A arquitetura militar desenvolvida no Estado do RS ainda constitui um tema pouco estudado, necessitando olhares mais aprofundados sobre o seu legado deixado desde o início da povoação de seu território. Estudos demonstram que a presença da engenharia militar em território brasileiro foi de grande importância para a formação histórica da nação, no momento que suas ações neste território não se limitaram apenas a servir a combates e garantir a demarcação de divisas, mas passaram a influenciar o campo da formação arquitetônica e urbanística, inspirando outros agentes modernos a seu tempo. Desta maneira, o Exército Brasileiro além de apresentar uma forte influência no desenvolvimento social do município estudado, manifesta, através de seu patrimônio edificado, um rico acervo arquitetônico a ser estudado e preservado.
Origens da arquitetura militar
Ao buscar as origens etimológicas do termo fortaleza, que constitui o principal atributo da arquitetura militar, chega-se a sua origem no latim fortitudo, que significa força, no seu sentido de resistência e coragem. Isto torna a ligação entre nome e essência, uma relação íntima com a própria nomenclatura, desde a sua construção, e se converte em um simbolismo de supremacia. A introdução de armas de fogo nos combates a partir do século 15 obrigou as fortificações medievais a passaram por mudanças estruturais significativas, buscando se adaptar frente aos novos conceitos de guerra, exigindo novas estratégias e formas construtivas mais horizontais, com pouca altura (1).
Durante este período, a Europa passava por uma grande efervescência cultural que culminou no Renascimento, onde os arquitetos italianos, através de estudos principalmente sobre a resistência dos materiais, balística e geometria, criaram uma nova forma de fortificar: a fortaleza abaluartada. Estes modelos de matriz europeia passaram a ser desenvolvidas também nos novos territórios descobertos pela coroa portuguesa, em um processo de reinvenção de formas, o qual recebia contribuições de experiências acumuladas em outras colônias portuguesas além-mar (2). A exploração destes novos territórios representou um grande aprendizado, adotando-se novas práticas nas técnicas de navegação e comércio, mas principalmente nos aspectos militares e do conhecimento construtivo, onde as fortalezas se constituíram a forma mais efetiva de manutenção das redes comerciais (3).
Os colonizadores portugueses estabelecidos na colônia das Américas no início do século 16 sofreram constantes ameaças de invasores franceses, holandeses e ingleses, além de indígenas ocupantes deste território. Isto gerava um ataque massivo tanto pelo continente, com os indígenas geralmente com vantagem numérica, e pelos europeus, atacando pelo mar (4).
No Brasil até meados do século 17 o sistema defensivo português ainda era incipiente, por isso foi somente após a união das Coroas Ibéricas, que se iniciaram as primeiras ações que visavam organizar o sistema de fortificação brasileiro, principalmente frente a exploração da atividade açucareira holandesa na costa nordeste do Brasil.
Historicamente o desenvolvimento da porção sul do território brasileiro esteve intimamente ligado a presença de militares, sendo cenário de constantes disputas entre as Coroas de Portugal e Espanha. Esta condição de fronteira em guerra leva a um conjunto de peculiaridades estruturais desta sociedade em relação ao restante do país (5). Este território localizado entre as duas Colônias era considerado uma “terra de ninguém”, sendo após a Independência do Brasil, a única fronteira que rivalizava política, militar e economicamente com seus vizinhos (6).
Com a relativa impossibilidade de cobrir e garantir a ocupação de grandes áreas no território brasileiro, o Estado relacionou a atividade militar até a metade do século XIX, aos proprietários locais de terra. Somente após a segunda metade do século, uma série de modificações introduzidas no Exército, inspiradas por práticas europeias consideradas modernas, demonstram uma nítida preocupação em formalizar e padronizar a carreira militar e consequentemente toda a estrutura institucional (7).
Como forma de conferir uma qualificação técnica a instituição, as práticas desenvolvidas nos exércitos modernos da Europa, mais especificamente o francês, serviram de base para o novo ensino na Academia Militar no Brasil. As primeiras medidas mais efetivas começaram a tomar forma entre 1908 e 1914, com a instituição do serviço militar obrigatório, a criação dos Tiros de Guerra e das Brigadas Estratégicas (7).
No Rio Grande do Sul, a reforma teve como marco a instalação da Escola de Engenharia, por iniciativa de professores lotados na Escola Militar de Porto Alegre, no chamado Casarão da Várzea, atualmente ocupado pelo Colégio Militar de Porto Alegre – CMPA (8).
Construída na chamada Várzea, sua arquitetura caracterizada pelo estilo neoclássico, desenvolveu um espaço voltado ao ensino, que influenciaram nos rumos do Estado. Inicialmente concebido como um edifício térreo em formato quadrangular recebeu em suas extremidades e na sua entrada principal cinco torreões de dois pavimentos. As formas geométricas puras e sóbrias do torreão principal, sobre o portão de entrada na face oeste, foi substituída por formas mais rebuscadas, com características do período eclético (9).
Outro edifício representativo da arquitetura militar, foi o edifício do 7° Regimento de Infantaria, construído em 1913 na cidade de Santa Maria/RS. Este edifício seguiu um modelo adotado para a construção de inúmeros quartéis espalhados por todo o Estado. Seu projeto foi obra da Comissão Construtora de Quartéis, dirigida pelo Tenente Coronel Augusto Maria Sisson. Os edifícios que compõem o complexo do grupamento contam com elementos distribuídos, entre cocheiras, alojamentos e garagens simetricamente alinhados, com destaque a presença do edifício principal. Esta edificação em formato pavilhonar apresenta tipologia eclética, carregada de elementos simbólicos em baixo relevo que remetem a sua origem castrense. Suas elevações apresentam uma linguagem arquitetônica que remete as fortalezas medievais (10).
Já o prédio que abrigou o Antigo Quartel do 6º GAC em Rio Grande, teve sua construção entre os anos de 1892 e 1894, sob projeto e execução do Major Antônio Gomes da Silva. No ano de 1906 a edificação foi sede para a reunião que definiu o contrato para abertura da Barra do Rio grande, participando o então vice-presidente da República Affonso Penna e o Governador do Estado Borges de Medeiros.
O edifício em dois pavimentos foi implantado em um terreno de esquina, com sua fachada alinhada ao passeio público. Com características ecléticas, a fachada principal apresenta composição simétrica, em três volumes. O volume central encontra-se hierarquizado com relação aos demais. Neste local, pode ser identificado a presença de ornamentos com motivos bélicos e armas do Estado, como elemento central no frontão estilizado existente.
Além destas edificações, o edifício que abrigou o antigo Quartel General do Exército no RS, também apresenta significativo valor cultural. Localizado no Centro Histórico de Porto Alegre, foi construída entre os anos de 1906 e 1908, por ordem do General Manoel Joaquim Godolpgim, como forma de substituir o antigo edifício em estilo colonial, construído em de 1775, que existia no local (11).
Importante símbolo do Comando Político e Militar para a 3ª Região Militar do Exército, a edificação teve papel importante na tomada de decisões durante os principais conflitos do início do século 20. Um ataque a guarda no dia 3 de outubro de 1930, deflagrou o início da Revolução de 1930 (11)
O prédio dividido em três pavimentos, apresenta implantação de esquina, com entrada principal demarcada exatamente no encontro das duas fachadas, demarcada por um frontispício sustentado por duas colunas toscanas estilizadas. Sua composição formal caracteriza-se por apresentar em suas platibandas, elementos alusivos ás fortalezas medievais, que simbolizam o caráter militar da edificação. Além disso, apresenta aberturas térreas em formato e verga retangular com borda decorativa, enquanto as do pavimento superior possuem verga em arco pleno.
Estas edificações representam uma pequena porção dos exemplares mais significativos da arquitetura militar desenvolvida no estado, cujas composições representam o momento político e histórico no período em que foram construídos.
As origens militares de Cruz Alta e as edificações do 29 GAC AP
A relação com a arquitetura militar esteve desde muito cedo presente no município de Cruz Alta. Com a crescente necessidade de atender os deslocamentos de tropas e logística militar, é estabelecida nas últimas décadas do século 19, uma política de construção de estradas de ferro, a fim de ligar regiões extremas do estado. A ligação entre Cruz Alta e Pinheiro Machado foi construída no ano 1897, obra do 2º Batalhão de Engenharia que por consequência foi a primeira guarnição militar a se estabelecer em território cruzaltense (13).
Por isso, desde muito cedo o território Cruz Alta foi escolhido como localização estratégica militar, devido a sua privilegiada situação geográfica com os países do Prata, boa malha ferroviária e avançado desenvolvimento econômico e político no início do século 20 (12).
Nos campos de batalha da Guerra do Paraguai que surge uma das mais antigas unidades militares a se estabelecer no município de Cruz Alta, cuja sua formação histórica remonta ao Corpo de Artilharia a Cavalo criada em Humaitá, Paraguai, em 1866, posteriormente desmembrada passando a se denominar 4° Corpo Provisório de Artilharia em 1868. Esta unidade foi umas das únicas unidades militares da história brasileira que surgiu em meio a ações de guerra. A corporação sediada até então em São Gabriel, foi transferida para Cruz Alta em 1909, ocupando a sede onde permanece até hoje. Após receber várias denominações, em novembro de 1972 recebeu que permanece até hoje (12).
O local destinado a locação do então 3° Regimento de Artilharia Montada consistia em uma grande chácara com área de aproximadamente 954.024,21m², cujo projeto também foi desenvolvido pela Comissão Construtora de Quartéis do RS. Seu local fora escolhido pela sua grande facilidade de deslocamento da guarnição aos pontos de acesso da cidade, bem como o acesso facilitado a linha férrea (12).
Ao analisar o conjunto de edificações que fazem parte do 29º GAC AP em Cruz Alta, é notório para o observador que se trata de uma estrutura concebida para abrigar o corpo de uma unidade militar. Sua composição principal, caracterizado pela presença visual marcante de uma edificação horizontal, foi idealizada para abrigar as atividades diversas administrativas que demandam o serviço militar (14).
Sua imponência perante a paisagem urbana, traz em suas estruturas conceitos atribuídos a constituição de fortalezas medievais construídas, principalmente no século 16.
A edificação militar e as relações entre patrimônio, monumento e poder
Através das apreensões do homem moderno com os avanços da sociedade, que convivia com o constante impacto do novo, inicia-se uma necessidade de desenvolver meios para a compreensão e a garantia da salvaguarda de seus bens culturais. Por isso, os conceitos de bem cultural e patrimônio cultural, podem ser considerados como recentes na história moderna. O termo patrimônio consistia primordialmente em um conceito ligado a estruturas familiares, econômicas ou jurídicas, requalificada por diversos adjetivos, genéticos, naturais, históricos etc. (15).
Atualmente o conceito de patrimônio cultural foi amplificado, abrangendo em suas definições, além das formas tangíveis, as intangíveis, as manifestações artísticas e arquitetônicas, assim como as atividades relacionadas ao dia-a-dia do homem, as celebrações e os saberes de cada povo, não ligados somente a fatos memoráveis, feitos pelas parcelas populacionais mais economicamente favorecidas, mais também, por bens portadores de referências a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
As variações tangíveis, materiais, deste patrimônio cultural, surgem inicialmente das origens de monumento, difundido desde a Idade Média, onde era vinculada ao monumento intencional, que mostra que estes monumentos foram obras realizadas com fins específicos, como lugar para manutenção de memória, de sacrifícios, ritos ou crenças. Estes monumentos com o passar do tempo, perdem forças para os monumentos não intencionais, os quais foram constituídos posteriormente, como locais que inicialmente não apresentavam tais atributos, foram elevados a esta categoria por estudiosos da época (16).
Este conceito passa a evoluir no período renascentista italiano, onde a memória se volta para a antiguidade clássica, levando-os a se considerar legítimos descendentes desta cultura. Isto os levou a considerar obras de outros períodos históricos ou estilos arquitetônicos díspares aos do período Clássico, como produções bárbaras, ao passo que não deveriam ser passiveis de preservação (17). Estas ações fizeram com que o período renascentista tenha se tornado a ocasião em que se originou o sentido moderno de salvaguarda, ao mesmo tempo em que surgia o conceito de monumento histórico (18).
Nesta visão o monumento extrapola sua forma material, transformando-se em documento histórico cuja preservação visa a produção de conhecimento sobre a sociedade humana de uma época, por isso, a definição do que deve ser preservado é de tanta responsabilidade. Partindo da decisão do que lembrar/esquecer para gerações futuras, definem-se os valores que se pretende transmitir a uma nação, colocando o patrimônio cultural como partícipe fundamental da história (19).
A vinculação entre monumento e sociedade perpassa simultaneamente sob as relações de espaço e poder, afirmadas por Michel Foucault em suas obras. As estruturas instituídas de poder excedem o Estado, permeando as diversas práticas sociais do cotidiano, ainda que de forma difusa. As organizações controladoras instauram um controle silencioso, onde sua hierarquia social devia ser definida e realimentada (20).
“Outrora, a arte de construir respondia sobretudo à necessidade de manifestar o poder, a divindade, a força. O palácio e a igreja constituíam as grandes formas, às quais é preciso acrescentar as fortalezas; manifestava-se a força, manifestava-se o soberano, manifestava-se Deus. A arquitetura durante muito tempo se desenvolveu em torno dessas exigências. Ora, no final do século XVIII, novos problemas aparecem: trata-se de utilizar a organização do espaço para alcançar objetivos econômico-políticos” (20).
Esta relação se mostra intrínseca nas edificações desenvolvidas para fins militares. Desde a instauração das primeiras fortalezas medievais, até a construção dos mais modernos quarteis, sua composição se mostra como ícone tridimensional prático e simbólico, que expõe mensagens para os receptores que conseguem perceber a mensagem por ela enviada, segundo um código ideológico-cultural. Globalmente a imagem da fortificação expressa conceitos e comunica atitudes a um imaginário coletivo (21). Dentro do que pode ser chamado de uma “semiótica do poder”, se expressa visualmente a existência de certas hierarquias, tendo como base dois ícones: Altura e Tamanho (22).
Desta forma, os aspectos que permeiam as relações de monumento e poder, estão intrinsecamente estabelecidos desde a gênese da concepção das edificações militares, mantendo uma posição hierárquica mediante a paisagem urbana, seja pelo seu posicionamento prioritariamente em terrenos elevados, ou seja por seu formato essencialmente horizontal. Estas relações se mostram presentes também em Cruz Alta, cuja sociedade manteve desde sua gênese, uma estreita relação com o militarismo e o coronelismo, aonde as edificações militares, sobretudo as que abrigam o 29º GAC AP, atuam como símbolo desta relação.
Neste contexto, as edificações estudadas tornam-se importantes a comunidade face a sua relevância cultural e morfológica, além do valor de antiguidade, pois simbolizam este poder simbólico que vem sendo transmitido ao presente e ao futuro, como elemento capaz de reviver tradições, emoções e memórias individuais e coletivas.
A análise do conjunto arquitetônico do 29 GAC AP e suas relações com as edificações militares do sul do Brasil
Através da observação das edificações e sua implantação no lote, foi possível constatar que estas se deram simetricamente em um eixo pré-estabelecido, paralelo aos limites laterais do lote, demarcado pelo centro de gravidade da edificação principal. A partir disto, observa-se a existência de quatro tipologias distintas, as quais podem ainda se subdividir em outras categorias, classificadas conforme suas dimensões e ornamentação.
Seu padrão simétrico, demonstra a forte influência positivista de seus projetistas, de maneira a materializar um dos preceitos básicos de Ordem Unida militar, o conceito de alinhamento e cobertura. Este alinhamento fica mais evidente ao observar a localização das varandas, que circundam todos os edifícios. O pátio de formaturas que anteriormente encontrava-se localizado no pátio interno, atualmente foi transferido para área posterior.
Esta configuração simétrica, em alguns aspectos se assemelha com a implantação dos edifícios da atual 6ª Brigada de Infantaria Blindada, em Santa Maria/RS. Sua implantação, ainda que apresente singularidades com relação as da unidade em estudo, carrega em seu simbolismo, os mesmos preceitos conceituais.
O padrão tipológico T1 por exemplo, representa a edificação frontal do conjunto, e desta forma, caracteriza-se por ser a que mais se destaca entre as demais, com seu visual marcante de uma edificação predominantemente horizontal. Em seu centro de gravidade é possível observar a presença de uma camarinha, que abriga o gabinete do comandante da unidade ao mesmo tempo que demarca o acesso principal. Suas superfícies dispõem de diversas ornamentações simbólicas, alusivas à sua origem castrense, como por exemplo o Brasão da República, ladeado por dois brasões da arma da artilharia.
Esta tipologia é a única que exibe platibanda ao longo de toda sua composição volumétrica. Sua estrutura caracteriza-se por possuir alternância entre cheios e vazios, composta por elementos que simulam ameias e torreões, presente nas fortalezas medievais. Esta composição é rematada com a inclusão de pequenas torres de guarda estilizadas, nas extremidades da camarinha central, e nas extremidades laterais da edificação.
Além da similaridade com a edificação da unidade anteriormente mencionada em Santa Maria, alguns elementos construtivos presentes na edificação são comparáveis com outras instituições militares. É o caso do antigo Quartel General do Exército em Porto Alegre. Esta edificação de caráter essencialmente eclético, também apresenta platibandas com motivos medievais estilizados. Sua fachada carregada de simbolismo representa os diversos valores e conceitos pregados pela doutrina militar em sua essência. Além disso, a composição formal das aberturas se mostra similar, uma vez que as janelas com vergas retas foram estabelecidas no pavimento térreo e as com arco pleno, no pavimento superior.
Além da edificação principal, as fachadas da tipologia T2, apresentam em suas composições formais linhas mais simples de ornamentação, ao mesmo tempo que apresentam um maior número de unidades dispostas. Suas características por se tratar de elementos que se localizam implantados na área interna, bem como pela sua demanda, as edificações acabaram por ser edificadas desta maneira, servindo primordialmente a sua função funcional e não estética.
Diferente da tipologia T1, a cobertura foi desenvolvida através de beiral de madeira, precedido por cimalha decorativa ao longo de todo seu perímetro. Em algumas edificações específicas, é possível notar pequenos frisos que reforçam ainda mais o caráter horizontal das edificações. Tendo o telhado em quatro águas, fora utilizado sistema de estrutura metálica, para permitindo a execução de um vão livre maior e garantindo a inexistência de apoios internos para o telhado.
Realizando a ligação de todas edificações foram construídas originalmente varandas de ligação, permitindo o acesso a todos os setores e locais protegidos das intemperes (Figura 12).
Enquanto isto, os prédios da chamada tipologia T3, apresenta a composição mais singela entre todas as existentes. Seu uso, destinado originalmente para reserva de material e cavalariças, manteve os depósitos de material, mas acabou sendo transformada para receber os automóveis, que passaram a substituir a condução animal em suas funções. Sua composição formal é composta por dois frontões laterais estilizados, onde encontram-se inserido um óculo semicircular elevado, com fechamento em veneziana de madeira. Além disso, é possível encontrar pequenas aberturas com verga em arco abatido, que realizam a iluminação interna dos ambientes. Estas aberturas, em alguns locais, originalmente eram portas de acesso, mas que com as necessidades atuais, foram substituídas por janelas, mantendo-se somente as portas laterais de acesso. O telhado em duas águas também foi desenvolvido com estrutura metálica, recebendo originalmente cobertura por placas de amianto.
Nos locais que hoje abrigam os estacionamento das viaturas leves, foram efetuadas algumas ampliações na fachada posterior, ampliando-se sua área, como forma de adaptação ao novo uso.
Através destes aspectos, fica claro que o conjunto arquitetônico consiste em um importante exemplar da arquitetura militar do Rio Grande do Sul. Suas fachadas com tendências ecléticas misturam-se ao simbolismo presente na vida militar para formar um conjunto arquitetônico com características peculiares.
Conclusões
A memória coletiva e da cultura de um grupo constitui-se da sobreposição dos mais diversos fatores culturais, entre eles a arquitetura. Esta torna-se testemunho efetivo da memória urbana e das diferentes transformações culturais vividas pela sociedade. Suas fachadas transpiram os valores e fatos históricos vividos durante as diferentes épocas. O patrimônio cultural por sua vez, passa a consistir em uma ferramenta essencial no papel de construção deste conceito, construindo coletivamente a identidade de um determinado grupo ou lugar.
As edificações militares através de suas fachadas carregadas de simbolismo e significados, assim como através de sua composição formal, acabam tornando-se monumentos representativos do poder simbólico da presença do estado, em todo local em que são instaladas. Somando-se a isto o fato de serem locais que apresentam conexão restrita com o ambiente externo, por possuir uma grande preocupação com a segurança, acabam, muitas vezes, afastando a sociedade civil que não está diretamente relacionada ao dia-a-dia da instituição. Este afastamento acaba por não promover a apropriação deste patrimônio pela comunidade, algo essencial no conceito de preservação atual. Através das pesquisas realizadas, foi possível perceber a influência que a presença de instituições militares, causa no histórico e na cultura do município de Cruz Alta. Por isso, atitudes de salvaguarda e a divulgação deste patrimônio se mostram necessárias, uma vez que acabam por promover a conscientização no respeito à cultura, nas mais variadas formas em que se apresenta, como forma de exercício da cidadania e recuperação da autoestima.
notas
NA – Artigo extraído de dissertação de Mestrado pelo Programa de Pós Graduação Profissionalizante em Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Santa Maria/RS
1
CRUXEN, Edison. A arquitetura militar portuguesa no período de expansão ultramarina e suas origens medievais. AEDOS, v. 3, n. 28, 2011, p. 113-128.
2
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3
DORÉ, Andréa. Antes de existir o Brasil: os portugueses na Índia, entre estratégias da Coroa e táticas individuais. História, n. 28, 2009, p. 169-189.
4
MORI, Victor Hugo. Arquitetura militar: um panorama histórico a partir do porto de Santos. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado/Fundação Cultural Exército Brasileiro, 2003.
5
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6
BARBOSA, Fidelis Dalcin. História do Rio Grande do Sul. 4ª edição. Porto Alegre, Editora EST, 1995.
7
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9
COLÉGIO MILITAR DE PORTO ALEGRE. Histórico. Porto Alegre, 2012. Disponível em <www.cmpa.tche.br>. Acesso em: 21 de jul. de 2015.
10
BINATO, Luiz Gonzaga; BRENNER, José Antonio. Arquitetura em Santa Maria: um roteiro. Santa Maria, Conselho Municipal de Cultura/Palloti, 2003.
11
CHAVES, R. O Quartel General da rua dos Andradas. Almanaque Gaúcho. Porto Alegre, 2014. Disponível em <http://wp.clicrbs.com.br>. Acesso em: 21 de jul. De 2015.
12
OLIVEIRA, Carlos Martins de (org.). Histórico do 29˚ GAC AP Grupo Humaitá: do Cavalo ao Blindado. Cruz Alta, Pallotti, 2008.
13
ROCHA, Prudêncio. A história de Cruz Alta. Cruz Alta, Liderança, 1964.
14
SILVA, Mara Regina Kramer. Um século de arquitetura em Cruz Alta – 1826 a 1930: Guia turístico arquitetônico. Cruz Alta, Centro Gráfico Unicruz, 2000.
15
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo, Estação Liberdade/Editora Unesp, 2001.
16
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17
FONSECA, Maria Cecilia Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro. UFRJ/IPHAN, 1997. p. 11.
18
RIEGL, Alois. El culto moderno a los monumentos, caracteres y origen. La balsa de la Medusa, 7. Colección dirigida por Valeriano Bozall. Madri: Visor Distribuiciones, S.A, 1987.
19
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20
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo, Graal, 2006.
21
FUSCO, Renato del. Arquitetura como “mass médium”. Notas para uma semiologia arquitetônica. Barcelona, Anagrama, 1970.
22
PIGNATARI, Décio. Semiótica del arte y la arquitetura. Barcelona, Editora Barcelona, 1983.
sobre os autores
Mateus Veronese Corrêa da Silva é arquiteto e urbanista; mestrando do Programa em Pós-graduação Profissionalizante em Patrimônio Cultural – UFSM; docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unicruz.
Denise de Souza Saad é engenheira civil; coordenadora do Programa em Pós-graduação Profissionalizante em Patrimônio Cultural – UFSM; docente do curso de Engenharia Civil da UFSM.
Cláudio Renato de Camargo Mello é arquiteto e urbanista; mestre pelo Programa de Pós-graduação Profissionalizante em Patrimônio Cultural – UFSM; docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unicruz.