caminho da perspectiva oblíqua e da imagem frontal, indica elementos com que imaginar um espaço desestruturado, impreciso e desassociado da arquitetura. Essa informalidade parece ser recorrente em Lina Bo Bardi, já que suas perspectivas sempre apresentam objetos espalhados, desordenados, deixados como que casualmente, apenas afastados entre eles.
Quando as regras construtivas da arquitetura são relaxadas e parecem desnecessárias, inoportunas, então a ordem dos ambientes e entre os objetos é dissipada, o que é fundamento da arquitetura moderna, deixa de constituir parâmetro de verificação, a confirmação do formato ocupado, a complementaridade formal a conformidade a fins. Essa omissão acaba por propiciar que na pinacoteca do Masp os quadros flutuem no espaço, nessa categoria genérica e desinformada tão apropriada para falar de brutalismo, em cavaletes de vidro soltos, a pairar como o cardume no aquário, como um acervo bem arrumado no almoxarifado, ou como peças de xadrez no tabuleiro prontas para o jogo, sem propor, sem alternar valores, pontos que não estabelecem lugar, não constituem ambiente, distância contemplativa, conformidade com o fim. Esse desleixo — grossura — não ocorre na colagem de Mies van der Rohe, nela a frontalidade e a malha do piso, além de confirmarem a forma moderna e íntegra da arquitetura, estabelecem vínculo com as obras, condição obrigatória para o arquiteto convicto da vantagem moderna. A discreta sobreposição de obras de arte reforça a profundidade do ambiente, não permite que haja dúvida quanto à posição dos painéis de quadros, que haja dúvida se um está atrás do outro, ou se há um sobre o outro.
A comparação do Masp, em sua versão original (17), com o Novo Museu Nacional de Berlim, concepções aparentadas e inauguradas no mesmo ano, caixas puras de vidro, exemplificam, de um lado, o artefato moderno controlado em todos os seus aspectos por regras claras e coerentes e, do outro, um tipo mutante que mistura decisões, prioridades e desconsidera as relações apropriadas da arquitetura moderna.
notas
NE – Sob coordenação editorial de Ruth Verde Zein (FAU Mackenzie, Conselho Editorial Arquitextos) e Abilio Guerra (editor Arquitextos), número traz nove artigos apresentados no X Seminário Docomomo Brasil (Curitiba, 15 a 18 de outubro de 2013), que teve como tema “Arquitetura moderna e internacional: conexões brutalistas 1955-75”. Os artigos do número especial sobre o brutalismo são os seguintes:
ZEIN, Ruth Verde. Modernidade madura, alternativa, brutalista, plural. O patrimônio e legado dos anos 1955-75. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 166.00, Vitruvius, abr. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.166/5120>.
ESPALLARGAS GIMENEZ, Luis. O recuo brutalista. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 166.01, Vitruvius, abr. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.166/5041>.
CARRILHO, Marcos José. Residência Telmo Porto. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 166.02, Vitruvius, abr. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.166/5136>.
ÁLVAREZ, Eva; GÓMEZ ALFONSO, Carlos. Apuntes para una adecuada apreciación, necesaria protección y razonada revitalización. El conjunto Universidad Laboral de Cheste (1967-1969) de Fernando Moreno Barberá. Arquitextos, São Paulo, año 14, n. 166.03, Vitruvius, abr. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.166/5138>.
CABRAL, Cláudia Piantá Costa. Conexões figurativas. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 166.04, Vitruvius, abr. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.166/5137>.
MARQUES, Sonia. A ética habitante e o espírito do brutalismo. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 166.05, Vitruvius, abr. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.166/5142>.
SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Preservação da arquitetura brutalista. Os brutos também querem ser amados. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 166.06, Vitruvius, abr. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.166/5147>.
BURRIEL BIELZA, Luis. La estructura y su dimensión poética en Saint-Pierre de Firminy. Arquitextos, São Paulo, año 14, n. 166.07, Vitruvius, abr. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.166/5148>.
LEJEUNE, Jean-François. Preserving the Miami Marine Stadium (1962-64). Tropical brutalism, society of leisure, and ethnic identity. Arquitextos, São Paulo, year 14, n. 166.08, Vitruvius, may 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.166/5151>.
1
Mais promissor do que discutir a improvável pertinência da postura ética na arquitetura seria tentar entender a concordância e a rapidez com que os arquitetos de todo o mundo acolhem a oferta de uma arquitetura mais original, expressiva e artística. A arquitetura moderna, pelas suas características, está associada às condições penuriosas do pós-guerra, aos projetos com recursos escassos, às propostas contidas da habitação de massas para reconstruir a cidade europeia. A possibilidade de monumentalizar, de ousar, de manifestar liberdade artística é acatada sem restrições. No Brasil, esse fenômeno é, todavia, estimulado pelo sucesso de Oscar Niemeyer em Brasília.
2
BANHAM, Reyner. Machine Aesthetic. Architectural Review Nº 117 (April 1955), pp. 224-28.
3
É curioso que outros edifícios da primeira metade do século XX não tenham sido considerados por Banham. Talvez a citação de obras mais antigas que sempre embaraçam a arquitetura moderna pudesse comprometer a desejada conexão do brutalismo com a arquitetura moderna. A indústria de motores AEG, 1909, Berlim, de Peter Behrens (1868-1940); a residência de praia Lovell, 1926, Newport Beach, Califórnia, de Rudolph M. Schindler (1887-1953); o Clube dos funcionários, 1929, Moscou, de Konstantin Melnikov (1890-1974); a Fábrica Boots, 1930-32, Beeston, Nottinghamshire, de Sir E. Owen Williams (1890-1969); Escola em Amsterdam, 1930-32, de Johannes Duiker (1890-1935); Casa Ponte, 1947, Mar del Plata, Argentina, de Amancio Williams (1913-1989); Igreja de São José, 1949-56, Le Havre, de August Perret (1874-1954); Museu Solomon R. Guggenheim, 1956-59, Nova York, de Frank Lloyd Wright (1967-1959), para citar apenas uma obra do arquiteto americano passível dessa classificação. Talvez essas obras causem embaraço às intenções que conduzem o esquema do autor, mas certamente ajudam a questionar a novidade da arquitetura quanto à sua rudeza e perversidade. Uma espécie de “proto-brutalismo” seria inconcebível em Banham, pois sua intenção parece vincular o novo brutalismo à arquitetura moderna. Ao folhear o livro de Banham tanto pode se sentir a falta de obras brutas, como encontrar outras obras que ilustram os argumentos brutalistas, mas que, certamente, dada sua concepção, poderiam ser consideradas modernas: Museu de Arte da Yale University, 1953, New Haven, Connecticut, Louis Kahn e Douglas Orr; Lijnbaan 1953, Rotterdam, Broek/Bakema; Alton West Estate, 1959, Roehampton, Londres, London County Council; Conjunto Portales, 1961-63, Santiago do Chile, Bresciani, Valdés, Castillo y Huidobro; Ampliação de Museu, 1959, Lillehammer, Noruega, Sverre Fehn, Geir Grung e Maihaugen; Conjunto Halen, 1961, Berna, Suiça, Atelier 5.
4
CORDEIRO, Waldemar; BARROS, Geraldo; SACILOTTO,Luís; WLADYSLAW, Anatol; FÉJER; CHAROUX, Lothar e HAAR, Leopoldo. O Manifesto do Grupo Ruptura, 1952. “É o velho: todas as variedades e hibridizações do naturalismo; a mera negação do naturalismo, isto é, o naturalismo “errado” das crianças, dos loucos, dos “primitivos”, dos expressionistas, dos surrealistas, etc...; o não-figurativismo hedonista, produto de gosto gratuito, que busca a mera excitação do prazer ou desprazer”.
5
BANHAM, Reyner. La estética de la máquina, in El nuevo brutalismo: documentación y evaluación, Cuadernos Summa – Nueva visión Buenos Aires, mai 1969, pp. 5-6. Para desmontar a unicidade do argumento brutalista, mesmo em sua origem, basta mostrar que enquanto Banham, em texto publicado em Architectural Review, abr 1955, procurava demolir o argumento purista de Ozenfant e Jeanneret com respeito à produção moderna do objeto, por intermédio de pesquisas de vendas que constatam ostentação do comprador quando escolhe o produto. Banham questiona o moderno ao afirmar que o objetivo não seria utilidade, mas prestigio. A crítica que se faz à produção de massas parece ser esquecida para poder utilizar o império da mercadoria como critério de objetividade.
6
VENTURI, Lionello. História da Crítica de Arte – Nova York: Martins Fontes, 1984, p. 164.
7
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2012. São três as críticas que completam a razão, o conhecimento e o entendimento em Kant: A Crítica da razão pura (1781), A Crítica da razão prática (1788) e a Crítica do Juízo (1790). Nesta última o filósofo de Königsberg discute a estética transcendente como forma de entendimento e associação universal, como faculdade do juízo reflexivo voltado para a conformidade aos fins (Zweckmãssgzeit). O juízo subjetivo e o conhecimento transcendental estabelecem um universal para uma situação particular. A Natureza, entendida como forma apropriada às leis e às contingências, é, todavia, uma entidade dotada de ordem em que se verifica a conformidade a fins, onde a necessidade e as leis empíricas não se podem demonstrar. Na Natureza há uma subordinação de gênero e espécies que, pese a imensa diversidade de leis empíricas envolvidas que dificultam vislumbrar ali alguma ordem, ainda se torna compreensível ao homem capaz de estabelecer princípios e formas por intermédio da faculdade do juízo. Em Kant a estética tem relação com o entendimento por intermédio da sensação de prazer ou desprazer dos sentidos e pode alcançar o juízo transcendente. A faculdade do juízo se refere à forma das coisas que pode ser apreendida pelas leis empíricas, conforme acontece com a natureza, e constituir, com imaginação e inteligência, um entendimento. Pode também ser apreendida em sua aparência, a partir da imaginação, da experiência e do gosto do sujeito. Na Crítica do Juízo, Kant define a faculdade do juízo estético e do juízo teleológico, ou o juízo associado à razão, e estabelece distinção entre o estético e o sublime.
8
JEANNERET, Charles Edouard & OZENFANT, Amadee. Après le cubisme, 1918. O purismo é referido à estética do objeto como prazer do intelecto; Apud: ROVIRA, Teresa. Problemas de forma: Schoenberg y Le Corbusier – Barcelona: UPC, 1999. De Le Corbusier é muito conhecida a frase sobre a emoção estética, sobre o jogo de volumes sob a luz que parece transferir a importância da arquitetura para a sua aparência superficial. O mesmo arquiteto, em outra definição menos notada, se refere ao prazer intelectual que o entendimento da forma propicia.
9
KANT, Immanuel. Crítica do juízo, 1790; Apud: PIÑÓN, Helio. L’humanisme essencial de l’arquitectura moderna – Tese de ingresso na Reial Acadèmia de doctors de Barcelona, 2003, p. 155.
10
PARICIO, Ignacio. La construcción de la arquitectura – Los elementos, Institut de Tecnologia de la Construcció de Catalunya - ITEC, Barcelona, 1995, p. 69: Fue, sin duda, el ejemplo y el apostolado de la arquitectura del Movimiento Moderno la que señaló el camino de los actuales modelos estructurales y la que exaltó las ventajas de la separación de cierramientos y estructura. Esta sustitución del muro por el pórtico es, sin dudas, la revolución más importante que há sufrido la arquitectura en su historia. O autor vai afirmar que o pórtico rígido é a estrutura moderna por excelência, correspondendo à verdadeira invenção estrutural do século XX. O pórtico tem sua origem nas estruturas de madeira e foi aperfeiçoado com o uso de aço no século XIX. Se a estrutura corresponde a um dado moderno, é irônico que o concreto não corresponda ao material característico para a construção dos pórticos, ou da estrutura, definitivamente, moderna.
11
A interesseira afinidade entre o brutalismo e a arquitetura moderna esconde o carácter antimodernista do primeiro e prolonga a noção de Movimento Moderno da arquitetura. Se fosse considerado que o brutalismo comporta uma crítica radical aos pressupostos modernos, então, se poderia estabelecer a adesão do brutalismo, e de todos os experimentalismos alternativos e realistas que apontam imediatamente após o segundo pós-guerra, ao posterior fenômeno pós-moderno que renega explicitamente a atitude moderna e trata de substituí-la. A ideia de que o brutalismo corresponde à radicalização da arquitetura moderna, a uma estratégia para voltar a potencializá-la e moralizá-la, dissimula o descontentamento dos arquitetos ávidos por genialidade com o novo papel profissional que o estrito comportamento moderno reserva e, ainda, mascara o retorno da estética tradicional, convencional e psicológica que tal revisão pressupõe. Reyner Banham é antimodernista como seus textos dos anos de 1950 comprovam, mas não deve haver clima, nem coragem, nesse momento, para um enfrentamento drástico com a arquitetura moderna que, pese a produção internacional frustrante para acadêmicos e críticos com seriadas cortinas de vidro pouco inspiradas, ainda ostenta fama e credibilidade literária com a missão, vantagens e promessas que, aliciadas, podem ajudar a vender o que quer que seja.
12
Alison e Peter Smithson, ajudados por Cristopher Woodward, vão recompilar, entre 1955 e 1956, as imagens que são reunidas uma década depois, em julho de 1965, na forma da exposição The heroic period of Modern Architecture, imagens hoje conhecidas por intermédio da publicação da Thames and Hudson, 1981, Londres. Segundo o casal de arquitetos, focar-se-ia um pequeno período iniciado em 1915, em que as obras modernas fundamentais e decisivas são produzidas e, ainda de acordo com os mesmos arquitetos, segundo uma condição que se desvanece em torno de 1929 — quando, estranhamente, alonga-se esse período até 1934. A exposição tem intenção clara e confirmada num enxuto manifesto introdutório: recapturar a excitação e a confiança presentes naqueles arquitetos, reunir os edifícios indubitavelmente constituintes do período heroico, certificar-se de que suas imagens disponíveis são as mais potentes. Trata-se de uma operação crítica que omite tudo produzido nos últimos trinta anos, para retomar ou para reestabelecer o contato com uma presumida, verdadeira, arquitetura moderna. É importante a comparação daquela exposição de 1965, com outra anterior, The International Style: Architecture since 1922, a primeira exposição de arquitetura realizada no MoMA, em 1932, em Nova York, por determinação de seu diretor Alfred Barr, com a curadoria de Philip Johnson que convida Henry-Russell Hitchcock para participar de sua organização e de seu extenso catálogo explicativo. A exposição nova-iorquina é composta — com a exceção de algumas poucas obras e notadamente dos principais projetos que compõem a experiência habitacional da exposição de Weissenhof, 1927, Stuttgart — de projetos e fotos de obras executadas em 1930 e 1931. Portanto, uma exposição montada segundo um critério de atualidade ou do estado da arte — the building of the day in fifteen countries — naquele momento da arquitetura, com imagens conhecidas através de sucessivas edições do livro. Uma exposição de exemplos que se inicia exatamente no momento em que os critérios defendidos, vinte e cinco anos depois pelo jovem casal de arquitetos britânicos, determinam o esvaziamento dos aspectos estimulantes da arquitetura moderna estabelecida e a consequente perda de seu interesse em favor de provocativos experimentalismos e radicalismos característicos da vanguarda artística. Não há dúvida de que nesse período a confiança que se deposita no futuro da arquitetura moderna, como um Estilo Internacional, e a maneira depreciativa que a interpreta na década de cinquenta, sofre uma profunda reorientação ideológica.
13
ACAYABA, Marlene Milan e FERRO, Sérgio. Reflexões sobre o brutalismo caboclo. Entrevista concedida a Marlene Acayaba, Revista Projeto, nº 86, 1986, pp. 68-70. Sérgio Ferro: “Principalmente através da posição de Artigas de construir com os meios locais e não com a tecnologia ou o modo de fazer que não correspondesse às possibilidades daqui”; “Porque o trabalho político se confundiu com o trabalho de arquitetura. Todo pensamento político nos levava a não poder mais utilizar certo tipo de informação de fora, que não se adequava à nossa militância radical”. Na mesma entrevista aparece a confissão da “mentira didática”, sem referi-la à ação de monumentalizar, ”tornar mais explícita”, a figura estrutural, à expressividade, ao apelo, dos elementos construtivos.
14
As dúvidas quanto a uma relação conceptiva entre os projetos dos mestres modernos e os projetos dos jovens arquitetos britânicos do pós-guerra são mencionadas por Helio Piñón, na palestra A vigência da arquitetura moderna, na FAU da PUC-Campinas em 1998.
15
ESPALLARGAS GIMENEZ, Luis & ROCHA, Paulo Mendes da. Entrevista com o arquiteto – São Paulo, 2001. Para exemplificar esta dúvida fundamental, cita-se parte da entrevista com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha em que são intencionalmente formuladas perguntas sobre sua residência do Butantã, de 1961 e sobre a residência Fernando Millan, de 1971. Tais perguntas procuram especular sobre diferenças tidas como definitivas, nestas duas residências, apenas aparentemente iguais, mesmo produzidas com a mesma tecnologia de concreto armado aparente e bruto. As perguntas pressupõem que a primeira é desenhada de acordo com a atitude moderna mais estrita, organizada segundo critérios formais estruturadores e claros, elementaridade evidente e reprodutibilidade garantida constroem-se duas ao mesmo tempo por um raciocínio estrutural irretocável, geométrico e calculado para obter uma obra refinada, leve, econômica, perfeita e autônoma. Já a residência Fernando Millan teria resultado de diferentes premissas, desta vez, mais dramáticas e menos modernas, provavelmente mais brutalistas. A atenção ao terreno em busca de uma arquitetura para o lugar, a construção endurecida por uma técnica que subjuga a natureza, o encarceramento familiar, o primitivismo da cozinha no quintal, a rudeza dos acabamentos, a expressividade trágica e tétrica dos espaços e o desencanto com as proporções e com as medidas, apontariam para outra postura diante do projeto. Na entrevista, Paulo Mendes da Rocha não admite diferença, mas ao comentar as casas, em cada caso, convoca argumentos distintos e ampara suas decisões em aspectos e valores antagônicos da arquitetura.
16
ESPALLARGAS GIMENEZ, Luis. Arquitetura paulista da década de 1960: técnica e forma. Tese de Doutorado orientada pelo Professor Doutor Ricardo Marques de Azevedo, FAU USP, 2004, p 177.
17
A crítica que aqui se faz ao formato expositivo e original do acervo de quadros da coleção do Masp com festejados cavaletes de vidro temperado fixados em bases de concreto com cunhas de madeira, não implica em concordar com a posterior e desastrada reforma com tabiques brancos para imitar os salões das galerias clássicas dentro de um edifício do século XX.
referência bibliográfica
BÂCHER, Max et HEINLE, Erwin. Construcciones en Hormigón visto. Barcelona: Gustavo Gili, 1967.
BANHAM, Reyner. The New Brutalism: Ethic or Aesthetic? Londres: Architectural Press, 1966.
FUSCO, Renato de. La idea de arquitectura: Historia de la crítica desde Viollet-le-Duc a Persico. Barcelona: Gustavo Gili, 1976. Colección Punto y Línea.
ORTEGA y GASSET, José. A desumanização da arte. Lisboa: Veja, 1996.
PIÑÓN, Helio. El formalismo essencial de la arquitectura moderna. Barcelona: UPC, 2008.
RAGON, Michel. Esthétique de l’architecture contemporaine. Neuchâtel:Griffon, 1968.
SANVITTO, Maria Luiza Adams. Brutalismo Paulista: uma análise compositiva de residências paulistanas entre 1957 e 1972. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, PROPAR / UFRGS, 1997.
Cuadernos summa- nueva visión Nº 24-25: El nuevo brutalismo: documentación y evaluación. Buenos Aires, 1969 (compilação de textos publicados nas revistas Zodiac e Architectural Review).
sobre o autor
Luis Espallargas Gimenez é arquiteto e professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo – IAU-USP-SC.