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architexts ISSN 1809-6298


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Considerando a reforma no ensino de 1931 e os reveses sofridos pela perda do reconhecimento da Escola de Engenharia Mackenzie College, o artigo coloca em discussão o modelo de formação de arquitetos como atributo exclusivo das Faculdades de Arquitetura.


how to quote

CIAMPAGLIA, Fernanda. A Reforma Francisco Campos e o ensino de arquitetura no Mackenzie. Aproximações 1931-1947. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 192.07, Vitruvius, maio 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.192/6068>.

“Desde os bancos universitários à vida prática, somos denominados e caracterizados como profissionais de uma especialização da engenharia. Curiosa confusão esta – da engenharia com a arquitetura – que em tão pouco tempo se arraigou no espírito brasileiro (...). Poder-se-ia afirmar que em nosso país a arquitetura sempre se confundiu com a engenharia – no plano do ensino- ou que nunca tivemos arquitetos atuando na frente cultural?”
Vilanova Artigas

A historiografia paulista é unânime em reconhecer a falta de nitidez entre engenheiros e arquitetos a exemplo das múltiplas ingerências da Engenharia na Arquitetura. Em 1930, a idealização do Instituto Paulista de Arquitetos como associado ao Instituto Central de Arquitetos foi duramente criticada pelo Instituto de Engenharia que via na sua Divisão de Arquitetura a única associação de classe dos paulistas dedicados à profissão. Em 1943, a fundação do Departamento Paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (1) nasceu contaminada pelo Decreto 23.569 – “a pior contribuição ao desenvolvimento da engenharia e da arquitetura” (2) – que regulamentou as atividades de engenheiros e arquitetos sob o crivo dos conselhos federais e regionais, Confea e Crea. Seriam necessárias mais de sete décadas para a criação do CAU (3) sinalizar autonomia da classe.

No ensino superior não foi diferente dado os dois primeiros cursos dirigidos à Arquitetura subordinarem-se em tudo à Engenharia: no nome, nas instalações, no currículo e na dupla titulação que garantisse a aceitação que arquitetos não desfrutavam na sociedade conquanto “o título em si preservava uma conotação pejorativa” (4). Assim, conhecidos estudos acadêmicos (5) tem atribuído a formação de 117 engenheiros-arquitetos, entre 1899 e 1954, pela Escola Politécnica de São Paulo, e de 87 congêneres, entre 1919 e 1946, pela Escola de Engenharia Mackenzie (6).

Tão arraigado em nossa cultura está o “modelo” de formação de arquitetos como atributo exclusivo das faculdades especializadas, criadas no pós-guerra, que sequer demos atenção ao fato de a Escola de Engenharia Mackenzie diplomar “arquitetos” reconhecidos pelo Ministério da Educação e Saúde, desde 1939.

Depois de, em 2010, um Diploma publicado na revista Drops levantar a questão (7) – à primeira vista atribuída ao reconhecimento da profissão – este artigo ultrapassa o título em si amparado por duas condicionantes: de um lado a “Reforma Francisco Campos”, de 1931, e do outro a crise ímpar em que a Escola de Engenharia Mackenzie College se viu envolvida em 1932 pela perda do reconhecimento de seus diplomas. Sob esse viés, o estudo se apoia em três pilares: na própria “Reforma Francisco Campos”, no estudo de Marcel Mendes – Mackenzie no espelho. Uma história documentada da cassação ao reconhecimento dos cursos de Engenharia – e na consulta direta às Fichas Escolares identificadas no período (8) exigindo, a exemplo de Argan “a inclusão de novos documentos ou uma interpretação diferente das já conhecidas” (9). A partir desses instrumentos, a pesquisa de natureza analítica articula o episódio que “constitui a expressão mais aguda dos conflitos e reveses vividos pela Instituição” (10) com as diretrizes federais e sua real aplicação no ensino de arquitetura do Mackenzie, no período de interesse.

Assim, a pergunta é: como e o quanto se alterou o curso dirigido por Christiano Stockler das Neves a ponto de, a partir de 1947, os alunos matriculados na Escola de Engenharia serem automaticamente transferidos para a recém-criada Faculdade de Arquitetura?

Condicionantes

“A Reforma Francisco Campos – Decretos 19.851 e 19.852, de 11 de abril de 1931, Decreto 19.890, de 18 de abril 1931 (11) e Decreto 20.179, de 6 de julho de 1931 – e os diplomas legais do período Gustavo de Capanema – Ministro da Educação e Saúde Pública a partir de 1934 – especialmente as chamadas ‘leis orgânicas’, complementariam um ciclo de produção profusa de leis , em que variadas foram as orientações oficiais e profundas as intervenções do poder público na área educacional” (12).

O ano de 1930 coincide com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e o convite do Ministro Francisco Campos para Lucio Costa dirigir a Escola Nacional de Belas Artes onde o Curso de Arquitetura era compartilhado com o de Pintura e Escultura. Independente do período que o ilustre mestre teria dirigido a escola (13), suas idéias sobre a reforma do ensino ficaram registradas em uma entrevista concedida ao O Globo, em dezembro de 1930:

“A reforma visará aparelhar a escola de um curso técnico-científico tanto quanto possível perfeito, e orientar o ensino artístico no sentido de uma perfeita harmonia com a construção. Os clássicos serão estudados como disciplina; os estilos como orientação crítica e não para aplicação direta” (14).

Com a ENBA vinculada à Universidade do Rio de Janeiro (Decreto 19.851) e Lúcio Costa à frente da direção da Escola, o Curso de Arquitetura ganha autonomia (Decreto 19.852, Art. 223), oferece novas cadeiras e seriação (Art. 228 e 230) e confere, ao seu final, diploma de “arquiteto” (Art. 20i). Segundo matrículas da ENBA disponibilizadas para consulta (15), a seriação estabelecida em 1931 foi mantida mesmo depois de Lúcio Costa ser exonerado da direção da Escola em meio a uma greve estudantil contra os acadêmicos (16). No caso, o discurso sobre as propostas do mestre não terem vingado não encontra eco na Tabela 1 organizada até 1936. Apesar de em 1934, Gustavo Capanema assumir o Ministério da Educação e Saúde Pública e ampliar a seriação para seis anos, o conjunto de disciplinas é mantido. No caso, Composição de Arquitetura é estendida para quatro anos. 

Da evolução do Curso de Arquitetura ENBA
Elaborada pelo autor [Decreto 19.852; docvirt.com/ Museu D. Joao VI/ pastas 6205 e 6217]

Em contraponto à renovação sinalizada para o ensino, em junho de 1932, a Escola de Engenharia Mackenzie College foi surpreendida pela cassação do seu reconhecimento (17). Para Mendes, o episódio, um “divisor de águas” (18), talvez encontre a sua origem no vínculo acadêmico da Escola com o Regents of the University of the State of New York (19) e na sua equiparação aos estabelecimentos oficiais, decretada em 1923:

“Sempre que ‘o caso Mackenzie’ retornava ao Conselho, novas discussões eram desencadeadas, como atestam as atas das reuniões desse egrégio colegiado. Reclamavam-se relatórios de melhor qualidade por parte do inspetor Federal e questionavam-se as condições de enquadramento no regime de equiparação estabelecido pelo Decreto n. 4.659-A, de 19 de janeiro de 1923, do Congresso Nacional. Essa ‘lei especial’ carecia de regulamentação, dizia-se, porquanto não fixava com nitidez as condições de equiparação nem previa sanções para a hipótese de descumprimento da cláusula condicionante contida no artigo primeiro” (20).

Independente dos múltiplos aspectos levantados por Mendes que convergiram para o desfecho negativo, como a qualidade questionável de relatórios por parte do Inspetor Federal, contexto político e outros, é inegável a oscilação do Curso de engenheiro-arquiteto, a exemplo do período de 1922 e 1930 reproduzido na Tabela 2.

Da evolução do Curso de Engenheiro-Arquiteto EEM
Elaborada pelo autor [EEM Fichas PBA, 182, 314, 413]

Fato é que, somadas a autonomia do Curso de Arquitetura na ENBA e a obrigação de “observar regime didático e escolar idêntico ao de instituto oficial congênere” (21), a última turma do Curso de engenheiro-arquiteto da EEM é identificada na Ficha Escolar aberta em 1930 (22). A exemplo da Fig. 2, o verso das Fichas Escolares estampa a titulação de “engenheiro-arquiteto” concedida ao final do curso.

Ficha escolar, aberta em 1930 [Cabeçalho Ficha EEM n. 413]

[Verso Fichas - Diplomas n. 332 e n. 373]

Aproximações

Formado em 1911 na Fine Arts School da Universidade da Pensylvannia, e desde 1917 a frente do ensino de arquitetura na Escola de Engenharia Mackenzie, Christiano Stockler das Neves nunca aceitou a ingerência da Engenharia na Arquitetura no ensino, na titulação ou na atuação profissional. Como ideólogo do Instituto Paulista de arquitetos fundado em 1930, em 1931 passou a ter na Revista Architectura e Construcção um órgão oficial onde, ao tecer considerações sobre o IV Congresso Pan-Americano de arquitetos (RJ, 1930), não por acaso se pronunciou a respeito:

“O engenheiro ‘faz tudo’, no dizer do Prof. Agache, entendeu que é, também, o profissional indicado para o urbanismo, por conhecer sua parte subsidiaria melhor do que o architecto. Não se lembra que a parte principal do urbanismo é a composição artística [...] Consequentemente, urbanismo é uma modalidade da architectura, mas nunca da engenharia, porque esta é alheia à arte. É sua subsidiaria na matéria” (23).

Sobre a dupla titulação foi além:

“O Brasil é um dos poucos países em que se diz, ainda, engenheiro-architecto. Isto, todavia, porque se desconhece a distinção que há entre essas profissões. A Escola Nacional de Bellas Artes, cujo curso de Architectura é independente da Escola Politécnica, outorga o título de engenheiro-architecto porque, não sendo conhecido o verdadeiro papel do architecto entre nós, foi preciso nobilitar um título, já de si tão nobre, com a anteposição da palavra engenheiro. Hoje, porém, a cousa é outra. Os que se orgulham da nobre profissão não adjetivam o título. Os architectos formados por essa escola, orgulhosos da sua qualidade de artistas, resolveram imprimir seus cartões apenas com a palavra architecto. E, segundo fomos informados, esses mesmos architectos vão pedir ao Governo Federal que, nos diplomas expedidos pela Escola Nacional de Bellas Artes, se suprima a palavra engenheiro, isto, para estabelecer-se melhor a distinção entre as duas profissões, já que o ensino ali é distinto” (24).

Cabeçalho Ficha EEM n. 513

Espelhado na ENBA, até no nome, o Curso de Belas Artes Architectura da Escola de Engenharia Mackenzie é criado em 1932 em substituição ao Curso de engenheiro-arquiteto (25). Em relação às cadeiras oferecidas pelo novo curso merece ressalva a similitude com as cadeiras oferecidas pela ENBA e a eliminação das disciplinas Meteorologia, Estradas de Ferro, Mineralogia, Metalurgia, Eletrotécnica, Pontes e Telhados, Química e Organização das Indústrias, presentes no curso extinto.

Das Cadeiras oferecidas ENBA-EEM [Tabela da autora. A (Decreto 19.852-Artigo 228) B (Anuário EEM 1934:140-3)]

A obrigatoriedade de exames vestibulares começa a vigorar em 1933. Em 8 de janeiro de 1934, o Decreto 23.709 estabelece que ficam concedidas à Escola de Engenharia Mackenzie College as prerrogativas de inspeção preliminar para os cursos de engenheiros civis, de engenheiros eletricistas, de engenheiros industriais e arquitetos (26). Ficava então a Escola subordinada aos decretos que estabeleciam, “para o reconhecimento oficial dos diplomas [...] os regimes de inspeção preliminar e de inspeção permanente quando se tratasse de institutos livres” (27). Para Mendes o evento significou “substantivo progresso na busca do reconhecimento” (28).

De fato, observa o autor que, vencido o prazo de carência de dois anos previsto para a inspeção, foi o seguinte o parecer do Inspetor Federal Álvaro Pereira de Souza:

"De todos os dados apresentados neste relatório a respeito da organização e do funcionamento da Escola de Engenharia Mackenzie nos dois anos de inspeção preliminar previstos na lei, bem como de todos os informes coligidos nos dois relatórios anuais referentes a esses anos, já submetidos à aprovação do Conselho nacional de Educação, uma só conclusão, a nosso pensar, pode ser deduzida: A Escola de Engenharia Mackenzie faz inteiramente jus à concessão da inspeção permanente" (29).

Ocorre que, em contraponto, um relatório paralelo, "possivelmente, por razões de natureza ideológica, embora demonstrando zelo técnico, deteve-se nas exceções, para formular parecer duro e incisivo, cuja síntese era: ‘A Escola de Engenharia Mackenzie [...] está fora da lei’" (30). Fundamentada, segundo Mendes, por aspectos formais como matrículas irregulares, não realização de concurso público para preenchimento de vagas na Congregação e, finalmente, falta de aprovação do regimento interno da Escola, a inspeção foi prorrogada por um ano. Amparada pela inspeção preliminar, a turma matriculada em 1934 no Curso de Bellas Artes Architectura é beneficiada pelo ensino referendado pela ENBA. Vale destacar que do ponto de vista curricular a Tabela 3 sugere evolução constante nos programas cursados entre 1934 e 1940.

Da evolução do Curso de Bellas Artes Architectura EEM [Tabela da autora. Fichas EEM: E (n. 639) F (n. 870)]

Neste ponto interessa o destaque dado ao Curso de Architectura no "Regimento Interno" (31), aprovado em 5 de agosto de 1937, "indicando, por esse dado, a tendência de autonomia da arquitetura em relação à engenharia" (32):

Art. 40º – $ único- No curso de Architectura, a orientação didática das cadeiras especiais, ao invés da rigidez doutrinária dos cursos de engenharia, deverá, ao contrário, apresentar a elasticidade indispensável ao desenvolvimento da personalidade artística dos alunos (33).

Art. 52º – $ único- No curso de Architectura será obrigatória a frequência às preleções, às aulas práticas, aos trabalhos escolares, ás excursões e aos demais exercícios (34).

Art 55º - No curso de Architectura, além das exigências dos cursos de Engenharia, não será concedida inscrição de qualquer cadeira aos alunos que não apresentarem dois terços de frequência às aulas de preleção (35).

Art. 62º – $ 8º- nas cadeiras práticas e especiais do curso de Architectura, a prova parcial constará da execução de um trabalho, cujo tema será indicado mediante sorteio (36).

Art. 74º - No curso de Architectura, não serão computados, na duração da prova, o tempo empregado pelo examinador em esclarecer a pergunta e o gasto pelo examinado no traçado de figuras e em desenvolvimento de cálculos, que só sirvam para ilustra o assunto (37).

Art. 75º – $ único - No curso de Architectura, nas cadeiras em que seja exigida prova prática, a aprovação só será obtida se for igual ou superior a cinco a média entre as nota de trabalhos escolares, de provas parciais e de prova prática, adotando-se como pesos, respectivamente os números, 1, 1 e 3 (38).

Vencidos os vários obstáculos que incluíam a retirada em definitivo da subordinação acadêmica e administrativa da Escola de Engenharia Mackenzie ao Board de Nova Iorque, em 28 de junho de 1938, o Decreto n. 2.796 concede reconhecimento à Escola. No mesmo ano, a diretoria estudou os seus dizeres e formato “para fixar definitivamente o tipo de diploma a ser conferido aos engenheiros e arquitetos formados por esta Escola” (39).

A ausência de formandos arquitetos, em 1938, transfere para 1939 a 1ª Colação de Grau (40) a conferir título de “arquiteto” a cinco alunos: Galiano Ciampaglia (n.579) (41), Igor Sresnewsky (n.580), Manoel Amadeu G. de Soutello (n.581), Miguel Forte (n. 582) e Sophie Elma Muller Capps (n.583). Em contraponto ao diploma de “engenheiro-arquiteto” e de acordo com o Art. 92º do Regimento Interno de 1937 (42), o verso das fichas de alunos matriculados no Curso de Bellas Artes Architectura identifica o diploma de “arquiteto” concedido ao final do curso.

 

Diplomas de arquiteto [Verso Fichas - Diplomas n. 579, n. 786, n. 938]

Em 1946, é apresentado o Memorial Justificativo da Escola de Engenharia Mackenzie que trata do desmembramento do Curso de Arquitetura, para constituir uma organização a parte (43). Assim como o Curso de Arquitetura da ENBA – cujo embrião formulado por Lúcio Costa, em 1931, é assumido pela Faculdade Nacional de Arquitetura, em 1945 (44) – o documento assinado pelo Prof. Henrique Pegado antecipa:

"em relação à situação dos atuais alunos que se acham matriculados no curso de arquitetura da Escola de Engenharia, continuará ininterrupta, pois, os professores serão os mesmos, como também os programas, a seriação e o regime escolar. A alteração será feita na organização administrativa, que passará a funcionar autonomamente, podendo assim, dar ao curso, mais adequada e desenvolvida orientação didática" (45).

Em 1947 é criada a Faculdade de Arquitetura Mackenzie:

"Em virtude do Decreto Federal n. 23.275, de 7 de julho de 1947, foi o antigo curso de Arquitetura desmembrado desta Escola, transformando-se em Faculdade Autônoma, necessidade que nasceu com o interesse que esse curso vem despertando, o que se verifica pelo aumento de matrículas, reflexo, aliás, do trabalho desenvolvido pelos seus diplomados, já se fazendo sentir, em todos os setores da atividade profissional, a atuação benéfica e produtiva dos nossos arquitetos" (46).

Segundo Livro de Matrículas aberto em 1948 (47), as turmas matriculadas na EEM são automaticamente transferidas para a FAM, onde se formam entre 1947 e 1951. A Tabela 4 sugere que, ressalvados ajustes na seriação de seis para cinco anos, na inclusão da cadeira Arquitetura do Brasil e na antecipação da cadeira Pequenas Composições, do 3º para o 2º ano, as grades curriculares efetivamente cursadas entre 1942 e 1950 pouco conflitam com Tabela 3.

Do Curso de Bellas Artes Architectura EEM ao Curso de Arquitetura FAM. (*) matrícula e diploma FAM - Stockler e Breia, 2005:465-466. Tabela organizada pela autora (grupo de cadeiras por ordem alfabética) [Tabela da autora. Fichas EEM: I (n. 1037) J (Histórico Escolar R.C.S.A.)]

Cabeçalho Ficha EEM n. 1037

Histórico Escolar EEM-FAM (1946-1950)

Reflexões

Não tivesse o Curso de Bellas Artes Architectura lógica própria, não faria sentido, em 1948, a recém-criada Faculdade de Arquitetura Mackenzie aceitar a transferência automática de 59 de seus alunos (48). Fato é que diante das Tabelas 3 e 4, da lenta reorganização do corpo docente (49) e da permanência de Stockler das Neves – “ferrenho admirador e defensor do paradigma Beaux-Arts” (50) – a frente da direção dos cursos até 1956, quando a “onda do paradigma Moderno ficou irreversível” (51), abre-se uma questão: o que diferencia o arquiteto formado na EEM a partir de 1939 do arquiteto formado na FAM em 1950? Vínculo estrutural? Modelo?

E mais. À parte o propagado hermetismo de Stockler das Neves frente à arquitetura moderna, há que considerar o convite feito ao mestre para que fizesse parte na organização da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, fundada em 1948. Segundo Mendes, a notícia foi trazida pelo próprio Christiano, no banquete realizado em 29 de outubro de 1947, quando assumiu a direção da recém-fundada Faculdade de Arquitetura Mackenzie:

“Queremos vos dar uma notícia muito agradável, estamos certos. É o honroso convite que nos fez o Magnífico Reitor da Universidade de São Paulo, o ilustre Prof. Lineu Prestes, para tomarmos parte na organização da Faculdade de Arquitetura dessa universidade, conjuntamente com os ilustres Professores Anhaia Mello e Henrique Jorge Guedes, todos nossos bons amigos. Será mais uma escola de arquitetura que terá nossa São Paulo, o que bem demonstra o reconhecimento de nossos dirigentes em relação ao papel importante que representa a arte milenar na civilização dos povos. Esse gesto elegante e nobre do Magnífico Reitor para com um antigo professor do Mackenzie veio estreitar, ainda mais, as nossas cordiais relações com os estabelecimentos oficiais de ensino cujos chefes bem compreendem os serviços que vem prestando o Mackenzie a São Paulo e ao Brasil” (52).

Diante desse quadro interessa à historiografia da arquitetura paulista:

– Reconsiderar a ideia que se propaga que todos os profissionais que escolheram estudar arquitetura em reduto da engenharia agreguem à sua biografia a dupla titulação.

– Considerar que, no ensino dirigido à arquitetura, a Escola de Engenharia Mackenzie diplomou 57 “engenheiros-arquitetos”, entre 1919 e 1935, e 31 “arquitetos”, entre 1937 e 1946, no caso, segundo parâmetros ENBA (53). Nesse contingente incluem-se os alunos do Curso de engenheiro-arquiteto e do Curso Bellas Artes Architectura matriculados entre a cassação e o restabelecimento do reconhecimento da Escola (1932-1938) e que não tiveram identificado no verso de seus históricos escolares o título recebido ao final do curso.

– Por fim à dicotomia entre o “arquiteto” formado no Curso de Bellas Artes Architectura da EEM – ainda biografado “engenheiro-arquiteto” (54) – e o “arquiteto” formado na FAM, na gestão Stockler das Neves.

notas

1
Em contraponto, no Rio de Janeiro, o ano de 1935 coincide com a consolidação do IAB depois de cisões e acordos entre as diferentes entidades que lhe deram origem nos anos 20. O assunto é tratado no Boletim n. 1 do Instituto publicado na Revista Arquitetura e Urbanismo, maio/jun. 1936.

2
ARTIGAS, João Vilanova. Caminhos da arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 1999, p. 115.

3
Lei n. 12.378, de 31 de dezembro de 2010. Regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo; cria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal – CAUs; e dá outras providências.

4
FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli. Ensino e profissão em São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 1989, p. 239.

5
FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli. Ensino e profissão em São Paulo. Tese de doutorado, São Paulo, Fau-Usp, 1989; STOCKLER E BREIA, Maria Teresa. A transição do ensino da arquitetura Beaux-Arts para o ensino da arquitetura moderna na Faculdade de Arquitetura Mackenzie: 1947-1965. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2005; PEREIRA, Gustavo. Christiano Stockler das Neves e a formação do curso de arquitetura no Mackenzie College. Dissertação de mestrado. São Paulo, Mackenzie, 2005.

6
Cabe salientar que o Curso de Arquitetura da Academia de Belas Artes, criado em 1928, foi o primeiro a formar arquitetos e não engenheiros-arquitetos no Estado de São Paulo (INEP, 201:52). Foi encerrado em 1932 pelo Decreto 5.361, de 28 de janeiro de 1932.

7
A autora refere-se ao artigo de sua autoria publicado em: CIAMPAGLIA, Fernanda. A primeira turma de arquitetos mackenzistas. Drops, São Paulo, ano 10, n. 031.08, Vitruvius, maio 2010 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/10.01/3422>.
O diploma publicado encontra-se, desde 2012, no Centro Histórico Mackenzie.

8
Foram consultadas as fichas EEM n. 110-211-332-373-413-469-513-516-517-545-568-569-579-580-581-582-617-618-619-627-639-641-651-661-664-701-710-733-767-786-789-823-834-861-866-875-938-947-1036-1037 e o Histórico Escolar Roberto Cláudio dos Santos Aflalo (único documento impresso em 2013 sob os dizeres da atual FAUM da UPM). No caso, além de as Fichas disponibilizarem as grades curriculares efetivamente cursadas e a titulação conferida ao final do curso, também revelam controvérsias frente aos Catálogos e Anuários da Escola. A título de exemplos, o Curso de Bellas Artes Architectura atribuído a 1934 no Anuário daquele ano, é estampado no cabeçalho da Ficha aberta em 1932. Já, em relação ao título conferido ao final dos cursos, sucessivos Anuários alternam diferentes titulações para um mesmo aluno.

9
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. 4 ed. São Paulo, Martins Fontes,1998, p. 15.

10
MENDES, Marcel. Mackenzie no espelho. Uma história documentada da cassação ao reconhecimento dos cursos de engenharia (1932-1938). São Paulo, Editora Mackenzie, 2000, p. 11.

11
No caso, o Decreto dispõe sobre o ensino secundário.

12
MENDES, Marcel. Op. cit., p.38.

13
A permanência de Lúcio Costa na Escola é discutida por Maria Lúcia Bressan Pinheiro (2005). Segundo a autora, o período oficial de 08/12/1930 a 21/09/1931 é controverso com a assinatura do ilustre arquiteto na Ata de Congregação da Escola realizada em 13/09/1930.

14
Artigo A Situação do Ensino de Belas Artes, 29/12/1930; cit. In PINHEIRO, Maria Lúcia Bressan. Lúcio Costa e a Escola Nacional de Belas Artes, Seminário Docomomo, Brasil, 2005.

15
Segundo docvirt.com/ Museu DJoao VI / pastas 6205 e 6217.

16
Entre outras referências, o episódio também é tratado em IRIGOYEN, Adriana. Wright e Artigas. Duas viagens. São Paulo, Ateliê, 2002, p. 50.

17
Decreto 21.519 de 13 de junho de 1932, artigo 1º: “Os diplomas expedidos pela Escola de Engenharia Mackenzie, de São Paulo, não serão reconhecidos como válidos, para os fins de que trata o art. 7º do decreto 20.179 de 6 de julho de 1931”.

18
MENDES, Marcel. Op. cit., p. 91.

19
Idem, ibidem, p. 18.

20
Idem, ibidem, p. 84.

21
Decreto 20.179 de 6 de julho de 1931: estabelece para o reconhecimento dos Institutos Livres de Ensino Superior, o cumprimento de alguns requisitos, entre os quais, “observar regime didático e escolar idêntico ao de instituto oficial congênere” (II do Art. 8º, Título II).

22
Apesar do desfecho negativo, os alunos foram beneficiados por algumas benesses como a extinção da estrutura didática que compreendia um curso geral nos dois primeiros anos Decreto estadual n. 5.064, de 13 de junho de 1931: extingue a estrutura didática que compreendia um curso fundamental (dividido em um ano de curso preliminar e dois anos de curso geral) e os cursos especiais: engenheiro-civil, arquiteto, industrial e agrônomo.

23
Christiano Stockler (1931).

24
Idem, ibidem.

25
O Anuário de 1934, p. 143, identifica a nova organização da EEM: a) curso de engenheiros civis (5 anos); b) curso de engenheiros eletricistas (5 anos); c) curso de engenheiros industriais (5 anos); d) curso de Bellas Artes Architectura (6 anos).

25
O grifo da autora enfatiza a desativação do Curso de engenheiro-arquiteto.

26
A grafia itálica da autora enfatiza a desativação do Curso de engenheiro-arquiteto.

27
MENDES, Marcel. Op. cit., p.149

28
Idem, ibidem, p. 160.

29
Anuário 1936, p. 30.

30
MENDES, Marcel. Op. cit., p. 190.

31
Anuário de 1937, p. 200-263.

32
MENDES, Marcel. Op. cit., p. 180.

33
Anuário 1937, p. 220.

34
Anuário de 1937, p. 222.

35
Idem, p. 223.

36
Idem, p. 225.

37
Idem, p. 223.

38
idem, p. 223.

39
Anuário 1938, p. 81.

40
Anuário 1939, p. 53.

41
CIAMPAGLIA, Fernanda. Op. cit.

42
“ao aluno que concluir um dos cursos da escola, obtendo aprovação em todas as suas cadeiras, de acordo com este regimento, será expedido, após a colação de grau, o diploma de Engenheiro Civil, Industrial ou Eletricista, ou de Architecto, conforme o curso, o qual o habilita ao exercício legal da respectiva profissão”. Anuário 1937, p. 231, grifo da autora.

43
Anuário EEM 1945-1948, p. 47-50.

44
O tema é levantado por UZEDA, Helena Cunha de. O Curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes e processo de modernização do centro da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. 19&20, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, jan. 2010. Disponível em: <www.dezenovevinte.net/arte decorativa/ad_huzeda.htm>.

45
Anuário EEM 1945-1948, p. 47-50.

46
Idem, p. 12.

47
STOCKLER E BREIA, Maria Teresa. Op. cit., p. 465-466.

48
Idem, ibidem.

49
Ver PIMENTA, Celio; ABASCAL, Eunice; MENDES, Marcel. Arquitetura Mackenzie. Mestres da transformação. São Paulo, J.J. Carol, 2010.

50
STOCKLER E BREIA, Maria Teresa. Op. cit., p. 20.

51
Idem, ibidem, p. 20. 

52
Correspondência, ano 1947, v. 13-16, p. 190. Documento de Arquivo EEM trazido à luz pelo Professor Marcel Mendes em 2007 por ocasião de um ensaio ainda não publicado e disponibilizado à autora.

53
A distinção entre a formação de ambos profissionais, também pode ser identificada na produção arquitetônica realizada ao término dos estudos. Em contraponto aos engenheiros-arquitetos como Oswaldo Bratke e Eduardo Kneese de Mello, “convertidos“ do ecletismo para a arquitetura moderna, estudos acadêmicos reconhecem que a produção de arquitetos como Galiano Ciampaglia, Jacob Ruchti, Miguel Forte e Plinio Croce nasce reconhecidamente moderna. No caso de Forte, Ruchti e Ciampaglia, em 1946, são autores de uma das propostas premiadas no concurso para a sede IAB-SP, publicada na revista Architectural Record, em 1947.

54
A título de exemplo citam-se algumas biografias de Candia, Ciampaglia, Croce, Forte e Ruchti como as publicadas em:
FUJIOKA, Paulo Yassuhide. Princípios da arquitetura organicista de Frank Lloyd Wright e suas influências na arquitetura moderna paulista. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2003; IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2005.

sobre a autora

Fernanda Ciampaglia é arquiteta formada pela Faculdade de Arquitetura Mackenzie, mestre Fau-Usp e sócia do escritório Ciampaglia arquitetos Associados. Atualmente participa do PPGFAUM onde desenvolve tese com foco na arquitetura paulistana.

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