As práticas curatoriais moldaram a forma como entendemos a arquitetura moderna. Inserida nos espaços dos museus, ela torna-se parte de um trabalho cultural. No Museu de Arte Moderna — MoMA em Nova York, é um desafio constante levar a arquitetura — inclusive aquela da América Latina — aos seus visitantes. Estratégias curatoriais que ampliam nosso entendimento sobre o que pertence aos museus, e em que tipo de museus — seja de arte, antropologia ou história — ajudam-nos a tornar esse trabalho cultural mais diversificado e inclusivo.
Entrar no museu de arte implica geralmente uma perda para a arquitetura. Ao contrário da arte, é quase impossível expor edifícios no interior de espaços museológicos. Quando isso acontece, como por exemplo quando a Lustron House — uma casa suburbana pré-fabricada, de aço esmaltado, do pós-Segunda Guerra Mundial — foi exposta dentro das galerias do MoMA na exposição de 2008 Home Delivery: Fabricating the Modern Dwelling, a inquietante experiência nos fez ver esse edifício com um olhar renovado. Esta estratégia curatorial de desfamiliarização requer a nossa atenção tanto física como intelectual, numa espécie de envolvimento holístico que remete à crença de que, para se compreender a arquitetura, é preciso vivê-la no ambiente construído. Afinal, não se vai a um museu para ver uma cópia de uma obra de arte e, se um esboço preliminar estiver em exposição, é frequentemente para o mostrar em contraste com a obra-prima acabada e totalmente realizada.
As exposições de arquitetura vão na contramão deste mandato experiencial, pois fazem-nos experienciar a arquitetura por meio de sua representação, sobretudo desenhos, fotografias e maquetes. O trabalho curatorial em arquitetura pode, então, ser entendido como um enfrentamento com a representação. No entanto, é precisamente esse enfrentamento em torno de como re-apresentar a arquitetura que torna a curadoria um trabalho de dimensão cultural, e não apenas a apresentação de um objeto, como se houvesse um significado essencial a ser capturado e exposto ao público. As exposições de arquitetura necessariamente revelam o espaço do museu como um canteiro de obras cultural. Esse é o benefício do enfrentamento curatorial com a representação. O que tem sido construído nas exposições de arquitetura, e como? Qual é a experiência e o conhecimento que se tem produzido? Essas são questões fundamentais de curadoria. A virada arquivística nas práticas curatoriais e o recente problema da migração de arquivos tornam essas questões ainda mais relevantes e prementes nos dias de hoje.
Em 2012, comecei a trabalhar no Departamento de Arquitetura e Design do MoMA em Nova York, com a expectativa de produzir uma exposição de arquitetura que veio a ser América Latina em Construção: Arquitetura 1955–1980 (1). A exposição foi no geral bem recebida, embora alguns tenham achado o esforço — que eu caracterizaria de monumental, quase quixotesco — como talvez um pouco tarde demais, conforme argumentou Susana Torre em "O primeiro inquérito arquitetônico latino-americano do MoMA em sessenta anos é demasiado pouco e demasiado tarde?” (2). Quando a exposição foi inaugurada, em março de 2015, tinham se passado sessenta anos desde a importante exposição de 1955, "Arquitetura Latino-Americana desde 1945" (3) — uma exposição que marcou o prolongado envolvimento do MoMA com a cultura arquitetônica da região desde a fundação do museu em 1929. Ao iniciar a exposição em 1955, a equipe curatorial fez uma clara afirmação de reparação institucional. Isso foi além do fato de o departamento de arquitetura ter feito vista grossa à região — exceto para exposições emblemáticas como The Architecture of Luis Barragán, de 1976, ou Roberto Burle Marx: The Unnatural Art of the Garden, de 1991, que revelam, senão um interesse contínuo na região, certamente uma consciência das transformações em curso.

Ex-curador-chefe de Arquitetura e Design do MoMA, Barry Bergdoll, sentado na Fundación Rogelio Salmona, Bogotá, Colômbia, 2014 [Acervo Patricio del Real]
Uma reparação chave da exposição de 2015 foi a incorporação de materiais da produção arquitetônica do período abrangido pela exposição. Em outras palavras, os visitantes encontraram uma constelação de desenhos, fotografias e maquetes originais, juntamente com esboços, panfletos, publicações e filmes; em suma, uma variedade caleidoscópica de materiais produzidos na época. Encontravam-se, assim, formas e objetos históricos da produção arquitetônica que surgiram por meio de técnicas e intenções arquitetônicas específicas, como resposta a questões sociais e disciplinares salientes nesta região chamada América Latina.
A estratégia curatorial de apresentação da arquitetura não privilegiou propositadamente nenhum meio de representação. Ao contrário, procurou-se ativar uma constelação de técnicas para construir a cultura material que possibilitou a existência dos edifícios apresentados. Constatamos que essa estratégia curatorial traz importantes desafios pragmáticos que podem ser mais bem negociados por instituições como o MoMA e — para melhor ou pior — explicar sua existência. Em Latin America in Construction, o arquivo — por assim dizer — tomou conta da exposição tradicional, em um frenesi de acumulação extravagante levado ao ponto de um excesso discursivo e de um colapso institucional. Com cerca de quinhentas obras originais e um total de mais de oitocentos objetos físicos e digitais, provenientes de uma pletora de arquivos de todas as Américas e Europa, a exposição transpôs a estética de um período e de obras produzidas em lugares distantes para a galeria do museu. Esta operação de trasladar e traduzir atuou tanto no espaço como no tempo e foi uma estratégia chave para a construção da América Latina na exposição de 2015.

Carlos Eduardo Comas e Isabela Ono diante do projeto para o Parque do Flamengo no acervo de Roberto Burle Marx, Rio de Janeiro, 2014 [Acervo Patricio del Real]
A exposição marcou uma mudança na abordagem do MoMA em relação à arquitetura da região, reconhecendo pela primeira vez sua historicidade. Esta virada para a história tem a ver com a própria historicidade do MoMA (não esqueçamos que o museu faz cem anos em 2029) e da noção de modernismo como produção global. Latin America in Construction baseou-se em investigação histórica e se beneficiou do crescimento e da profissionalização dos arquivos de arquitetura — para não mencionar os programas de doutorado que consolidaram a pesquisa em história da arquitetura. A exposição materializou a América Latina como um campo expansivo de investigação, como um desafio e uma tarefa da história da arquitetura. Ao borrar a linha entre arquivo e exposição, Latin America in Construction também revelou como a história se tornou parte de um ritual contemporâneo de consumo cultural e instrumento chave na política de produção do conhecimento no século 21.
Os atos de tradução não são neutros; eles possibilitam e participam de uma economia política do trabalho cultural ligada a sistemas de valor social. Isso ficou claro quando atravessamos a região em busca de materiais originais para a exposição. Encontramos um campo desigual de conhecimento de fontes arquitetônicas que pode ser dividido em duas categorias: edifícios e arquivos. Dentre os quatro curadores — Barry Bergdoll, nascido nos Estados Unidos, Carlos Comas, brasileiro, Jorge Francisco Liernur, da Argentina, e eu próprio (nascido em Porto Rico de pais cubanos refugiados) — nós visitamos a maior parte dos edifícios expostos. Ainda em uso, alguns estavam bem conservados; muitos tinham sido transformados para além do reconhecimento, e alguns para melhor, como o famoso Proyecto Experimental de Vivienda — Previ, de 1969 em Lima, Peru — honrando assim as intenções do projeto de crescer com os seus usuários. Celebramos isso na exposição com trechos de entrevistas com residentes e acadêmicos locais apresentados em Previ: 45 anos após a sua conclusão (4) e produzidos por estudantes de arquitetura dos Estados Unidos do Programa de Pós-Graduação em Paisagem + Urbanismo da Escola de Arquitetura de Woodbury. Olhar para os edifícios em si e, em muitas ocasiões, encontrar e conversar com os seus usuários foi uma experiência única — muitos tinham muito orgulho dos edifícios em que viviam e trabalhavam. Um residente do Conjunto Habitacional Rioja, em Buenos Aires, Argentina, desconfiou muito de nós enquanto olhávamos para o edifício — confundindo-nos com empresários estrangeiros e agentes de gentrificação! O reconhecimento que instituições como o MoMA trazem a obras de arte e arquitetura não é um subproduto menor das exposições e pode ser instrumentalizado para diferentes fins. A frase: "aí estão os do MoMA", que ouvimos inúmeras vezes ao longo das nossas viagens, teve um eco tanto alegre (esperávamos que auspicioso) quanto sombrio.

Arquiteto Thomas Sprechmann, Patricio del Real e Barry Bergdoll no escritório do arquiteto, Montevideo, Uruguai, 2014 [Acervo Patricio del Real]

Loly Sanabria e Barry Bergdoll nos arquivos do arquiteto José Tomás Sanabria, Caracas, Venezuela, 2014 (hoje parte da Fundação Alberto Vollmer) [Acervo Patricio del Real]
Existem muitos arquivos de excelência por toda a América Latina, tanto públicos como privados. No entanto, como um todo, este lugar crítico do conhecimento — o arquivo arquitetônico — encontra-se em estado precário. Esperávamos que a exposição ajudasse a sublinhar o valor dos arquivos de arquitetura, muitos dos quais permaneceram em mãos privadas, geridos por famílias que lidam com grandes adversidades para preservar o que são legados importantes do ambiente construído.
A exposição de 2015 serviu também para aumentar o acervo do MoMA, contribuindo para a preservação de muitas obras e provocando uma migração de arquivos e obras que perpetua a desigualdade dos campos de atuação. Embora seja importante levantar essa questão, as acusações simplistas e redutoras que incitam o nacionalismo não conseguem chegar ao cerne do problema. Não há dúvida de que a região tem vivido a fuga de arquivos importantes, como os dos arquitetos brasileiros Paulo Mendes da Rocha, em 2020, seguido pelo de Lucio Costa, em 2021, ambos doados à Casa de Arquitectura em Portugal, o que me levou a organizar o simpósio Brazil Speaks! Architecture Culture at Risk (5) em 2022. Quando se trata de migração de arquivos, o Brasil não está sozinho — o êxodo do Arquivo Amancio Williams de Buenos Aires, que buscou refúgio em 2020 no Canadian Center for Architecture em Montreal, exemplifica essa tendência.
A saída (ou talvez seja uma deserção, dependendo da sua posição no espectro político) dos arquivos de arquitetura não é, evidentemente, uma história nova. A aquisição do arquivo de Luis Barragán em 1995 para o bunker da Vitra, na Suíça, causou grande preocupação. Nesse mesmo ano, 1995, as Coleções Especiais da Biblioteca Frances Loeb de Harvard receberam o arquivo do arquiteto argentino Jorge Ferrari-Hardoy. Essas duas aquisições, contudo, não são comensuráveis: a última foi um presente da família Ferrari-Hardoy; a primeira, a aquisição das obras completas de Barragán, foi uma transação comercial de mais de 2 milhões de dólares americanos, de acordo com a imprensa mexicana, que reivindicou os próprios edifícios ao procurar registrar e policiar todas as futuras fotografias das obras construídas. Não estou começando uma espécie de lamentação latino-americanista ou nacionalista contra o êxodo de materiais de arquivo e obras originais da região. É difícil imaginar que exista um esforço concertado de espoliação cultural por parte de instituições afluentes no Norte Global — para além da economia política da globalização neoliberal. Ou será que existe? Em Harvard, a coleção Ferrari-Hardoy não está sozinha, e sim em muito boa companhia, residindo ao lado de todas as obras dos arquitetos britânicos Alison e Peter Smithson e do arquiteto japonês Kenzo Tange — doadas à Biblioteca Frances Loeb em 2003 e 2011, respectivamente.
É importante reconhecer a atividade louvável de pessoas e instituições que trabalham arduamente na organização, conservação e disseminação da cultura arquitetônica, independentemente de onde estejam localizadas. O aumento dos custos de catalogação, armazenamento e conservação são fatores-chave para a migração de arquivos e coleções. A sedução da digitalização, com a promessa de acesso livre a mais pessoas, acrescenta novas pressões a esse problema em curso. Embora instituições bem-intencionadas se envolvam numa prática de democratização cultural, não devemos desconsiderar a enorme perda que ocorre quando um arquivo migra. A migração ou realocação de quaisquer coleções arquivísticas reposiciona o seu significado e traz sérios desafios a acadêmicos e instituições com poucos recursos financeiros, para quem essas obras se tornam inacessíveis. Os arquivos ficam silenciosos quando não são utilizados, e pensar quem os utiliza — quem tem acesso a eles — continua a ser uma questão urgente. O que está em jogo é a produção de conhecimento e quem, em última análise, controla essa produção.

Projeto de Lina Bo Bardi para a Cooperativa de Camurupim, 1975, no Instituto Bardi/Casa de Vidro, São Paulo, 2014 [Acervo Patricio del Real]
O vazio deixado pela migração de arquivos pode nos ajudar a ter consciência das práticas que não deixaram qualquer arquivo oficial ou institucional. Esses vazios falam sobre o apagamento da memória cultural como parte da construção da história. Assim, abre-se a oportunidade e a necessidade de reconceitualizar o arquivo de arquitetura para além da coleção de materiais disciplinares e defende-se um arquivar expansivo e dinâmico que descentralize as narrativas hegemônicas e exponha as estruturas de poder e os mecanismos de controle que moldaram o arquivo tradicional. Sem deixar de lado as preocupações disciplinares, podemos, ao mesmo tempo, construir arquivos alternativos que vão além da prática disciplinar da arquitetura e agregam diversos atores, práticas espaciais e formas de apresentação que excedem a disciplina.
A migração de arquivos também é um meio de silenciamento cultural. O mito de que estas instituições mais bem financiadas e renomadas são de alguma forma capazes de amplificar a informação contida em um arquivo é uma falácia. Por exemplo, na minha extensa pesquisa dentro do arquivo do MoMA, descobri numerosos documentos, materiais e objetos efêmeros que, embora preservados, permanecem soterrados pelo o que hoje chamamos de exposições blockbuster. Alguns permanecem ainda não catalogados e, portanto, inacessíveis. Ao trabalhar no MoMA, tive o privilégio de mergulhar nessa valiosa pilha e, no processo, pegar um pouco do "mal de arquivo". Felizmente, consegui extrair alguns detalhes esquecidos e pouco conhecidos que incluí no livro Construindo a América Latina: Arquitetura, Política e Raça no Museu de Arte Moderna (6) e em ensaios subsequentes, a serem publicados, em torno da influência do MoMA na América do Sul, particularmente na Argentina e no Brasil. Mas isso é apenas a ponta de um enorme iceberg.

Maquete do Museu de Arte de São Paulo — Masp no Instituto Bardi/Casa de Vidro, São Paulo, 2014 [Acervo Patricio del Real]

Vista da exposição Latin America in Construction: Architecture 1955–1980, MoMA, 2015
Foto Thomas GrieselFoto Thomas Griesel [Cortesia MoMA NY]
Atualmente o arquivo de arquitetura é um componente essencial das exposições de arquitetura. Exposições podem reconstruir e desconstruir, montar e remontar. Em suma, elas nos ajudam a desdobrar a arquitetura e a estabelecer novas histórias. As exposições são parte integral da produção de arquitetura, orientando a sua prática e estimulando a sua cultura. Através das exposições, a arquitetura torna-se um objeto cultural que é colocado em exibição, revelando a natureza construída da cultura. As relações de poder se encontram no espaço expositivo, e as exposições atuam como um instrumento ou dispositivo de poder cultural, apresentando conhecimentos disciplinares que ligam os espaços culturais aos do poder político e econômico. Visitar um museu ou galeria, visitar uma exposição, não é um simples passeio no parque: é uma cerimônia cultural, um ritual, que dá valor às obras expostas e às atividades curatoriais que moldam narrativas estéticas, sociais e históricas. As exposições constroem um público e insistem em compreender a arquitetura como um esforço compartilhado.
Da perspectiva de alguém que fala dos Estados Unidos e de suas instituições de elite, devemos repensar a forma como fazemos o trabalho cultural num mundo repleto de relações de poder desiguais. Precisamos desenvolver novos modelos que permitam uma economia cultural multicêntrica eficaz. Precisamos renunciar a performar a função de centro, de extração cultural, e compartilhar responsavelmente os recursos que permitem a produção de conhecimento.
notas
NE — Este artigo foi traduzido para o português por Catarina Flaksman e Junia Mortimer a partir de DEL REAL, Patricio. “Ahí están los del MoMA”. Translating Architecture to the Museum. ReVista. Harvard Review of Latin America, Cambridge, 20 nov. 2022 <https://bit.ly/3rLbDBx>.
1
Exposição Latin America in Construction: Architecture 1955–1980. Curadoria de Barry Bergdoll, Carlos Eduardo Comas, Jorge Francisco Liernur e Patricio Del Real. MoMA, Nova York, 29 mar./19 jul. 2015 <https://bit.ly/3K8BmtN>.
2
TORRE, Susana. Is MoMA’s First Latin American Architectural Survey in 60 Years Too Little Too Late? Metropolis, Nova York, 26 mai. 2015 <https://bit.ly/453ERdn>.
3
Exposição Latin American Architecture Since 1945. Curadoria Arthur Drexler. MoMA, Nova York, 23 nov. 1955/19 fev. 1956 <https://bit.ly/471mCXH>.
4
HERRERA, Blas. Previ (Proyecto Experimental de Vivienda) Lima, Peru, 1968_after 45 years of its conception. Vimeo, Nova York, 4 mai. 2013 <https://bit.ly/3rGMgkr>.
5
DAVID ROCKEFELLER CENTER FOR LATIN AMERICAN STUDIES. Brazil Speaks! Architecture Culture at Risk. YouTube, San Bruno, 2 mai. 2022 <https://bit.ly/3Q7WKU3>.
6
DEL REAL. Patricio. Constructing Latin America: Architecture, Politics, and Race at the Museum of Modern Art. Londres, Yale University Press, 2022.
sobre o autor
Patricio del Real é historiador da arquitetura e se dedica à arquitetura moderna e suas conexões transnacionais com foco nas Américas. Ele é professor associado de História da Arte e Arquitetura na Universidade de Harvard. O seu livro, Constructing Latin America: Architecture, Politics, and Race at the Museum of Modern Art (Yale University Press, 2022), examina diversas exposições de arquitetura e o MoMA como uma arma cultural no início do século 20.