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architexts ISSN 1809-6298

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O presente texto aborda algumas das teorias de urbanização mais difundidas a partir da década de 1960, quando o movimento moderno já tinha um percurso que podia ser avaliado, questionado e criticado.


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PESSOA, Denise Falcão. Desafios do desenho urbano para a cidade contemporânea. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 192.06, Vitruvius, maio 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.192/6063>.

Alexanderplatz, Berlim
Foto da autora

Dada a grande pluralidade das metrópoles, existe uma dificuldade para compreendê-las como um todo, identificar os fatores que causam degradação de algumas áreas, concomitantemente ao florescimento de outras. Somada a essa dificuldade, há também uma demanda para que a cidade contemporânea seja pujante e ofereça qualidade nos espaços públicos, reduza os tempos de deslocamento e seja acessível a pessoas com mobilidade reduzida. Projetos de desenho urbano deveriam contemplar essas expectativas. Testemunha-se, hoje, o ocaso do espaço público nas cidades brasileiras e o enfraquecimento do bem estar social, dos mecanismos de reivindicação da população etc. Por outro lado, a iniciativa privada promove lugares coletivos segregados como condomínios fechados, áreas de lazer privadas e shopping centers, onde não há espaço para a diversidade social. Ao mesmo tempo, privilegia-se o transporte individual em detrimento do coletivo. Asher assim descreve esse cenário:

O desenvolvimento dos meios de transporte oferece novas possibilidades de escolha das localizações residenciais, provocando agrupamentos de população em bases que podem ameaçar a coesão social urbana. Assiste-se, assim, em certos países, à formação de bairros privados cercados de muros. Essas tendências à fragmentação social e ao fechamento espacial se somam à tentação de ruptura do pacto social e dos vínculos de solidariedade local e nacional (1).

Motivado pelo medo e crescimento da violência urbana, espaços enclausurados vão sendo construídos em muitas cidades em todo o planeta. Ainda que bairros privados sejam do agrado de muitos, haja vista o sucesso de vendas que esses empreendimentos atingem − o mercado imobiliário não investiria nesse modelo não fosse o êxito comercial −, a consequência desses locais é o desencorajamento de atividades e do movimento de pessoas nas ruas que os cercam, empobrecendo assim a vitalidade urbana.

Outro fator que aponta para a necessidade de se repensar as cidades é o fato de que, até um passado recente, uma vasta gama de atividades do âmbito da residência passaram a acontecer em locais públicos ou de uso coletivo. O principal local onde ocorriam nascimentos, festejos, tratamento para enfermidades, alimentação, encontros sociais, lazer, morte, velórios, até meados do século 20, era a casa. Gradativamente, essas funções foram deixando de ocorrer no âmbito da residência e passando a acontecer em vários locais da cidade como hospitais, restaurantes, lugares de eventos, centros de compra e velórios públicos. A cidade do século 21 precisa estar preparada para atender às necessidades dos seus cidadãos. Mobilidade e acessibilidade são hoje essenciais para que se tenha uma vida plena. É fundamental que o urbanista compreenda a cidade onde irá atuar, desenvolva um espírito crítico e esteja apto a elaborar um desenho urbano eficiente para as demandas da sociedade contemporânea. Nessa linha, o presente estudo tem por objetivo discutir parâmetros para compreender o sítio urbano e o espírito do lugar, o dito genius loci, e formar senso crítico frente ao espaço urbano analisado estabelecendo critérios para um desenho urbano de qualidade.

Algumas das teorias mais difundidas no ensino de desenho urbano

Na década de 1960, vários trabalhos são publicados, mostrando a preocupação com as cidades existentes, buscando traçar princípios para propostas de intervenção. A hegemonia da arquitetura e urbanismo modernos, enunciados nos CIAMs (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, 1928-1956), passa a ser colocada em questão. Nesse momento, urbanistas criticam o Movimento Moderno e debatem a questão urbana no sentido de traçar princípios e diretrizes. A cidade teorizada na Carta de Atenas (1933) – baseada nas quatro funções da cidade: habitação, trabalho, lazer e circulação – começa a ser colocada em cheque. A partir dessa década, vários estudos são desenvolvidos com o intuito de estabelecer novas diretrizes para o planejamento das cidades.

Kevin Lynch (2) escreveu vários livros tratando da forma urbana, como Site Planning e A Boa Forma da Cidade. Publica, em 1960, o livro A Imagem da Cidade no qual elabora uma teoria baseada em entrevistas com pessoas de três cidades americanas: Los Angeles, Boston e Jersey City. Nesse estudo, procura os elementos-chave através dos quais indivíduos formam a imagem da cidade. Segundo Lynch, a cidade é o símbolo da sociedade e deve representar seu passado, seu modo de vida e objetivos. Uma imagem nítida tem um importante papel social, dando a seus habitantes segurança emocional, elevando a intensidade da experiência humana. Segundo Lynch, a qualidade do ambiente urbano está diretamente ligada à sua clareza. As principais características de uma cidade devem ser aquelas que ajudam as pessoas a se orientar e, ainda mais importante, o cidadão deve sentir que está num lugar único, nunca o confundindo com outro. Isso não quer dizer que o desenho deva ser óbvio, regular, repetitivo. Ao contrário. O mistério, a surpresa são sinais de qualidade. Os usuários devem sentir-se num espaço único e ter um sentido de orientação. Se o espaço tem características fortes, ele será reconhecido por sua descrição.

No estudo de Lynch, as entrevistas apontam cinco elementos principais. São eles, na ordem de importância: caminhos (ruas, avenidas, canais, rios), limites (barreiras e elementos lineares como muros e orlas), distritos (setores da cidade relacionados com outras áreas), pontos nodais (junções de dois ou mais caminhos) e marcos (pontos focais como obeliscos, esculturas, elementos naturais, mais eficientes quando vistos a distância). A estrutura da cidade é formada pelas avenidas, ruas, caminhos hierarquizados. Eles são os principais elementos da forma urbana, pois as pessoas os utilizam para se deslocar. Sua eficiência imagética aumenta à medida que estão relacionadas com outros elementos como pontos nodais ou marcos. O mesmo é verdade quando ocorre a inter-relação dos outros elementos. Quanto melhor os elementos se relacionem, mais apurada é a imagem da cidade. Segundo Lynch, a presença desses cinco elementos corrobora para formar uma forte imagem de cidade e, portanto, promove uma boa qualidade de vida para os cidadãos. Ainda que essa teoria seja questionável, pois muitas cidades possuem esses elementos em abundância, mas não apresentam boa qualidade, ela chama a atenção de planejadores urbanos para a importância da imagem que os cidadãos formam da cidade onde vivem ou que visitam. Esse estudo aponta para a relevância de valores sensoriais no desenho da cidade, valores esses menosprezados na cidade modernista. Ao priorizar a experiência das pessoas no pensar a cidade, Lynch inaugura uma preocupação com o usuário e com a valorização de sua participação nos projetos de intervenção urbana.

Outro teórico que se pauta em aspectos sensoriais para fundamentar conceitos sobre a cidade é Gordon Cullen (3). Seu livro Paisagem Urbana, trata da qualidade visual do panorama das cidades. Sua teoria é baseada na importância da formação da imagem na experiência urbana. Essa vivência dá-se quando do deslocamento na cidade, e conforme os cenários vão aparecendo à medida que as pessoas transitam por ela. Destaca o valor do que chama de “visão serial”, que acontece quando um indivíduo desloca-se pela cidade e vai se deparando com novos ambientes, entra em um determinado espaço e se percebe diante de um local que surpreende pela sua harmonia.  O conceito de análise desenvolvido por Cullen é apoiado em aspectos sensitivos como surpresa, prazer, emoção, identidade. Ao mesmo tempo, o autor destaca a importância da observação dos lugares. Como instrumento de registro da análise dos espaços, recomenda esboços, anotações, fotografias, além da coleta de dados históricos e socioculturais.

Nessa profícua década de 1960, Jane Jacobs (4) publica uma crítica aos modelos urbanos adotados nos Estados Unidos e investiga condições favoráveis para que uma cidade tenha qualidade e diversidade urbana. Faz críticas contundentes aos conjuntos habitacionais construídos para a população de baixa renda e destaca a sua monotonia, a precariedade e ausência de identidade dos espaços que os rodeiam. Aponta a deficiência do desenho desses conjuntos no que se refere a propiciar lugares de permanência, convívio e lazer da população que ali vive. Também critica os “shopping centers monopolistas e os monumentais centros culturais, com o espalhafato das relações públicas, encobrem a exclusão do comércio – e também da cultura – da vida íntima e cotidiana das cidades” (5).

Sua maior contribuição, no livro Morte e Vida de Grandes Cidades, não se limita à análise de modelos urbanos e sim à investigação sobre o que torna um lugar agradável, muito frequentado pelas pessoas, reforçando o senso de pertencimento. A partir de seus estudos, traça alguns parâmetros para o bom desenvolvimento do desenho das cidades, tais como: usos combinados (residencial, comercial, institucional etc.), quadras curtas, mescla de edifícios novos e antigos e adensamento populacional.

Em relação a usos combinados, Jacobs critica a cidade monofuncional e recomenda a mistura, não só de usos, mas também defende a ideia de uma população não homogênea. No que se refere a quadras curtas, Jacobs observa que quanto mais possibilidades de caminhos, melhor. Quadras muito grandes, sem opções de trajetos variados, configuram espaços urbanos monótonos, pouco interessantes e aumentam a sensação de insegurança.

Ruas impessoais geram pessoas anônimas, e não se trata da qualidade estética nem de efeito emocional místico no campo da arquitetura. Trata-se do tipo de empreendimento palpável que as calçadas possuem e, portanto, de como as pessoas utilizam as calçadas na vida diária, cotidiana (6).

A variação de idade das edificações também é um fator importante. Uma grande área construída na mesma época vai envelhecer ao mesmo tempo, podendo sofrer uma degradação acentuada. Com a variação, a área é mais interessante e diversificada. A variedade na idade das edificações favorece a diversidade de renda dos ocupantes, pois os edifícios novos tendem a ser mais caros do que os antigos, que podem ser usados por uma população de renda mais baixa, favorecendo assim a vitalidade urbana. Jacobs também trata a questão do adensamento. Lugares pouco densos não têm número suficiente de pessoas circulando e, portanto, não promovem lugares seguros nem convidativos. Determinada concentração de pessoas é fundamental para o florescimento da diversidade e atrai interesse.

Em 1965, Christopher Alexander (7) publica, na Revista Architectural Forum, o texto A Cidade não é uma Árvore, em que especula sobre as diferenças entre uma cidade que surge espontaneamente, e cujo crescimento se dá gradativamente, e uma cidade planejada, cuja forma é pensada em um único momento e cujo traçado é feito numa prancheta. O que Alexander procura explicar é: porque a cidade planejada, proposta pelo movimento moderno, não produz lugares agradáveis, onde as pessoas sentem prazer de estar durante a execução de tarefas cotidianas como se deslocar do trabalho para a casa, fazer compras ou passear nas horas vagas? Usando seu conhecimento em matemática (é mestre nessa ciência), Christopher Alexander procura justificar essa deficiência nas cidades planejadas, mostrando que uma cidade de crescimento espontâneo e gradativo tem relações muito complexas e, portanto, impossíveis de serem simuladas por planejadores de uma forma abrangente. Assim, enquanto o planejador prevê um número limitado de inter-relações, o que ocorre na realidade é uma infinidade de ações que não podem ser totalmente equacionadas num projeto urbano.

Alexander designa a estrutura de cidades planejadas sem sobreposição de funções, de estrutura em árvore e argumenta que cidades com crescimento gradativo no tempo têm em geral estrutura em retícula (semilattice). Afirma que esse tipo de estrutura constitui tecidos urbanos mais saudáveis e que a extrema compartimentação e setorização em cidades planejadas resulta em uma cidade pouco receptiva. Recomenda que planejadores prevejam uma mistura de funções e abram espaço para ações propostas pela população.

Nesse momento da história do Planejamento Urbano, inicia-se uma discussão sobre os princípios do urbanismo vigentes e uma critica às ideias modernistas para o desenho das cidades. Até o fim da década de 1970, as escolas de arquitetura no Brasil ensinavam desenho urbano propondo exercícios nos quais os alunos deveriam projetar uma cidade em uma área ainda não urbanizada, projetando uma primeira ocupação, com desafios semelhantes aos enfrentados por Le Corbusier em Chandigarh, Índia ou arquitetos brasileiros quando foi realizado o concurso de Brasília em 1956. A ideia de se pensar a cidade a partir de uma área não urbanizada fazia parte da didática corrente no ensino de urbanismo. A própria postura modernista priorizava a tabula rasa, demolição completa do terreno onde seria implantada uma nova urbanização, em detrimento da adequação de um novo desenho ao sítio previamente ocupado. Isso foi sendo modificado e a cidade consolidada passou a ser objeto de estudo.

Algumas recomendações para a abordagem do desenho urbano

Os trabalhos abordados acima têm sido um importante referencial teórico para o desenho urbano atual. Embora ainda sejam usadas ferramentas do tipo: análises de uso e ocupação do solo, observação de gabaritos de altura das edificações etc., essa metodologia é fria e diz pouco sobre o lugar. As teorias desenvolvidas a partir da década de 1960 colaboram no sentido de instrumentar o urbanista a compreender uma área e propor intervenções. Na sequência deste texto, destacam-se alguns aspectos que devem ser considerados em projetos de desenho urbano, tanto na fase de análise do local como na etapa propositiva.

Compreender o espírito do lugar

Qualquer análise histórica de um lugar é vazia se não for usada para dar sentido ao momento presente. O conceito de genius loci (8), desvalorizado no modernismo, readquire relevância, uma vez que contribuirá com o sentido de lugar singular e não genérico de um projeto urbano. O espírito do lugar só pode ser registrado através da percepção sensível que se dá no momento de sua análise. Essa experiência é plena de nuances que se modificam a cada vez que uma visita é repetida. Cada lugar, além de ser único, é permanentemente mutável; de acordo com a hora do dia, com a estação do ano, com as pessoas que ali estão e com a própria visão do observador.

Ainda assim, alguns lugares seriam unanimidade com relação a qualidades urbanas. A Praça de São Marcos, em Veneza, por exemplo, é apreciada por muitos. Ao olhar dos observadores de hoje, a praça pode parecer projeto de um único arquiteto e construída toda ela em um mesmo período. No entanto, o quarto lado da praça, aquele que está no lado oposto à Basílica, foi construído no século 19, enquanto a praça data do século 16. O que parece fruto do trabalho de um só autor, na verdade tem a contribuição de muitos autores, num período de três séculos.

Essa também é uma característica da maioria dos espaços urbanos. Raramente permanecem imutáveis ao longo do tempo. Enquanto um edifício pode permanecer tal qual foi projetado e construído, a cidade está em constante transformação. Elementos são adicionados, outros desaparecem e, assim, a cidade vai sendo desenhada como um palimpsesto. Camadas de tempo vão sendo agregadas sem que as camadas anteriores desapareçam completamente.

Michigan Avenue, em Chicago: harmonia entre edifícios de várias épocas. O edifício com fachada de vidro segue a volumetria dos vizinhos e usa uma linguagem contemporânea
Foto da autora

Identificar/projetar o lugar através de seus fluxos

Embora o projeto de uma área de uma cidade seja representado de uma maneira estática, mostrando-se ruas, edifícios, praças etc., tão importante quanto esses elementos é o movimento – de pessoas e carros – que se dá através dos espaços entre edifícios. Ao longo do século 20, o automóvel foi ganhando terreno a tal ponto que seu fluxo chegou a ter prioridade sobre o do pedestre. Praças se tornaram estacionamentos, calçadas foram reduzidas para dar lugar a vagas de carros, vias expressas foram construídas para facilitar o trânsito. Ao mesmo tempo, ruas com grande movimento de carros configuram-se como barreiras para a escala humana. Felizmente, há hoje uma tendência à inversão da prioridade e as cidades estão se transformando, no sentido de diminuir o espaço do carro em detrimento dos transeuntes, diminuindo o número de vagas de estacionamento nas ruas para dar lugar a ciclovias e calçadas mais largas ou transformando ruas onde o movimento do comércio é intenso em ruas para pedestres. Esse fenômeno teve início na Europa, na década de 1960 e vem ganhando força em muitos países.

Vestergade, rua de pedestre em Copenhagen: grande movimento de pessoas em qualquer hora do dia
Foto da autora

O fluxo de pedestres deve prevalecer no planejamento da cidade. Para tanto, deve ser compreendido e então ordenado. A largura das calçadas deve estar de acordo com o movimento de pessoas, largos em áreas comerciais e mais estreitos em áreas de predominância residencial. Também é importante prever alternativas de trajetos, o que torna os deslocamentos menos monótonos e mais prazerosos. Quando se pensa no fluxo de pedestres, é necessário também prever lugares de descanso, tanto nos espaços de estar, equipados com bancos, quanto nos que não foram projetados para esse uso, mas que servem a essa função, como escadas, fontes ou muretas que separam áreas verdes de áreas pavimentadas. Os estabelecimentos comerciais também devem contribuir com a dinâmica do espaço público, mas sem estrangular a passagem de pedestres, o que acontece muitas vezes quando restaurantes colocam mesas em calçadas estreitas, tirando, frequentemente, a acessibilidade do local.

Alexanderplatz, Berlim. Mesmo sem bancos, a praça oferece lugares para o descanso e contemplação
Foto da autora

Conhecer usuários, os que existem e os que serão atraídos

Muitos projetos urbanos fracassam por não levar em conta os usuários do local antes da intervenção. Ainda que a requalificação de uma área urbana busque atrair novos usuários, é fundamental que se conheçam seus frequentadores no momento do projeto. Áreas que necessitam de melhorias não são necessariamente áreas abandonadas e em geral têm moradores e comércio ativo. É fundamental que se conheçam esses atores, pois essas são as pessoas que devem ser beneficiadas com a requalificação. É preciso ter clareza de quais são os novos usuários que o projeto busca atrair. Uma falha nessa interpretação pode acarretar no fracasso do projeto. É comum, e quase inevitável, em revitalizações urbanas, ocorrer algum grau de gentrificação. O planejador deve ter consciência desse fato e procurar minimizá-lo oferecendo possibilidades de permanência da população original.

Prever uma densidade “interessante”

Jane Jacobs refere-se à densidade habitacional como um aspecto fundamental para a boa qualidade de uma área urbana. Áreas pouco densas têm número insuficiente de pessoas circulando e, portanto, não garantem um ambiente que promova a sensação de segurança e bem estar. Cidades densas tendem a ser mais interessantes e vivas que cidades onde sua densidade é baixa. Difícil, no entanto, é determinar o que seria uma densidade ideal, quais parâmetros seguir. O conceito de densidade ideal pode variar de país para país e de cidade para cidade. O que é densidade ideal para o Brasil, é baixa para o Japão, que tem problema de escassez de terra. Existem também diferenças culturais para esse assunto, como aborda Edward Hall (9) em seu livro A Dimensão Oculta, onde ele sugere que a sensação de “estar perto” de outra pessoa varia de acordo com valores socioculturais. Planos diretores definem coeficientes de aproveitamento altos em áreas onde o adensamento é recomendado para otimização de infraestrutura urbana. A possibilidade de um maior aproveitamento de uma área não garante uma densidade alta, visto que, no caso de edifícios residenciais, edifícios mais altos não necessariamente abrigam mais pessoas, pois o número de habitantes de um edifício depende também da tipologia dos apartamentos (número de dormitórios por apartamento, número de apartamentos por andar etc.). Contudo, considerando-se que não é possível impor um número fixo de habitantes por unidade habitacional, é um recurso para promover adensamento.

Prever diversidade de usos

O movimento moderno estabeleceu parâmetros urbanos de setorização das funções da cidade, separando áreas residenciais de comerciais, industriais e institucionais. Áreas centrais de muitas cidades passaram a abrigar apenas atividades comerciais. Isso as tornou áreas inóspitas à noite e nos fins de semana, quando lojas e escritórios estão fechados. Lugares vazios passam a sensação de perigo e hostilidade. Áreas estritamente residenciais, sem comércio nas proximidades, faz com que as pessoas percorram grandes distâncias para fazer qualquer compra, tendo muitas vezes que recorrer ao uso do automóvel. Além disso, áreas de trabalho tendem a ser longe da moradia, impossibilitando que as pessoas se desloquem a pé ou de bicicleta. Na mão contrária, áreas de uso misto tendem a ter pessoas passando durante todo o dia, promovendo melhores condições de segurança e tornando os lugares vivos a agradáveis.

Prever diversidade social

As grandes metrópoles têm grande diversidade étnica, cultural e social. É saudável que os espaços urbanos sejam projetados para promover a interação de todos. Lugares como shopping centers e condomínios fechados são, em princípio, espaços de exclusão, onde só se sente bem aquele que preenche as características do usuário para quem o lugar foi projetado. Shopping centers tiram o comércio das ruas e segregam os cidadãos.

Áreas requalificadas, onde não há uma preocupação com a permanência dos moradores originais, tendem a ser ocupadas por outros de renda maior e não apresentam uma população diversificada. Cito Canary Wharf na Isle of Dogs nas Docklands de Londres, antiga área portuária degradada da cidade, que, quando revitalizada, tornou-se um enclave de ricos. Ainda que tenha tido sucesso comercial, e esse aspecto parece ser o desejo de muitos, a exclusão de ex-moradores têm implicações negativas, sobretudo para aqueles que sofrem suas consequências e não conseguem permanecer no local devido ao aumento do custo de aluguéis e serviços.

Priorizar pedestres

Metrópoles, frequentemente, têm sérios problemas de mobilidade. Isto porque, no século 20, priorizou-se o transporte por carros particulares. À medida que uma parte significativa da população optou por esse tipo de transporte, o sistema viário foi ficando sobrecarregado, sem condições de dar vazão ao tráfego. Metrópoles deveriam investir em transporte público e outros sistemas locomoção do tipo bicicleta. Em 1990, Reginald Malcolmson (10) desenvolveu um projeto para uma cidade totalmente sem automóvel particular: a Hilbs 100-Plus, demonstrando a inviabilidade do uso do carro, que frequentemente transporta apenas uma pessoa a uma velocidade baixa. Copenhagen, na Dinamarca, é uma cidade que está banindo o automóvel e 36% da população vai ao trabalho de bicicleta (11). Nas áreas centrais, carros só podem estacionar na via pública e o alto custo dos estacionamentos é um estímulo para as pessoas usarem o transporte público, que é confortável e eficiente. Ações desse tipo devem ser feitas no sentido de melhorar a qualidade dos espaços para pedestres, com calçadas largas e ciclovias e a integração dos vários sistemas de transporte público. À medida que o espaço público melhora, as pessoas vão tendo vontade de nele circular e permanecer.

Bicicletas estacionadas em Copenhagen
Foto Eugênia Hanitzsch

Considerações finais

Como nas utopias, a cidade planejada segundo os princípios modernistas tende a ter um limite físico. Sua expansão se dará até que o sítio designado para a implantação do projeto seja completamente ocupado. Brasília é um exemplo. O Plano Piloto (denominação da área planejada por Lucio Costa) tem uma ocupação planejada rigidamente e não estão previstas expansões dentro do seu perímetro urbano, aumente a população ou não. Como resultado, dá-se uma ampliação da área urbanizada somente na periferia do plano. Diferentemente da maioria das cidades que acomodam o crescimento da população modificando permanentemente seu desenho no sentido de compatibilizar as novas necessidades de ocupação do solo, a cidade modernista, em virtude da limitação tipológica, “engessa” seu crescimento. As teorias mencionadas neste texto desmontam os paradigmas da cidade moderna, reconhecendo questões que devem ser enfrentadas pelo desenho urbano na contemporaneidade, tais como complexidade, mudanças rápidas na sociedade e dificuldade de limitar as incertezas (12).

Christopher Alexander trata da complexidade da atividade projetual e do reconhecimento da importância dos usuários de um lugar como gerador da forma urbana. Kevin Lynch enfoca a experiência urbana e o valor de uma cidade com forte imagem, relacionando a satisfação das pessoas com a qualidade imagética urbana. Gordon Cullen enfatiza e experiência urbana através dos deslocamentos dos cidadãos e atribui valores aos deslocamentos quando da realização de um determinado percurso, podendo colaborar com a qualidade de vida oferecida por uma cidade.

A prática do desenho urbano deve, portanto, somar às análises e diagnósticos tradicionais, baseados nos levantamentos de uso do solo, gabaritos das edificações, estado de conservação dos imóveis, hierarquia do sistema viário etc., como imageabilidade, legibilidade do espaço urbano, fruição do pedestre e sentimento de pertencimento a um lugar.

Assim como a cidade contemporânea, o desenho urbano atual não pode ser linear e se apoiar em uma ou outra teoria. A complexidade das cidades faz com que o exercício do projeto seja baseado no reconhecimento das frequentes mutações ocorridas na sociedade onde o projeto não é mais um rígido ordenamento do território, um desenho final, e sim um veículo para viabilizar transformações.

notas

1
ASCHER, François. Os novos princípios do urbanismo. São Paulo, Romano Guerra, 2010, p.73.

2
O estudo que gerou o livro The Image of the City foi feito como estudo acadêmico no Centro de Estudos Urbanos e Regionais do MIT (Massachusetts Institute of Technology) na década de 1950.

3
Gordon Cullen publicou seu principal trabalho, Townscape, em 1961 no Reino Unido.

4
A jornalista Jane Jacobs prestou grande contribuição aos estudos urbanos, tendo publicado várias obras sobre o assunto: The Economy of Cities em 1969, Cities and the Wealth of Nations em 1984, Dark Age Ahead em 2004, entre outros.

5
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes didades. São Paulo, Martins Fontes, 2003. p. 3.

6
Idem, ibidem, p. 61.

7
Christopher Alexander é arquiteto e professor emérito da Faculdade de Arquitetura da Universidade da Califórnia em Berkley. Escreveu, entre outras, as seguintes obras: A Pattern Language, Notes on the Synthesis of Form e The Nature of Order.

8
“O termo “genius loci’ é uma antiga crença Romana e indica que cada ser tem seu ‘genius’, seu espírito guardião. Esse espírito dá vida às pessoas e lugares, os acompanha do nascimento à morte e determina seu caráter. Norberg-Schulz, C., Kahn, Heidegger and the Language of Architecture. Oppositions, 1979 (18), p. 45 em <www.tu-cottbus.de/wolkenkuckucksheim/inhalt/en/issue/issues/207/Shirazi/shirazi.php9>

9
Edward Hall escreveu várias obras em que estuda a relação de espaço nas diferentes culturas, entre elas: The Silent Language (1959) The Hidden Dimension (1966), Beyond Culture (1976),  The Dance of Life, The Other Dimension of Time (1983), Hidden Differences: Studies in International Communication (1985), Hidden Differences: Doing Business with the Japanese (1990) e Understanding Cultural Differences, Germans, French and Americans (1990).

10
Reginald Malcolmson foi um arquiteto visionário e dedicou-se ao projeto de várias obras utópicas. Foi o diretor que sucedeu Mies van der Rohe na Faculdade de Arquitetura do IIT (Illinois Institute of Technology) em Chicago.

11
PERES, Graziela. Paz, amor e independência. FFWMag, n. 19, 2010, p. 60-73 <http://ffw.com.br/ffwmag/19/>.

12
ASCHER, François. Os novos princípios do urbanismo. São Paulo, Romano Guerra, 2010, p. 50.

sobre a autora

Denise Falcão Pessoa possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1979), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela University of Michigan (1982) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2003). Atualmente é professora do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e da Uninove, Universidade Nove de Julho. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Planejamento e Projeto de Edificação. É autora do livro Utopia e Cidades: Proposições publicado em 2006.

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192.06 urbanismo
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