A experiência pedagógica aqui descrita e analisada utiliza o raciocínio analógico como fundamento para exercícios de criatividade ligados a projeto arquitetônico (1). Foi aplicada por três semestres consecutivos, com estudantes do primeiro período do curso de Arquitetura e Urbanismo, na disciplina Oficina de Plástica I (90 horas-aula), cujo objetivo é estimular o processo criativo voltado para arquitetura, com enfoque na plasticidade.
O uso do raciocínio analógico foi adotado como uma ferramenta capaz de estimular e auxiliar o processo de concepção arquitetural, um dos caminhos possíveis para trabalhar com os desafios próprios do aprendizado inicial de projeto. Pensar por meio do raciocínio analógico possibilita o exercício da correspondência entre coisas ou fenômenos distintos. Assim, a escolha das fontes de correspondência para o exercício proposto, procura fugir da similitude com o universo da arquitetura, no entanto, não adentra caminhos desconhecidos, uma vez que trabalha a análise de projetos de arquitetura que, do mesmo modo, possuem outros campos disciplinares para as inferências analógicas na concepção da arquitetura. Essa escolha por fontes de domínios remotos (2) possibilita, também, o exercício do pensamento lateral, quando ocorre a abstração e surgem outras possibilidades na análise das questões, outras perspectivas de abordagem e de percepção.
Assim, o exercício realizado individualmente, consiste em estabelecer analogias entre estruturas da natureza (do reino animal, vegetal ou mineral) e um objeto com potencial arquitetural a ser projetado pelo aluno. A opção por elementos da natureza se deveu à busca de ‘objetos fonte’ que pudessem ser reconhecidos pelos alunos. A escolha do campo da biologia foi motivada pela sua capacidade de abrangência em relação a diversos pontos de análise, sejam: morfológicos, tecnológicos, funcionais, motores, reprodutivos, entre outros. Para além do objetivo final, essa experiência tem como propósito acadêmico colaborar com o desenvolvimento do raciocínio analógico como um dos caminhos possíveis na concepção projetual.
Não é definida uma função ou uso específico para tal objeto, embora ele deva ter qualidades estruturais e estéticas providas de intencionalidade (esta deve ser perceptível na proposta e no discurso justificativo do discente). Essa indefinição do uso é proposital e tem relação, primeiramente, com os conteúdos previstos na ementa da disciplina (os aspectos funcionais da arquitetura são versados posteriormente no currículo do curso). Ademais, tem-se, assim, a oportunidade de experimentar a substituição do programa arquitetônico definido por uma abordagem relacional do espaço, ou seja, baseada nas relações espaciais e espaço-temporais, e nas ocorrências imprevisíveis no espaço-tempo (3).
Adota-se Chupin (4) como referencial teórico e metodológico. Propõe-se utilizar a analogia dedutiva de sua classificação, equivalente à teoria do mapeamento estrutural de Gentner (5), ou seja: implementam-se correspondências entre as leis que regem os domínios da fonte e do alvo, para inferir as analogias entre seus fatos, transferindo-se ao domínio desconhecido (o processo projetual a ser desenvolvido pelo estudante) as características do domínio conhecido (o elemento da natureza eleito), com as necessárias adaptações. No entanto, é comum, durante a experiência, alguns alunos incidirem na analogia indutiva, que equivale à teoria da abstração de esquemas: mapeiam estrategicamente certas qualidades individuais da fonte (fatos) por perceberem que elas serão propensas ao alcance dos objetivos pretendidos pela analogia, inferindo as leis a partir dos fatos. Essas variações metodológicas são acolhidas, com o intuito de tornar o exercício menos restritivo, mais receptivo às adaptações demandadas pelos estudantes, acreditando-se que, dessa forma, facilita-se o desenvolvimento do raciocínio analógico e, consequentemente, o aprendizado.
A atividade procura realizar analogias estruturais (6). É natural e pertinente que as resoluções de problemas de projeto sejam vinculadas ao estabelecimento de uma forma, mas os alunos são orientados a não se limitar a analogias meramente formais, devendo explorar as várias possibilidades analógicas que possam contribuir para um bom resultado projetual. Por se tratarem fonte e alvo de domínios distintos e distantes – uma estrutura do reino animal, vegetal ou mineral frente a uma questão de projeto arquitetônico – a analogia classifica-se, quanto ao domínio, como de domínio remoto (7).
Assim, o método tenta fazer uso dos conhecimentos prévios do estudante sobre outros domínios, para ajudá-lo a entender e solucionar o projeto. Como, no primeiro semestre de curso, o aluno ainda não tem experiência na concepção arquitetural, nem repertório suficiente para alimentar as possibilidades projetuais, o fato de escolher um elemento da natureza, estudar suas características e transportá-las de maneira adaptada para o objeto arquitetônico a ser projetado funciona como uma mediação, capaz de fazer a conexão entre a análise e a proposta, e entre o conhecido e o desconhecido. Promove-se também a participação ativa do estudante na formulação do problema, pois toda a operação analógica baseia-se em uma fonte selecionada por ele, com a orientação docente. Objetiva-se, sobretudo, extrapolar a explanação teórica e analítica, e adentrar o âmbito propositivo, operativo, onde as ideias se materializam em propostas concretas, através de um fazer reflexivo, no sentido dado por Schön (8).
Importa destacar a relevância da orientação continuada do professor em todas as etapas do exercício, para garantir seu êxito. A literatura sobre analogia recorrentemente menciona as complicações de sua utilização por iniciantes ou estudantes, que teriam dificuldades para reconhecer como novos problemas podem ser apreendidos em relação a problemas anteriores (9). Bianchi (10) demonstra que, em sua pesquisa, parte significativa dos professores entrevistados que utilizam a analogia no ensino de arquitetura consideram-na um método de difícil aplicação pelos alunos. Alguns autores alegam que os indivíduos inexperientes tendem a estabelecer analogias superficiais, baseadas nos recursos mais acessíveis das fontes, o que propiciaria soluções mal sucedidas (11).
Por outro lado, estudiosos do tema comprovam as vantagens e a eficácia do raciocínio analógico para principiantes. “[...] O uso da analogia, principalmente pelos novatos, contribui para a aprendizagem de novos conceitos abstratos e para a ampliação e aplicação dos conhecimentos adquiridos anteriormente” (12). Casakin (13) e Goldschmidt (14) apresentam estudos comprobatórios de que as instruções e orientações aos iniciantes sobre como usar a analogia constituem um diferencial favorável a seu desempenho. Pesquisas sobre aplicação da analogia visual no ensino de projeto arquitetônico também comprovam empiricamente que, na maioria dos casos, as soluções de sucesso são alcançadas quando há instruções sobre o uso da analogia (15).
Assim, a orientação docente é imprescindível nesta experiência, e se faz tão mais importante, na medida em que a analogia (principalmente nas fases de seleção da fonte e de mapeamento, mas também na transferência) pressupõe um conhecimento explícito ou implícito daquele que a realiza sobre os seus propósitos (suas etapas envolvem escolhas, e estas presumem consciência), e uma certa previsão sobre as leis que regem as estruturas e relações do alvo. É papel do professor ajudar o aluno a compreender os objetivos da analogia que irá implementar e a explorar apropriadamente cada etapa analógica, tirando partido de suas potencialidades cognitivas e operativas, no que se refere à apreensão e construção do projeto arquitetônico.
Início da atividade – a importância do saber ver no pensamento analógico
A capacidade de saber ver, entendida como a conjunção das habilidades de observação, percepção e abstração, é essencial para que se possa explorar todo o potencial do raciocínio analógico. Esse saber ver utiliza e desenvolve o pensamento lateral, revelando novas perspectivas para enxergar um problema e novos caminhos para chegar a soluções. Por isso, o exercício analógico é introduzido para os estudantes com a apresentação do o texto “A Complicada Arte de Ver”, de Rubem Alves, e da poesia “Ode à Cebola”, de Neruda.
“Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física... Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver” (16).
Alves narra o caso de uma dona de casa que acha estar louca, pois, ao cortar cebolas, pimentões e tomates, não mais vê legumes, e sim a beleza de seus anéis, de suas sementes, de suas formas. Seu analista a acalma com o diagnóstico: “essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas”, e lhe apresenta a “Ode à Cebola”:
“Cebola
Luminosa redoma
pétala a pétala
cresceu a tua formosura
escamas de cristal te acrescentaram
e no segredo da terra escura
se foi arredondando o teu ventre de orvalho” (17).
Ambos os textos são lidos e discutidos com a turma, com o intuito de provocar os alunos, instigá-los a cultivar o olhar curioso, poético, não convencional e invulgar sobre as coisas. Esse também é um momento de descontração, que aproxima estudantes e professora, e de expectativa, que desperta o interesse e curiosidade discente pelo universo da arte e da poesia, e pela atividade que sobrevirá.
Desenvolvimento da analogia – referências das estruturas da natureza
Em seguida, ocorrem aulas expositivas com uma fundamentação teórica sobre o pensamento analógico e sobre seu potencial de uso junto ao processo de concepção projetual. São também analisados trabalhos de arquitetura e de artes visuais concebidos através de processos analógicos. É proposto, então, o exercício: com base no conteúdo estudado, o aluno deve escolher um elemento da natureza, do reino mineral, vegetal ou animal, para, utilizando-o como fonte, estabelecer uma operação analógica com um objeto com potencial arquitetural a ser concebido.
Para a seleção da fonte, explora-se amplamente, com o acompanhamento docente, várias estruturas da natureza – pesquisas bibliográficas, visuais, observações empíricas, informações de caráter mais técnico, enfim, o que se possa encontrar sobre seu funcionamento e propriedades. Incentiva-se, nessa etapa, a realização de croquis sobre esses estudos, utilizando o desenho como instrumento analítico, pois acredita-se que o ato de desenhar aprofunda a capacidade de observação e de percepção sobre o objeto representado.
Uma vez eleito o elemento fonte, passa-se à fase de mapeamento, onde as investigações prosseguem e se aprofundam, agora com foco apenas sobre as características da fonte específica. O estudante deve, novamente aproveitando o caráter analítico da representação gráfica, elaborar esboços, esquemas e diagramas, com o objetivo de conhecer a fonte, percebê-la em seu meio, relacionar suas partes ao todo, desvendar suas qualidades intrínsecas, examinar suas texturas, a trajetória de seu movimento ou crescimento (no caso de animais e vegetais), suas peculiaridades, etc. Essa sondagem origina o inventário dos predicados da fonte, do qual devem ser selecionados os três atributos considerados mais pertinentes para o estabelecimento das correspondências com o projeto a ser concebido (o alvo). Os critérios para essa escolha passam pela avaliação das diretrizes que tais atributos podem gerar para o processo projetual. Dada a falta de experiência e desconhecimento do alunato quanto à projetação, cabe à professora um auxílio pormenorizado na construção desses critérios. Uma aluna, por exemplo, que elegera como fonte uma estrela-do-mar, queria, a princípio, selecionar sua forma e textura, para fazer a analogia com seu projeto. Com a orientação docente para que seguisse com a pesquisa, buscando arrolar outras propriedades menos visíveis e com mais possibilidades analógicas frente ao objeto arquitetônico, a estudante aumentou o rol de qualidades inventariado, terminando por escolher: a capacidade de regeneração da estrela-do-mar, a reprodução assexuada por fragmentação e a flexibilidade. No fim, as adaptações da etapa da transferência foram falhas, e a proposta permaneceu bastante fixada na correspondência formal, tendo sido avaliada como fraca e pouco expressiva. Ainda assim, seu objeto arquitetônico foi influenciado por aquelas novas características: era fragmentado, composto por vários elementos isolados, alguns deles seccionados, remetendo ao rompimento e multiplicação presentes na regeneração e na forma de reprodução.
Os três predicados escolhidos são enfim transferidos, com adaptações e abstrações, para o novo domínio, o do objeto arquitetural (18). Eles fazem a mediação entre fonte e alvo, norteando as opções projetuais do estudante. Principia-se, então, a materialização do projeto, o delineamento de um partido com organização formal e espacial (obviamente, com as restrições impostas pela natureza da atividade, pelo estágio incipiente de aprendizado dos alunos e pelo conteúdo programático da disciplina).
O acompanhamento próximo e constante da professora permite-lhe avaliar de forma continuada os ajustes e abstrações que os estudantes realizam nas três propriedades eleitas, tendo em vista o projeto que vão desenvolver. Assim, se necessário, pode sugerir correções ou redirecionamentos imediatos, durante o processo decisório dos alunos, para evitar a consolidação de alternativas equivocadas e garantir uma transferência bem sucedida. Trata-se de um “refletir na ação” que aproxima o saber e o saber fazer, permite aperfeiçoar a ação no instante em que ela é realizada, e garante melhores desempenhos, como explica Schön (19).
Concepção projetual – avaliação dos resultados
Na primeira aplicação da experiência, percebeu-se uma especial dificuldade da turma na parte final da transferência. Mesmo com fontes pertinentes, atributos bem selecionados e diretrizes definidas a partir de adaptações bem direcionadas, os alunos não conseguiam materializar satisfatoriamente uma proposta projetual. Tendiam a somente racionalizar a forma do elemento da natureza escolhido, fugindo aos propósitos da atividade. Diagnosticou-se que esse era o resultado de sua falta de prática na execução de arranjos formais. Sem terem desenvolvido a habilidade de manipular a forma, escolhiam o caminho mais fácil: repetir de maneira estilizada ou simplificada as formas apresentadas nos elementos fontes. Para suprir essa falha, o exercício incorporou aulas sobre os métodos de organizações espaciais e princípios de ordem propostos por Ching (20), as sistematizações sobre a análise da forma feitas por Baker (21) e os estudos de percepção visual de Arheim (22), abordando a sintaxe e a semântica da forma e os princípios de composição. Esse conteúdo teórico-prático passou a ser estudado, exemplificado e aplicado de modo geral, com toda a turma, e também de maneira direcionada aos trabalhos específicos em desenvolvimento. Para provocar a reflexão e a criatividade dirigida, são suscitadas questões como: que princípios compositivos podem ser utilizados para representar algo dinâmico, em movimento? Ou ainda: que arranjos são apropriados para expressar ritmo, ou equilíbrio? Assim, os estudantes percebem que as organizações e combinações formais não devem ser aleatórias, mas reveladoras de significados e intenções, mantendo coerência com o caminho analógico seguido.
Durante a concepção projetual, é incentivado o uso dos croquis, para registrar de forma rápida e sintética o pensamento criativo, e de estudos volumétricos – modelagens simples feitas com massa, sabão em barra, papel cartão, etc., para facilitar a visualização das propostas. Ambos são considerados ferramentas do fazer-reflexivo, promovedoras da reflexão e análise sobre a qualidade das ideias em curso.
Aulas específicas dão aporte técnico ao desenvolvimento dos trabalhos, como oficinas sobre técnicas de confecção de maquetes e sobre o uso do programa computacional Corel-draw, para capacitar os alunos, respectivamente, para a elaboração de modelos físicos e para montagens fotográficas posteriormente demandadas. As técnicas de visualização espacial e de projeções ortogonais ficam a cargo da disciplina Geometria Descritiva, simultânea a oficina de Plástica I.
No final, os trabalhos são entregues em painéis A3 ou slides de PowerPoint, onde são organizadas todas as informações iconográficas e textuais: sucinto texto de defesa da proposta projetual, com justificativa da fonte analógica e das três qualidades escolhidas; memória do processo de concepção, com ilustrações; desenhos técnicos (vistas superior e laterais) e fotos da maquete do objeto projetado; e montagem fotográfica do modelo inserido em um contexto urbano, sugerindo uma escala e possíveis usos (a montagem visa explorar e ilustrar o potencial arquitetural da proposta). O estudo da escala do objeto é trabalhado de maneira relacional, apreende-se a escala pela relação entre os elementos do contexto escolhido como cenário de inserção do objeto. Assim, por meio da relação com as pessoas, a vegetação e o mobiliário torna-se possível refletir e trabalhar conhecimentos de proporção, escala, distância, perspectiva, visualização espacial, ângulo solar etc.
Os modelos físicos são esquemáticos e também são entregues junto aos painéis. Os autores apresentam e defendem oralmente seus trabalhos perante a turma, e em seguida há um debate. Na avaliação, busca-se valorizar todo o processo, e não apenas o produto final.
Como exemplo em que se considera que a analogia foi bem sucedida, com resultados positivamente avaliados, tem-se o trabalho da aluna que optou pelo jacaré como fonte. As propriedades escolhidas para transferência foram as seguintes: o movimento da mandíbula; a textura áspera; e o seu estado de semi-submersão, quando fica apenas com olhos e narinas aparecendo sobre a água. Na transferência para o projeto, a agressividade da mordida do animal foi representada na repetição de angustiantes pórticos desencontrados, angulados e pontiagudos. A semi-submersão traduziu-se na expectativa gerada pela gradação dos pórticos, que levam a um prisma quase quadrangular, escuro, onde se entrevê uma única abertura – uma espécie de caixa-preta, onde predomina a clausura. Além disso, como um contraponto, um piso claro bem polido reflete os volumes negros, fazendo parecer que o edifício representado emerge de uma superfície fluida. A textura foi transportada para fragmentos triangulares, negros, hostis, também com fortes angulações e pontas afiadas, presentes em alto-relevo no revestimento do prisma. Ponderou-se que a evolução da analogia resultou em uma proposta com potencial arquitetural bastante consistente, onde a ferocidade do animal sugeriu a linguagem formal, que explora as ideias de fragmentação e desconstrução, e a configuração espacial, que transmite sensações como medo, angústia e apreensão.
Outro bom resultado adveio do análogo fonte poríferos (esponjas do mar). A estudante, por motivos peculiares, optou pelos atributos atração, abrigo e prisão:
“Espécies desse tipo de esponja apresentam uma relação interessante com pequenos camarões. Um macho e uma fêmea desses camarões entram no corpo dessas esponjas, quando ainda jovens, e ali permanecem, aproveitando-se do alimento trazido com a água. Com o tempo, eles crescem e não conseguem mais sair. Em alguns países, o esqueleto vítreo desses animais é presenteado a casais como sinal de amor eterno. Tomando como inspiração a relação entre o porífero e os camarões, tentei criar um objeto com potencial arquitetural que passasse a ideia de atração, abrigo e prisão. Remetendo à porosidade do porífero, fiz com arame um emaranhado de linhas. Tal emaranhado também deve passar a ideia de prisão. Para dar a noção de atração, esse emaranhado criou um caminho curvo, para despertar a curiosidade do que estaria por dentro dessa curva. Por fim, para dar a ideia de abrigo e intensificar a ideia de prisão, coloquei nesse emaranhado alguns cubos que abrigam, com acessos diferentes e difíceis” (23).
Embora a aluna não mencione em seu discurso, a atração também se faz presente na maneira como os oito esbeltos postes que configuram a instalação proposta são ligados e travejados pelo emaranhado de fios. O trabalho chega a um arranjo espacial e estrutural ousado, com alta pregnância, e tem o mérito de trabalhar com sutileza o paradoxo de conceitos aproximados e concomitantemente diferentes – prisão, abrigo e atração.
O caso em que foi utilizada a concha como fonte demonstra como a orientação continuada do docente pode reverter um processo analógico problemático. As características eleitas foram o abrigo, a dobradiça da concha e sua forma em leque. Inicialmente, a estudante não lograva adaptar esses predicados para seu projeto, demonstrando dificuldade em abstrair-se do contexto e da forma original da fonte. Assim, não conseguia realizar adequadamente a transferência. Com a ajuda da professora e disposição para o trabalho investigativo e crítico, ela superou os obstáculos, e seu resultado surpreendeu. Propôs um equipamento dotado de pregnância, flexível, dinâmico e versátil, composto por estruturas móveis presas a um eixo central, cada uma com movimentos independentes, podendo ser colocadas em uma infinidade de posições (relação com a dobra/dobradiça e com a forma em leque). Assim, o objeto pode se apresentar com diversas conformações, relativizando a função de abrigo, de acordo com o arranjo assumido, se mais ou menos encerrado. Ademais, a solução demonstra domínio da relação estrutural das partes com o todo e da tectônica.
Outros exemplos, como a analogia com a arraia, o tubarão e a borboleta, procuram explorar movimento, ritmo e morfologia. A autora do exercício que utilizou como elemento análogo-fonte a arraia, ao fazer o mapeamento estrutural, transportou para o seu objeto-alvo as seguintes características: o movimento parabólico, a superfície achatada e o salto. A ideia do animal e das características escolhidas para a transferência foi promissora, no entanto, a superfície parabólica explorada no projeto necessitaria de uma maior investigação quanto aos seus aspectos tectônicos, estrutura de sustentação e materiais de execução. A proposta demonstrou grande potencial arquitetural a ser explorado.
O trabalho que explorou o tubarão como elemento análogo-fonte apreendeu alguns aspectos da agressividade do animal em sua morfologia, procurando desenvolver um elemento estrutural com pontas, como uma foice, que ao se repetir em sentidos opostos, adquiriu dinâmica, continuidade e fluidez .
O exercício com a borboleta transportou as seguintes características: a forma da asa, o abrir e fechar das asas, e o movimento circular do vôo. A ideia inicial, assim como as características apontadas para a transferência foram adequadas. Assim como o exemplo do tubarão, o trabalho revelou mecanismos operatórios como modulação (em escalas variadas), repetição e ritmo. Com isso, conseguiu imprimir ideia de movimento, fluxo, trajetória e dinamismo, embora lhe tenha faltado uma investigação mais aprofundada, que poderia ter levado a resultados mais inovadores.
O exemplo que utilizou como elemento análogo-fonte o olho humano trabalhou o movimento do olhar, a proteção das pálpebras, o foco cônico e o reflexo da imagem observada. Um dos méritos do trabalho foi a investigação formal/estrutural do tema, por meio do croqui. A exploração do foco cônico prevaleceu na estrutura do trabalho, embora a intenção de movimento e reflexo tenha sua contribuição ao executar um sistema móvel, que revela um círculo espelhado ao centro, refletindo o próprio olhar do observador e conferindo a característica interativa da proposta. A base elíptica, fazendo alusão à forma do olho, foi julgada excessiva, pois o trabalho já possuía relações estreitas com o elemento fonte.
A experiência revelou-se satisfatória em seus propósitos didáticos e pedagógicos. Os resultados alcançados demonstram que o uso do pensamento analógico tem contribuição efetiva na facilitação e incremento do processo de concepção arquitetural em alunos iniciantes. O caráter transdisciplinar da analogia facilita o aprendizado, aumenta as possibilidades projetuais e incentiva o pensamento lateral do aluno, para além dos objetivos específicos do exercício.
Considerações finais
Após algumas repetições da experiência, pode-se afirmar que o uso da analogia em exercícios de criatividade para projetação arquitetônica, desenvolvidos por alunos iniciantes, mostra-se uma estratégia eficiente para facilitar o aprendizado. O raciocínio analógico é um caminho facilitador para o ensino introdutório de projeto, na medida em que instrumentaliza o estudante, a partir de seus conhecimentos e experiências prévias sobre domínios que lhe são mais familiares, para que ele possa melhor compreender o domínio que lhe é desconhecido – no caso, o do processo projetual. E cabe destacar que a analogia age simultaneamente nas esferas cognitiva e operativa, teórica e prática, reflexiva e propositiva, constituindo-se uma maneira de “reflexão na ação”.
No método analógico, não se parte do papel em branco ou de uma proposta unilateral vinda do professor. O aluno seleciona a fonte do raciocínio, o ponto de partida para o estabelecimento das correlações, o que faz com que ele também participe da formulação do problema, seja sujeito ativo da construção da problemática. Essa é uma vantagem que o auxilia a compreender os propósitos da atividade desenvolvida, e a reconhecer e interpretar a questão projetual que se apresenta.
O processo criativo pela analogia segue a lógica construtivista de uma atividade mental autoestruturante: estabelecer relações, generalizar, descontextualizar e atuar de maneira autônoma (24). Sendo assim, contribui para que o estudante aprenda a ser autônomo no pensar, decidir e agir, constituindo-se como sujeito ativo de seu aprendizado. O professor também tem papel ativo no processo analógico, no sentido em que fala Silva (25), pois não se limita ao ensino reativo, restrito às orientações ou correções das propostas discentes, mas constrói previamente, e com a participação do aluno, a problemática inicial do raciocínio e da operação analógica.
Sem que se negue a necessidade de uma análise de cunho epistemológico sobre o projeto de arquitetura e sobre o seu ensino, a adoção de modelos ou de fontes de referências de outros domínios do saber para o processo projetual pode abrir-lhe espaço para uma abordagem transdisciplinar, que relacione estruturas cognitivas de diversos campos. Rheingantz (26) avisa que não esperemos encontrar as respostas para a crise do ensino de projeto de arquitetura na própria disciplina, mas que busquemo-las em outras fontes – especialmente na pedagogia e na teoria do conhecimento.
“Diversas teorias arquitetônicas fazem analogias à forma tecnológica de operar de seu momento histórico, como: a metáfora da máquina na arquitetura moderna, as interpretações da cidade como um organismo, a lógica mecânica presente nas arquiteturas panópticas, a transposição da lógica da cibernética para os sistemas cognitivos, entre outras. Desse modo compreende-se que o conhecimento deve ser sempre transdisciplinar, rompendo as barreiras dos campos do conhecimento, já que o objeto de análise não é autônomo ou independente, mas se configura a partir de relações com diversos campos do saber, não pode ser reduzido, mas abordado em sua complexidade” (27).
A construção do conhecimento sobre os meandros dos processos criativos da arquitetura não precisa limitar-se ao seu campo, e pode ir buscar respostas inclusive nas estruturas da natureza.
Por fim, dados os escassos registros descritivos e analíticos sobre procedimentos analógicos aplicados no campo do ensino da arquitetura (ainda que eles ocorram significativamente), é no sentido de ajudar a suprir tal lacuna que este trabalho procura dar sua contribuição. Perscrutar como vêm sendo aplicados o raciocínio e os procedimentos analógicos nos ateliers de projeto de arquitetura pode revelar-se útil para reflexões e experiências futuras, apontar ou consolidar caminhos metodológicos, e assim contribuir para o debate e melhoria do ensino de projeto contemporâneo.
notas
NA – Versão baseada no artigo A analogia como facilitadora do processo de concepção para alunos iniciantes de projeto arquitetônico, originalmente publicado nos Anais do VI Projetar – O projeto como instrumento para a materialização da arquitetura: Ensino, pesquisa e prática. Salvador: FAUFBA, 2013. INSS: 2237-5007 (CD-ROM).
1
Sobre referências teóricas para o uso do raciocínio analógico ver PANET BARROS, Amélia de Farias; ANDRADE, Patrícia Alonso de. Uso do raciocínio analógico na concepção projetual em ensino introdutório de projeto arquitetônico. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 180.01, Vitruvius, maio 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.180/5551>.
2
CASAKIN, Hernan. Visual Analogy as a Cognitive Strategy in the Design Process: Expert versus novice performance. The Journal of Design Research, [S.l.], v. 4, ed. 2, 2004.
3
Sobre esse tema, Sperling estuda como Bernard Tschumi desloca a visão da arquitetura segundo o binômio forma-função para a relação espaço-evento (tendo o evento o caráter de imprevisibilidade). SPERLING, David. Espaço e Evento: Considerações críticas sobre a arquitetura contemporânea. Tese de doutorado. São Paulo, FAU-USP, 2008.
4
CHUPIN, Jean-Pierre. Pour une Analogique du Projet en Situation Pédagogique. [S.l.;s.n.], École d'architecture, Faculté de l'aménagement, Université de Montréal ; CHUPIN, Jean Pierre. L´Analogie ou les Écarts de Genèse du Projet D´Architecture. Genesis – Revue internationale de critique génétique, [S.l.], CCA, n. 14, 2000 ; CHUPIN, Jean Pierre. La Mariée Mise à Nu… (à propos de l’enseignabilité des modèles de la conception). In: BORILLO, Mario; GOULETTE, Jean-Pierre (Org.). Cognition et Création: Explorations cognitives des processus de conception. Bruxelles, Mardaga, 2002. cap. 3, p. 65-95 ; CHUPIN, Jean Pierre. In MARQUES, Sônia; LARA, Fernando. (org.). Projetar: desafios e conquistas da pesquisa e do ensino de projeto. Rio de Janeiro: EVC, 2003, p. 11-31.
5
GENTNER, Dedre. Structure-mapping: A theoretical framework for analogy. Cognitive Science, [S.l.], n.7, p. 155-170, 1983.
6
Gentner, Rips, Smith e Vosniadou (1983; 1989; 1990; 1989 apud CASAKIN, Hernan. Visual Analogy as a Cognitive Strategy in the Design Process: Expert versus novice performance. The Journal of Design Research, [S.l.], v. 4, ed. 2, 2004) dividem as analogias em superficiais e profundas (estruturais). As primeiras, mais fáceis de serem aplicadas, envolvem correspondências superficiais, rapidamente perceptíveis entre fonte e alvo. Já as analogias estruturais, que garantem melhores resultados, são mais profundas, referem-se a propriedades, elementos ou relações constitutivas da situação conhecida, inerentes a ela. Goldschmidt (2001, p. 201-202) recomenda cautela para determinar que propriedades de um problema são estruturais ou superficiais, o que pode variar conforme o caso. A autora exemplifica que, na analogia visual, tem-se a transferência de características aparentemente superficiais, como modelo e forma, que são, na verdade nucleares para a situação.
7
Quanto ao domínio, podem-se classificar as analogias em: de domínios próximos – casos em que fonte e alvo pertencem ao mesmo domínio ou a domínios semelhantes; e de domínios remotos – quando fonte e alvo pertencem a domínios diferentes e distantes, abrangendo conhecimentos distintos. Logo, tem-se por senso comum que a primeira é de aplicação mais fácil que a segunda (CASAKIN, Hernan. Op. cit.).
8
SCHÖN, Donald. Educando o Profissional Reflexivo: Um novo design para o ensino e a aprendizagem. Tradução de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre, Artes Médicas Sul, 2000.
9
GICK; Mary, HOLYOAK, Keith, 1980; NEEDHAM, Douglas, BEGG, Ian, 1981; PHYE, Gary, 1989. Apud CASAKIN, Hernan. Op. cit.
BIANCHI, Giovana. Métodos para Estímulo à Criatividade e Sua Aplicação em Arquitetura. Campinas: [s.n.], 2008. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, 2008.
CASAKIN, Hernan, 2007. Apud BIANCHI, Giovana. Op. cit., p. 76.
HOLYOAK; Keith, THAGARD, Paul, 1996. Apud BIANCHI, Giovana. Op. cit., p. 74-75.
10
BIANCHI, Giovana. Op. cit., p. 74-75.
11
NOVICK, 1988; GENTNER, 1989; HOLYOAK; THAGARD, 1989; KEANE, 1988. Apud CASAKIN, Hernan. Op. cit.
12
GENTNER; MEDINA, 1998. Apud GOLDSCHMIDT, Gabriela. A strategy for design reasoning and learning. In: EASTMAN, Charles; MACCRACKEN, Mike; NEWSTETTER, Wendy (Org.). Design Knowing and Learning: Cognition in design education. Oxford, Elsevier Science Ltd, 2001. cap. 9, p. 202.
13
CASAKIN, Hernan. Op. cit.
Casakin, em pesquisa que pretendia comparar os resultados qualitativos e quantitativos da utilização da analogia visual no processo projetual de arquitetos veteranos versus estudantes, concluiu, contrariamente ao que esperava, que os alunos foram capazes de gerar analogias bem sucedidas, inclusive entre domínios remotos. O autor considera que ter feito uso de instruções explícitas e da exposição de amostras visuais, para ajudar no estabelecimento da analogia, certamente contribuiu para o resultado positivo.
14
GOLDSCHMIDT, Gabriela. Op. cit.
15
VERSTIJNEN, Ilse, 1999; CASAKIN, Hernan; GOLDSCHMIDT, Gabriela, 1999, 2000; CASAKIN, 2002. Apud CASAKIN, Hernan. Op. cit.
BIANCHI, Giovana. Op. cit., p. 61.
16
ALVES, Rubem. A complicada arte de ver. Folha de São Paulo, São Paulo, 26/10/2004. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u947.shtml>. Acesso em 17 jun. 2013.
17
NERUDA, Pablo. Ode à Cebola. In: Antologia de Pablo Neruda. Tradução de José Bento. [S.l.]: Editora Inova, 1998.
18
Por vezes, os alunos terminam por não utilizar, em suas propostas projetuais, as três propriedades selecionadas, pois uma ou duas se tornam preponderantes a ponto de encobrir as demais. Isso não é considerado negativo, desde que a(s) característica(s) prevalente(s) seja(m) pertinente(s) e bem adaptada(s) ao domínio do projeto.
19
SCHÖN, Donald. Op. cit.
20
CHING, Francis. Arquitetura, forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes, 2005.
21
BAKER, Geoffrey. Analisis de la forma. Barcelona, Gustavo Gili, 2005.
22
ARHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo, Livraria Pioneira Edusp, 1980.
23
Trecho da defesa do trabalho. CUNHA, Raissa, 2009.
24
CARSALADE, Flavio. In MARQUES, Sonia; LARA, Fernando (org.). Op. cit., p. 154-155.
25
SILVA, Elvan in COMAS, Carlos Eduardo. (org.). Projeto arquitetônico, disciplina em crise, disciplina em renovação. São Paulo, Editora Projeto, 1986, p. 26-27.
26
RHEINGANTZ. Paulo Afonso. Por uma Arquitetura da Autonomia: Bases para renovar a pedagogia do Atelier de Projeto de Arquitetura. Arqtexto: revista do PROPAR/FA-UFRGS, Porto Alegre, ano IV, n. 1, p. 42-67, 2005. Versão revisada do artigo Arquitetura da Autonomia: bases pedagógicas para a renovação do atelier de projeto de arquitetura, originalmente publicado no livro Projetar: Desafios e conquistas da pesquisa e do ensino de projeto, organizado por Fernando Lara e Sonia Marques: Rio de Janeiro: EVC, 2003, p. 108-129. Disponível em: <www.fau.ufrj.br/prolugar/arq_pdf/diversos /arqtexto6_arquit_autonomia.pdf>. Acesso em 14 jun 2013.
27
VIANA, Lídia Quièto; RHEINGANTZ, Paulo Afonso. A. Processo de projeto na atualidade: uma reflexão sobre o lugar em ação. In: V Projetar 2011 – processos de projeto: teorias e práticas, 2011, Belo Horizonte. Anais do V Projetar – processos de projeto: teorias e práticas. Belo Horizonte: PRJ/EA/UFMG, 2011. 1 CD-ROM.
sobre as autoras
Amélia de Farias Panet Barros é arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB (1988), mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, Brasil (1998), e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2013). É professora adjunta do Departamento de Arquitetura da UFPB.
Patrícia Alonso de Andrade é arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB (1997), mestre em Diseño de Interiores pela Universidad de Salamanca – España (1999), professora assistente do Departamento de Arquitetura da UFPB.