Voilà la méthode logique: commencer l’enseignement par les ordres, c’est l’enseignement de l’image; commencer par le mur, c’est l’enseignement de la realité.
Julien Guadet, Éléments, vol. I, p. 98
A importância histórica de Guadet
Numa época propriamente de constituição profissional da Arquitetura no Brasil, com a edição da lei instituidora do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU/BR em 2010, a instalação e funcionamento da corporação a partir de 2011 e a aprovação do Código de Ética e Disciplina em 2013, parece importante resgatar a origem dessa profissão liberal, sua afirmação como saber especializado e autônomo em face de outros vários agentes da edificação. O arquiteto não se confunde com nenhum outro agente: antiga lição de Julien Guadet, influente arquiteto racionalista francês, além de professor, perito, inspetor geral de edifícios, que viveu e produziu no final do séc. XIX - embora sua obra principal, Éléments et théorie de l´architecture, em quatro grossos volumes, tenha sido publicada entre 1901 e 1904 e se projetado adiante, no tempo, em diversas edições. O Livro XIV do último volume, com onze capítulos, intitula-se exatamente “La profession d’architecte”.
Reproduz-se, em seguida, uma tentativa de tradução integral (1) do chamado Código Guadet, adotado pela Sociedade Central dos Arquitetos Franceses no Congresso Nacional de Bordeaux, onde o documento, redigido por Guadet, foi aprovado por unanimidade. “É a unanimidade perfeita”, exclama o presidente do Congresso, o arquiteto Achille Hermant, diante da aclamação do texto pelos presentes. O presidente da Sociedade era Charles Garnier que, na versão do código publicada no tomo IV do livro de Gadet acima indicado, o aprova com um expressivo “visto”. Na verdade, o código foi mesmo adotado a partir do movimento liderado por Julien-Azaïs Guadet (1843-1908), um “poderoso personagem” (Michel Ragon), chefe de ateliê e professor de teoria na Escola Nacional Superior de Belas-Artes de Paris, formando numerosos profissionais. Exerceu, além disso, ativamente a profissão, colaborando com Charles Garnier, na Ópera, dentre outros trabalhos como a restauração do Théâtre-Français, teatro estatal que é sede da multissecular Comédie-Française (depois do incêndio em 1900), o projeto do Hôtel des Postes (1886) – mas nenhum deles “notável”, ressalta Ragon.
Reformulada por decreto datado de 1863, a escola em que lecionava passou a expedir diplomas de arquiteto instituídos em novo decreto, de 1867, e a profissão começava a ganhar então novos contornos no mercado, destacando-se das outras atividades ligadas à construção material (ou seja, afastando-se das artes mecânicas, sobretudo a engenharia). Mas entendeu-se que os arquitetos não poderiam ser considerados como artistas apenas: tinha-se que esclarecer precisamente sua função profissional como se tinha também de determinar uma preparação científica, prévia e suficiente, na academia. Mas isto, como observa Bruno Zevi, deixou o “campo aberto para uma inevitável comparação explícita entre a cultura acadêmica e a realidade” (História de la arquitectura, p. 172), marcada pela industrialização: um conflito parecido com o que vive que a Arquitetura brasileira hoje, depois da lei de 2010 que demarcou pela primeira vez o campo competencial do arquiteto, exigindo e reclamando uma revisão da formação universitária.
Neste sentido, o pressuposto básico é o que a Arquitetura constitui uma arte liberal e não um trabalho manual, distinção que se iniciara por volta do século XVI (2). Assim, na perspectiva instituinte, o código de deveres dos arquitetos é documento fundamental porque lança as bases de uma nova profissão liberal, estabelecendo as regras deontológicas mínimas para o seu exercício, regras hoje que até hoje se mostram importantes e relevantes. Assim, por exemplo, o arquiteto recebe unicamente honorários como remuneração pelos serviços que presta na composição de projetos e direção de trabalhos (sua atribuição principal); não pode fazer o mesmo tipo de publicidade de seu ofício que os comerciantes normalmente fazem; e não pode encetar trabalhos que prejudiquem terceiros. Cria, ainda, uma solidariedade entre os colegas (“confrades”) que lhes dará prioridade na fixação de encontros, convocações, recepções, etc (n. 7), preparando a futura constituição da ordem (“confraternité”). Embora sem nenhum caráter legal, este relatório que se tornou código regeu, na prática, a profissão, na França, até 1940, quando ela foi disciplinada pela lei e encerrou-se a possibilidade de seu exercício livre, sem diploma, que começara em 1793 (3). A Sociedade Central, que Guadet presidiria em 1907, precedeu a Ordem dos Arquitetos em um século.
Conforme escreve Michel Huet, “o código Guadet se funda essencialmente sobre a busca de legitimação de um estatuto específico [para a profissão]: o estatuto liberal que, por essência, deve se distinguir do estatuto de comerciante” (Droit, p. 18). Pode-se acrescentar: ou do empreendedor, empresário ou do construtor. Sua atuação é autônoma e “desinteressada” (como ressalta Achille Hermant), pautando-se por deveres éticos que o código consagra assim como consagra, de outro lado, toda dedicação do arquiteto aos interesses que lhe foram confiados pelo cliente (cf. n.9). Daí inclusive a ideia que está na origem do termo “honorários” para designar sua remuneração, termo latino derivado, é evidente, de “honorífico”: aquilo que é dado para honrar e não como salário ou propriamente pagamento pelo trabalho de alguém. No complexo panorama social de Roma, o termo parece, notadamente, nas relações entre patronos e clientes, aqueles protegendo e defendendo estes - homens livres que se associavam aos patrícios -, inclusive no fórum. Muitos arquitetos romanos estavam nesta condição de clientes ou vassalos – ou então eram escravos.
Portanto, na estrutura do código, o arquiteto (a) só recebe honorários e (b) pagos pelo cliente que o contratou, (c) em contrapartida dos serviços que presta ao contratante. Veja-se, assim, que o item 3.2.16 do Código de Ética e Disciplina (CED) do CAU, especificando o comando do art. 18/VI da Lei nº 12.378/10, ao proibir, em regra clara, o recebimento daquilo que se chama, num eufemismo, de “reserva técnica”, guarda enorme semelhança com o item 12 do Código Guadet, a mostrar a atualidade das disposições deste. O recebimento da “reserva técnica”, se não constitui um comportamento criminoso, é uma falta ética efetiva não só porque, em conseqüência, acaba aviltando os honorários como também porque submete o arquiteto a “dois senhores” que podem ter interesses conflitantes. O princípio firmado por Guadet, na verdade, continua o mesmo depois de mais de um século eis que visa garantir a independência do profissional em face de outros interesses que não os do cliente, a quem deve sempre guardar “lealdade” (princípio do item 3.1.2 do CED).
Numa fórmula latina, sintética, o arquiteto é definido por Guadet, no vol. IV de seu livro acima mencionado, como “vir bonus, aedificandi peritus”, ou, como traduz, “l’honnêt homme habile à construire” (“o homem honesto perito em edificar”) (4). Deve se perceber o elemento ético essencial desta definição, que afastaria da condição de arquiteto as pessoas desonestas. Além dele, o código elenca alguns outros agentes da edificação, a saber: o cliente – ou seja, o dono da obra -, e o empreendedor (“entrepreneur”), empresário ou construtor, que é o encarregado das operações materiais da construção, reportando-se ao “pessoal da construção” (em face de quem o arquiteto deve exercer sua autoridade moral para assegurar condições de trabalho menos penosas, cf. item 16). Intermediário entre eles – em face dos quais exerce uma “magistratura amigável” -, os deveres do arquiteto em face do primeiro - o “promotor”, como é chamado na lei espanhola de ordenação da edificação, de 1999 - estão elencados no capítulo II e em face do segundo no capítulo III. Portanto, a leitura do texto não pode confundir estes agentes: o empreendedor é o construtor, que obedece aos planos elaborados pelo arquiteto, sendo que este supervisiona o trabalho dele. Na tradução, preferi antes utilizar “empreendedor” a “empresário” porque esta última expressão tem sentido diferente: o regime da empresa é diverso do empreendedor individual, por exemplo, um empreiteiro ou um artista. Nem todo construtor é empresário da construção civil.
O texto original, que não é facilmente encontrável fora da reprodução no livro de Guadet, foi extraído diretamente do jornal L’Architecture, n. 33, agosto de 1895, um jornal semanal daquela sociedade que traz, em vários números, toda a discussão ocorrida no congresso que propunha o início de um novo tempo na prestação de serviços de Arquitetura. Tentava, assim, regular os concursos públicos de Arquitetura, declarar regras deontológicas, afirmar direitos autorais, instituir uma caixa de seguros, demarcar enfim o papel social do profissional – que não era empregado e nem empresário. A preocupação com a autonomia do profissional em face tanto do Poder Público (“as administrações”, o Judiciário nas perícias) quanto dos clientes e do pessoal da construção, sobretudo do construtor, é, de fato, marcante em todo o documento que precisa ser resgatado para estudos e pesquisas sobre a origem deste ofício que se renovou no Brasil, em 2010. Como resume o n. 20, o arquiteto “não se submete jamais à alea [risco, em latim no original] de ganhos e perdas que está na essência da empresa, e em contradição com o exercício da profissão liberal de arquiteto”.
Atualmente, como se sabe, existem diversas possibilidades para o enquadramento jurídico do trabalho profissional do arquiteto. O Estatuto da Ordem dos Arquitectos de Portugal, de 1998, chega a listar, com didatismo, os vários modos desse exercício no art. 44: “A profissão de arquitecto pode ser exercida: a) por conta própria, como profissional independente ou como empresário em nome individual; b) como sócio, administrador ou gerente de uma sociedade de profissionais com actividade no domínio da arquitectura; c) como funcionário público ou trabalhador contratado pela administração central, regional ou local; d) como assalariado de outro arquitecto ou de outros profissionais, ou de uma pessoa colectiva”. Ao redigir o código, Guadet, como parece claro, pensava apenas na primeira delas: o arquiteto que atua por conta própria, como profissional independente, ou seja, para ele o arquiteto era um profissional “essencialmente liberal, não se prestando nem às especulações aleatórias, nem às empresas industriais” (p. 495).
“Os deveres profissionais do Arquiteto”, de Julien Guadet
“A Sociedade central dos arquitetos franceses,
Considerando que é necessário especificar as obrigações morais que sempre foram a regra de conduta e a honra dos arquitetos verdadeiramente dignos deste nome;
Que é necessário, de fato, que o público, os clientes, e as administrações possam ter conhecimento das garantias que estão reservadas por direito para os arquitetos que exerçam honradamente a profissão;
Declara que os princípios que regem a conduta dos arquitetos nas suas relações com os seus confrades, seus clientes e os empreendedores ou pessoal da construção são os seguintes:
I – DEVERES DO ARQUITETO EM RELAÇÃO A ELE MESMO E AOS SEUS COLEGAS
1. O arquiteto é definido no Dicionário da Academia Francesa (edição de 1878) nestes termos: “O artista que compõe os edifícios, determina suas proporções, as distribuições, a decoração, e os faz executar sob suas ordens, controlando as despesas”.
Em conseqüência, o arquiteto é, a um só tempo, um artista e um prático. Sua função é a de conceber e estudar a composição de um edifício, de dirigir e supervisionar a execução dele, de verificar e controlar as contas de despesas a ele relativas.
2. Ele exerce uma profissão liberal e não comercial. Esta profissão é incompatível com aquela de empresário, industrial ou fornecedor de materiais ou objetos utilizados na construção. (5)
Ele é remunerado unicamente pelos honorários, com exclusão de qualquer outra fonte de benefícios durante os seus trabalhos ou no exercício de seu mandato.
3. Se um arquiteto consegue um alvará de privilégio para um produto referente à indústria da construção, ele não o explora pessoalmente, mas ele o vende a um industrial, cedendo-lhe todos os seus direitos de propriedade para a exploração.
4. Ao arquiteto, não sendo nem comerciante e nem agente de negócios, proíbe-se todas as operações que possam dar lugar a vantagens ou comissões.
Ele se abstém de fazer, para um propósito pessoal, anúncios, reclames ou ofertas de serviços por via de jornais, cartazes, placas, prospectos ou qualquer outro meio de publicidade das profissões comerciais.
5. Ele se proíbe de procurar trabalhos ou clientela por meio de concessões, comissões, benefícios sobre seus honorários ou outras vantagens que pudesse fazer a intermediários tais como gerentes, homens de negócio ou mandatários de quaisquer proprietários e, em geral, todos os comportamentos que precisariam ficar sigilosos em face de um cliente, seja real, seja eventual.
6. Em face dos colegas, ao arquiteto fica vedado o plágio assim como o desconhecimento das delicadas regras que a consciência impõe aos artistas dignos desse nome nas relações entre eles.
Ele não procura a posição ou a clientela conquistada por um colega. Se, entretanto, ele for chamado a assumir esta posição ou este cliente em função da morte, do afastamento voluntário ou da renúncia de um colega, o novo arquiteto se considera como um guardião da honra e dos interesses deste confrade. (6)
7. Ele reconhece a qualidade de colega e confere o título a todo arquiteto que exerça honradamente a profissão.
Ele dará, na medida do possível, a prioridade a seus colegas ao marcar encontros, convocações, recepções, etc. Quando houver reuniões entre muitos arquitetos, elas ocorrerão no escritório do mais velho.
8. Se o arquiteto empregar em seu escritório, como desenhistas ou aprendizes, jovens que se achem ainda num estágio de instrução profissional, ele utiliza o concurso de sua experiência e os trata com os cuidados requeridos pelo coleguismo.
II. DEVERES DO ARQUITETO EM RELAÇÃO A SEUS CLIENTES
9. O arquiteto consagra a seu cliente:
O concurso de todo seu saber e de sua experiência no estudo de projetos que lhe são solicitados, na direção e supervisão dos seus trabalhos, assim como nos pareceres e conselhos que lhe dá;
Toda sua dedicação à defesa dos interesses que lhe são confiados.
10. Entretanto, o arquiteto não se propõe a operações, ainda que exigidas pelo cliente, que sejam capazes de lesar direitos de terceiros.
Ele efetivamente não se presta a realizar operações que lhe pareçam de molde a comprometê-lo ou a comprometer terceiros, ou a causar acidentes.
Nesta hipótese, ele advertirá seu cliente da impossibilidade de prosseguir em tais atividades.
11. Ele advertirá igualmente seu cliente quando a modificação dos trabalhos previstos possa resultar no aumento das despesas.
12. Ele é remunerado por seu cliente, e por seu cliente somente, por meio de honorários. Assim, ele não receberá nenhuma remuneração, sob qualquer forma, da parte de empresários, fornecedores, vendedores ou compradores de terrenos ou de propriedades construídas, que contrataram ou possam contratar com seu cliente; mas uma vez que a remuneração de seu trabalho deva ficar a cargo de terceiros, os honorários que lhe são devidos desta pessoa são pagos por seu cliente, salvo neste último caso, quando tiver de se reembolsar por quem de direito.
13. Ele remete a seu cliente plantas, encargos e orçamentos que devem servir para elaboração do contrato; ficam em sua posse as minutas, assim como todos os estudos preparatórios e detalhes de execução. Ele remete igualmente a seu cliente uma lista dos empreendedores que ele organizou.
14. Para os trabalhos de pequenas reformas, administração, aprovações, etc, o arquiteto emite, ordinariamente, uma nota anual de honorários; para os trabalhos novos ou trabalhos de grandes reformas, ele recebe, além de seus honorários, os valores proporcionais às despesas realizadas. (7)
15. O arquiteto se recusará ser nomeado perito num caso no qual um de seus clientes esteja envolvido. Ocorre o mesmo quando ele já tiver dado um parecer para uma das pessoas em litígio. (8)
Quando atua como árbitro suas obrigações são as mesmas.
III. DEVERES DO ARQUITETO EM RELAÇÃO AOS EMPREENDEDORES E AO PESSOAL DA CONSTRUÇÃO
16. O arquiteto emprega sua autoridade moral buscando garantir aos operários da obra condições de trabalho as menos penosas possíveis e assegurar uma boa harmonia, cordialidade e honorabilidade nas relações entre todas as pessoas que se ocupam destes trabalhos. (9)
17. Em face dos empreendedores ou dos fornecedores, o arquiteto se proíbe de receber qualquer recompensa, comissão ou doação, seja em dinheiro, seja em espécie, daquilo que estes empresários ou fornecedores tenham ou não tenham empregado nos seus trabalhos.
18. Ao arquiteto se veda igualmente inserir nas contas e orçamentos dos empreendedores qualquer cláusula limitando as despesas dele com reembolso de deslocamentos, pesquisas, etc, ou indicação de despesas gerais ou particulares, com exceção das despesas de cópias, autógrafos, expedição de contas a cargo dos empresários e isto na condição expressa de que esta cláusula figure nas contas apresentadas ou em outro documento conhecido e assinado do cliente.
19. Ele oferece ao empreendedor propostas de pagamentos ou adiantamentos, de acordo com as condições do mercado, ou na ausência dele, de acordo com o estágio da obra.
Nos trabalhos remunerados por serviço, ele fará, se não houver mais modificação dos planos, comunicação ao empreendedor acerca dos seus projetos conferidos e prontos; ele verificará e ajustará, em seguida, as reclamações dele quando eventualmente existam. (10)
Salvo no caso de missão especial do cliente, o arquiteto não se encarrega de pagamentos.
20. Se um arquiteto tiver por cliente um empreendedor ou uma sociedade de empreendedores, ele é, ainda neste caso, remunerado unicamente por seus honorários. Ele não se submete jamais à alea de ganhos e perdas que está na essência da empresa, e em contradição com o exercício da profissão liberal de arquiteto.
21. O arquiteto que se torna empreendedor ou preposto de empreendedor, medidor ou fiscal municipal, perde a qualidade de arquiteto.
Ele não a perde se for mandatário de outro arquiteto”.
notas
1
Há uma tradução parcial do texto na tese de Francisco Segnini, "A prática profissional do arquiteto", p. 10-11. Aquela que apresentamos segue de perto o conteúdo do livro citado de Guadet, que foi utilizado para resolver diversas questões do texto.
2
O renascentista Leon Battista Alberti (1404-1472), logo no início de seu tratado Da arte edificatória, afirma que “a arte edificatória, no seu todo, compõe-se de delineamento e construção” (Cap. I). Veja-se aí a distinção entre trabalho intelectual e trabalho manual. Consolidando este entendimento, o Código Guadet dirá que o arquiteto é um artista e um prático (n.1).
3
O art. 2º da lei de 1940 passou a dizer que ninguém poderia exercer a profissão de arquiteto sem (a) ser titular do diploma e (b) ter sido admitido na ordem. Mas havia uma exceção, quanto ao primeiro requisito: “A titre exceptionnel, pourront être dispensés de la production du diplôme par décision du ministre de l’éducation nationale, après avis d'une commission dont la composition sera fixée par décret en Conseil d’Etat, les constructeurs qui auront exécuté d'importantes oeuvres d'architecture”.
4
Esta definição se baseia na de Catão (repetida por Sêneca e Quintiliano, que o cita nominalmente), político romano, para o orador: “Vir bonus dicendi peritus”, definição que Cícero aplicava para os advogados. Conhecendo a tradição clássica, Guadet registra a origem da definição, que adaptou.
5
O art. 3º da lei francesa que instituiu a Ordem dos Arquitetos, de 1940, repete o mesmo texto de 1895: “La profession d'architecte est incompatible avec celle d'entrepreneur, industriel ou fournisseur de matières ou objets employés dans la construction”.
6
Guadet exige do arquiteto não só a honestidade material como aquilo que chama de “honestidade artística”. Assim, tal dispositivo trata dos direitos autorais nesta perspectiva ética. Veja-se que os casos de substituição do arquiteto são matéria da lei do CAU, art. 16/§ 2º e que está implícito no texto o princípio da inalterabilidade do projeto.
7
O entendimento do dispositivo pressupõe a distinção entre reformas e obras novas (“travaux neufs). Segundo Guadet, é a necessidade de conservação do edifício em bom estado que determina os trabalhos “d’entretien” e de “grosses réparations”, ou seja, pequenas ou grandes reformas mas estas últimas sem modificação maior do edifício. Note-se, ainda, pelo texto que os honorários - cujo montante Guadet sugere de 5% sobre a despesa real - não se confundem com a indenização de despesas nas obras novas e grandes reformas.
8
Como observa Michel Ragon, Julien Guadet exerceu a função de perito judicial perante diversos tribunais civis franceses (Histoire, p. 325). Guadet dedica ao tema das “Expertises et arbitrages” todo o Capítulo IX do Livro XVI de sua obra, aduzindo que se trata de uma “missão honrosa que exige competência e integridade”.
9
Diz Guadet que o arquiteto é o “tutor dos trabalhadores empregados nos trabalhos que ele dirige” (p. 502). Assim, embora ele não deva intervir nas questões remuneratórias, deverá velar pela segurança dos trabalhadores “contra eles mesmos e contra sua imprudência”, interditando qualquer execução que lhe pareça perigosa.
10
O item pressupõe o conhecimento das duas formas básicas de contratação e, pois, de fixação do valor dos honorários: por preço fixo (ou empreitada, “à forfait”), em bloco, e por serviço, pontual: neste caso, que é aplicado nas manutenções e reparações, o preço será fixado de acordo com o trabalho a ser executado.
referência bibliográfica
GUADET, J. Éléments et théorie de l’architecture - cours professé à l'École nationale et spéciale des beaux-arts, tome IV. 3ª ed. Paris: La construction moderne, 1909
HUET, Michel. Droit de l’architecture. 3ª ed. Paris: Economica, 2001
RAGON, Michel. Histoire de l’architecture et de l’urbanisme modernes, tomo 1. Paris: Casterman, 1991
SEGNINI JUNIOR, Francisco. A prática profissional do arquiteto em discussão. Tese de doutoramento. FAU/USP, 2002
SOCIÉTÉ CENTRALE DES ARCHITECTES FRANÇAIS. L’Architecture, journal hebdomadaire, n. 33. 17 août 1895 (versão digital em portaildocumentaire.citechaillot.fr - sítio da Cité de l'Architecture et du Patrimoine do Palais de Chaillot, em cuja biblioteca pode-se consultar todos os outros números do mesmo jornal, publicados entre 1888-1939), com as atas do Congresso de Bordeaux em que foi aprovado o documento intitulado “Les devoirs professionnels de l’architecte” (Code Guadet).
ZEVI, Bruno. Historia de la arquitectura moderna, vol. 1. Versión española de Maria Castaldi e Jesús Fernández Santos. Madrid: Taurus, 1963
sobre o autor
José Roberto Fernandes Castilho é professor do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente da FCT/Unesp.