“O Gigantão é a maior marca arquitetônica de Araraquara e uma das maiores marcas da cidade. Marca é aquilo que traduz a nossa história, como a rua 5, a Arena da Fonte Luminosa, a Estação Ferroviária, a Casa da Cultura, o Palacete das Rosas” (1).
Essa foi a frase do atual prefeito de Araraquara, Edinho Silva (2020–2024), durante a comemoração, em 2019, dos cinquenta anos do ginásio Castelo Branco, mais conhecido como Gigantão. Nessa ocasião, o ginásio poliesportivo sediava a abertura da 49ª edição dos jogos da Primavera que acontece periodicamente na cidade paulista.
O Gigantão, maior ginásio de Araraquara, é construído em um momento que, tal qual será comentado neste artigo, diversas cidades paulistas investem e elaboram projetos de equipamentos públicos, como rodoviárias, escolas, hospitais, espaços de lazer e equipamentos esportivos. Naquele momento, a cidade despontava como polo gerador de cultura, conhecimento e riqueza, e almejava construir um ginásio municipal para receber grandes eventos, como os Jogos do Interior.
É com esse espirito que surge a ideia de construir um ginásio na cidade, durante a gestão de Rômulo Lupo, em 1966, que encomendou sua construção aos sócios e proprietários da Construtora Domo, Luiz Gadelha e Jonas Farias. Luiz Gadelha, que também foi responsável pelo projeto da primeira rodoviária da cidade, é araraquarense, nascido em 1934 e formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie na turma de 1961.
Inaugurado em 1969, o Gigantão fica localizado dentro do complexo esportivo Municipal no bairro Fonte Luminosa, uma área mais alta da cidade interiorana, a cerca de 280 quilômetros da capital São Paulo.
Visto de fora, é um volume horizontal de concreto armado aparente com cerca de 9m de altura, 97m de comprimento, 67m de largura — um vão livre que envolve uma quadra poliesportiva de 42m x 29,9m, construída em um declive no terreno envolta de arquibancadas “compostas por onze degraus em cada um dos quatro cantos, gerando 3725 assentos, e ainda podendo receber cerca de 1106 pessoas em pé” (2).
Este artigo tem o intuito de apresentar um material inédito sobre essa arquitetura icônica. Para tanto, iremos propor uma leitura sobre um breve histórico do cenário local, entendendo que informações sócio-político-culturais são incorporadas nas características do edifício, cujo ideário abrange não só o contexto local, como também de uma região mais ampla da produção arquitetônica daquele momento.
Depois, discutiremos mais profundamente a respeito da estrutura original do projeto, destacando o fato de que o partido arquitetônico é pautado em uma ligação harmoniosa entre desenho arquitetônico e projeto estrutural. Identifica-se nessa relação um traço importante da arquitetura moderna paulista quanto ao uso do concreto armado aparente destacando plasticamente as caraterísticas do material estrutural.
O contexto da arquitetura moderna no período
Araraquara, uma cidade do interior paulista, apresentava-se na metade do século 20 na vanguarda do pensamento intelectual e moderno, contrapondo-se entre as tradições, costumes e ideologias de um pais patriarcal e conservador.
Na história da cidade sempre existiu, por parte de grande parcela da população e de seus administradores, a preocupação com o desenvolvimento de mecanismos facilitadores para o surgimento de manifestações culturais na cidade. Assim é que foi formado o Teatro Experimental de Comédia de Araraquara — Teca, grupo de teatro comandado pelo diretor Wallace Leal com apresentações regulares de peças de excelentes dramaturgos, como também foi criada uma Companhia de Ballet clássico, além de exposições de pinturas, apresentação de corais, recitais de piano e palestras de reconhecidos intelectuais de variadas áreas do conhecimento.
Essa cidade do interior paulista primou por ter ótimas escolas públicas e particulares, do ensino fundamental ao ensino médio, bem como do ensino superior. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, iniciada como faculdade isolada da Unidade de São Paulo — USP e, posteriormente agregada à Universidade Estadual de São Paulo — Unesp, por exemplo, foi implantada no início dos anos 1960 e contribuiu para uma “ebulição cultural” na cidade, por encontrar aí um terreno fértil para sua atuação.
O campus logo tornou-se um ambiente propício para a discussão de ideias e reflexões sobre as questões não só de caráter local, mas com uma abrangência nacional, como reflexo dessa importância. Nesse período, inclusive, a faculdade recebeu o casal de filósofos francês Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir que, nessa mesma passagem pela cidade, além dos encontros na faculdade, ministraram palestras no Teatro Municipal.
Araraquara foi também berço de figuras que viriam a ter grande relevância nacional em diversas áreas do pensamento e da cultura nacional. Um ambiente favorável a expressões e reflexões culturais estimulou o surgimento de pessoas que se destacam em diversas áreas, como José Celso Martinez Correa (ator e diretor de teatro); Ruth Cardoso (antropóloga); Wallace Leal (diretor de teatro); Ernesto Hia (pintor); Ignácio de Loyola Brandão (escritor); Sydney Sanchez (ministro do Supremo Tribunal Federal — STF); Lívio Abramo (gravurista); Judith Lauand (artista plástica); Heitor e Altea Alimonda (músicos); Maria Helena Moura Neves (linguistas, autora de gramáticas); Rosa Branca (o jogador olímpico de basquete), Luiz Ernesto do Valle Gadelha e Jonas Farias (arquitetos) e tantos outros de igual excelência.
Não diferente de outras cidades do interior do estado e município de São Paulo, como de todo território nacional, a arquitetura moderna de Araraquara é agente propulsor de desenvolvimento estatal, reflexo de uma nação em crescimento urbano acelerado. Desse modo, coloca-se como modelo de transformação do espaço público, e referência arquitetônica no processo de consolidação das instituições governamentais.
Nesse contexto, ao mesmo tempo que a falta de planejamento urbano acarretaria cidades desconexas e desiguais, exemplos pontuais de intervenções urbanas e projetos com um determinado objetivo especifico supriam ausências no conjunto de um planejamento que compreendesse o cenário urbano e suas relações de espaços como um todo.
Brasília, desde o concurso (1956–1957) até sua inauguração em 1960, coroa esse ideário moderno brasileiro de organização do território. Sua proposta de malha urbana funcional visava atender todos os aspectos de uma vida na cidade moderna, desde espaços para o trabalho, o lazer e o simbolismo de edifícios de uma capital federal. Isso posto, entende-se que este projeto integra um momento identificado por Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein (3) como pós-Brasília (1965–1975), mais especificamente como um desdobramento da exploração plástica de estruturas de concreto no que pode ser identificado como um brutalismo paulista que, no entanto, de acordo com as autoras, ecoa no Brasil (não só em São Paulo) pelo menos desde às décadas 1950, em um contexto pós Segunda Guerra Mundial.
Nesse sentido, Bastos e Zein citam o projeto para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro — MAM RJ, de Affonso Eduardo Reidy (1953) localizado na capital carioca, e o edifício E1 da escola de engenharia de São Paulo, localizado em São Carlos SP, projetado por Hélio Queiroz Duarte e Ernest Robert de Carvalho (1953) — esse último guardando evidentes relações com o Pavilhão Suíço da Cidade Universitária de Paris, projetado por Le Corbusier (1931).
Gigantão no contexto da Escola Paulista
O uso do concreto armado em projetos singulares, espalhados por diferentes localidades, de norte a sul, leste e oeste, presava pela técnica construtiva, que determinaria as origens de uma arquitetura moderna nacional. Importante símbolo dessa conquista foi o edifício do Ministério de Educação e Saúde — MES com equipe liderada por Lucio Costa e resultado do concurso de projeto realizado no início da década de 1930 e com sua construção finalizada em 1945 no Rio de Janeiro. Nesse sentido, Hugo Segawa apresenta o MES como ponto de inflexão de uma arquitetura genuinamente moderna brasileira:
“A sede do Ministério da educação e Saúde é considerado o ponto inicial de uma arquitetura moderna de feitio brasileiro. A avaliação é controversa, mas os desdobramentos posteriores caminharam no sentido de confirmar a afirmação, sobre tudo no plano internacional” (4).
Seguindo esse exemplo, a arquitetura moderna paulista nas décadas de 1940, 1950 e 1960 tinham como um de seus pilares conceituais o desenvolvimento do projeto de arquitetura o uso de alguns materiais e possibilidades construtivas. Entre esses, o concreto armado aparente, seguramente, era o mais solicitado, nas suas diversas especificidades, dependendo do arquiteto e a escola de referência. De acordo com Bastos e Zein:
“Também razões de engenharia justificam a opção paulista pelo concreto armado deixado aparente — ‘procurou-se imprimir ao concreto o espírito de uma escola de futuros engenheiros’ — e pela vontade de realizá-lo com ‘pré-fabricação máxima dos elementos tipificados da estrutura resistente e vedação’, o que permitiria executa-los sem andaimes externos e num prazo de seis meses. Alegava-se que assim o ‘processo construtivo avançado’ se justificaria ‘tendo em vista razões econômicas’: entenda-se, não por ser mais barato, mas porque a possibilidade de repetição, rapidez de execução e uso imediato contrabalançaria e diluiria relativamente os custos pela maior eficiência dos resultados” (5).
As diferenças entre a Escola Carioca — no uso de uma linguagem mais sutil, explorando os contrastes da tradição e da modernidade, em composições harmoniosas — e a Escola Paulista — não menos coerente em relação a proposta de projeto, mas valorizando e explicitando a técnica e a riqueza de possibilidades do uso do concreto armado, muitas vezes aparente — eram algumas das abordagens estabelecidas na época. É o que também nos mostra Ruth Verde Zen e Maria Alice Junqueira Bastos:
“A apreciação desapegada do desenrolar do estilo moderno na arquitetura brasileira não leva à percepção de uma continuidade essencial desde o inaugurar da produção da escola carioca até meados da década de 1970; longe disso. A primorosa produção plástica da escola carioca, que dominou o cenário nacional entre 1939 e 1960, e levou o reconhecimento internacional da existência de uma produção arquitetônica brasileira peculiar e de alta qualidade, teve um esgotamento natural. No desenho dos palácios de Brasília, Oscar Niemeyer empreendeu novas pesquisas. Em São Paulo, uma nova geração de arquitetos, formados em meados dos anos 1950 pela FAU USP e pela Faculdade de Arquitetura do Mackenzie, inaugurou uma renovação ‘paulistana’ da arquitetura brasileira. Exatamente em São Paulo, na região mais industrializada do país, desenvolveu-se uma produção fortemente irmanada com a sensibilidade plástica brutalista internacional, e que no seu início mostrou-se sensível aos apelos do desenho da engenharia, à preocupação com a racionalização dos processos construtivos tendo em vista a industrialização da construção civil, e com o desenvolvimento de soluções modulares” (6).
A Escola Paulista foi a vertente principal que se estabeleceu nesse período. Sobretudo no estado de São Paulo, onde arquitetos e urbanistas, a partir de solicitações governamentais, projetaram edificações institucionais. Alguns exemplos importantes dessa produção na cidade de Araraquara podem ser identificados neste trecho do texto do inventário Docomomo n. 5:
“Apesar do retorno dos primeiros profissionais dessa fase (anos 1950), que estudaram na Federação Nacional dos Arquitetos — FNA, à época pertencente à Universidade do Brasil, os edifícios de caráter público eram projetados por profissionais da capital: Edifício da EFA (Estrada de Ferro Araraquara), projeto do DOP de 1948; Senac, de autoria dos arquitetos Eduardo Corona e Oswaldo Correa Gonçalves, de 1958, não executado; Campus da Unesp e Hotel Eldorado Morada do Sol, de autoria dos arquitetos João Walter Toscano, Odiléa Setti Toscano e Massyoshi Kamimura, de 1960 e 1962, respectivamente; edifícios das agências bancárias do Banco do Brasil e Caixa Econômica Estadual, ambas localizadas em esquinas de quadras adjacentes à praça da Matriz, inovadoras quanto à localização fora dos eixos de predominância comercial e de serviços (ruas Dois e Três, avenida Sete de Setembro), projetadas pelos arquitetos David Libeskind e Célio Pimenta, respectivamente. Levantamento feito permite citar, entre outros: projeto para residência, não executado, exposto na Bienal de 1952, de autoria dos alunos Carlos B. Millan, Luis Roberto Carvalho Franco e Sidney S. Fonseca; residência Salata, 1954, projeto do arquiteto Abelardo de Souza; ‘Gymnasium’, 1958, multiuso para a Prefeitura do Município, não executado, projeto do arquiteto Ícaro de Castro Mello; Estação Rodoviária, 1960 e Ginásio Municipal de Esportes, 1967, projetos dos arquitetos Luiz Ernesto do Valle Gadelha e Jonas Farias, ambos araraquarenses, na época atuando em São Paulo; edifícios para a Telesp, 1960 e 1984, ambos projetados pelo arquiteto João Clodomiro de Abreu; Hospital Psiquiátrico, 1962, não construído; conjunto residencial Cidade Nova Araraquara,1967, Clube Araraquarense,1969, parcialmente construído, Agência de Veículos, 1970 e Hospital dos Fornecedores de Cana,1982, todos projetados pelo Escritório Técnico Rino Levi; residência Lia, 1962, projeto do arquiteto Luis Gastão de Castro Lima; Igreja Nossa Senhora das Graças, 1964, da Cocibra; residência Affonso, 1964 e edifício Vila do Sol, de autoria dos arquitetos Rubens Carneiro Viana e Ricardo Sievers; Plano Diretor do Clube Náutico,1967, não executado, de autoria do arquiteto Sérgio W. Bernardes; Senai, 1969, projeto dos arquitetos Clóvis Felippe Olga e Mário Viotti Guarnieri; residência De Lorenzo,1969 e Sadalla, 1971, de autoria dos arquitetos Francisco Segnini Junior e Joaquim Cláudio de Oliveira Barreto, araraquarenses atuando em São Paulo; Cemitério Municipal,1971, não executado, projeto dos arquitetos Luigi Villavechia, José Pedro de Oliveira Costa e Koiti Yamagushi; Sesi,1975, projeto de R.M Arquitetos Associados; Banco Excel,1977, projeto e construção da empresa JHS; CPFL, 1977, projeto do arquiteto Carlos Cascaldi; Villares, 1977, projeto do arquiteto Walter Renan Maffei; Centro de processamento de dados do Banespa,1980, projeto do Departamento de Projetos do Banespa; Banco Itaú,1982, projeto da Itaúplan; Conjunto Administrativo Sucocítrico Cutrale,1985, projeto da empresa Nova Arquitetura S/C projetos; Tropical Shopping,1986 e residência Polezi, 1987, projetos do arquiteto Francisco Segnini Junior; Indústria Fisher,1987, projeto da empresa Projetos e Projetos” (7).
O fato é que a iniciativa privada também participava da crença de um país próspero, mesmo que internamente, e ramificava-se no coração da elite da família brasileira que, em grande parte, ainda carrega uma visão arcaica de aspectos culturais conservadores.
Dentro desse contexto regional, sendo influenciada pelo cenário nacional, a arquitetura moderna começava a fazer parte do desenvolvimento da cidade de Araraquara. Primeiramente com projetos de nomes de arquitetos já consagrados nacionalmente como Ícaro de Castro Mello, Rino Levi, Carlos Millan, João Walter Toscano (8) e posteriormente com arquitetos araraquarenses formados em Faculdades da capital do estado, caso dos autores deste projeto.
O processo construtivo do Gigantão
Desde 1957, doze anos antes da construção o Gigantão, o prefeito Rômulo Lupo, em seu primeiro mandato (1956–1959), promulgou uma lei para a captação de recursos que visava a construção de um ginásio de esportes. Mas foi apenas em seu segundo mandato (1964–1969) que o projeto saiu do papel. “O contrato firmado com a Prefeitura previa investimentos municipais na ordem de NCR$ 1.348.924,00 (um milhão, trezentos e quarenta e oito mil, novecentos e vinte e quatro cruzeiros novos), e fixava um prazo de treze meses para a entrega da obra” (9).
Assim que aprovado pelos setores, a construção iniciou em 1967, com a escavação do terreno e início do estaqueamento no fim do ano. Depois, as arquibancadas começaram a ser levantadas: “começava a surgir o ginásio, erguido com muito ferro e muito cimento (10). No ano seguinte, em 1968, foi dado início ao madeiramento para o sistema de formas de concretagem para a construção da cobertura. “Chuvas, falta de cimento no mercado e contratempos impediam o cumprimento do cronograma da obra. Mesmo assim, a cidade assistia a tudo maravilhada” (11).
Pouco antes de finalizar as obras, em setembro de 1968, como último ato do prefeito Lupo em relação ao ginásio, foi lançado o decreto que nomeava o espaço como Ginásio Municipal de Esportes Castelo Branco. “Todos pensaram ser uma homenagem ao ex-presidente militar Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, morto em 1967. O prefeito não desmentiu, mas o que queria mesmo era homenagear a esposa e o sogro, que tinham como sobrenome ’Castelo Branco’” (12).
Quando seu sucessor Rubens Cruz assumiu a prefeitura em fevereiro de 1969, a obra já estava 80% concluída e foi inaugurada nesse mesmo ano, no dia 11 de outubro, em tempo de receber a semana dos Jogos Abertos do Interior.
Em 2010, no entanto, a edificação sofre um desabamento de parte de uma na porção posterior do edifício, em virtude de fissuras estruturais. Não se sabe exatamente o que causou o dano estrutural, mas pode estar relacionado com o formato inusitado da estrutura, diferente do padrão curvilíneo mais costumeiramente utilizado para coberturas desse tipo de edifício que exige grandes vãos.
Apesar da intercorrência, “o projeto foi recuperado e manteve seu formato original, inclusive contando com a ajuda do engenheiro Pietro Candreva, que fez os cálculos da estrutura na década de 1960” (13). As obras começaram dois anos depois e logo o Gigantão foi reaberto, até receber uma nova reforma em 2019, reinaugurado em abril de 2023.
O projeto arquitetônico
Aspectos referentes ao projeto estrutural: espaço e forma
Um “projeto que delineava uma obra arrojada, em concreto aparente, com um pórtico rígido e emprego de tirantes protendidos que ligavam os blocos de fundação, formando uma quadra com a cobertura em casca, ligada através de um sistema de pilares e tirantes” (14), assim pode ser resumido o sistema construtivo deste ginásio, que é também seu espaço e forma.
O projeto do edifício consiste em uma grande cobertura em forma de dobradura de concreto armado resultando em um volume longitudinal de 67,4 por 96,85 e 9,74 de altura (15). As vigas dispostas perpendicularmente à maior lateral do volume para vencer o vão livre sem pilar formando na vista superior um aspecto sanfonado garantem sob si uma área de prática esportiva sem interferências.
O conjunto estrutural adquire um aspecto de nervura autoportante à medida que a sequência de vigas se apoia na estrutura lateral transformando-se em pilares resultando igualmente em um aspecto de dobradura, tal qual na cobertura. Mais precisamente, define-se um volume coeso de concreto armado formado por uma estrutura sanfonada, tanto nas laterais (pilares/parede) quanto na parte superior (viga/cobertura). De acordo com depoimento do arquiteto Luiz Gadelha dado a Júlio Gadelha:
“O conceito estrutural do ginásio foi adotado para que se resolvesse o problema dos fluxos de público, imprensa e agremiações.
Trata-se de uma estrutura em concreto armado, explorando assim, o concreto aparente de todo ginásio.
Surgiu a ideia de uma dobradura sanfonada, por ter mais resistência e por favorecer pilares longos para vencer mais altura, resultando numa sensação de movimento, fugindo do estático, que pressupõe rigidez, contrário à essência da beleza e leveza do movimento do atleta esportivo” (16).
Na implantação, usou-se a declividade do terreno (natural ou executada) como fator determinante de projeto. Com um nível semienterrado se dispôs a arquibancada lateral e os equipamentos de apoio. Assim, conseguiu-se a altura suficiente do pé direito para um edifício especifico para as práticas esportivas sem que precisasse alterar na volumetria horizontal, conforme vista de fora. Estabeleceu-se, portanto, uma silhueta mais sutil da estrutura lateral, diminuindo as dimensões verticais das fachadas externas.
A quadra onde o ginásio está implantado é margeada na porção mais distante do terreno por uma avenida de grande fluxo — a avenida La Salle —, separada do edifício com uma praça; do outro lado, paralela a ela, o fim, portanto com menor fluxo, da avenida Engenheiro Agrimensor João Luiz Molina Gil; perpendicular às avenidas, estão duas ruas que basicamente servem de amparo para a principal circulação de veículos e pessoas que frequentam o Ginásio.
A disposição dos ambientes internos se desenvolve a partir de dois eixos de entrada. O eixo da entrada principal onde o acesso pela fachada frontal organiza os fluxos de distribuição pelas arquibancadas e alguns serviços; e o eixo do acesso de serviços e apoio, que atende a porção oposta. Quanto à distribuição do programa, de acordo com o arquiteto Luiz Gadelha, existem outros equipamentos do ginásio que “foram desenvolvidos num espaço inferior, abaixo das arquibancadas, com a construção de salas otimizando as áreas subutilizadas” (17).
Desse modo, conformam-se dois pavimentos: o térreo, onde acontece o franco acesso do público e também onde estão as áreas de serviços e apoio em dois volumes secundários localizados nas fachadas frontal e posterior; e o subsolo, um volume retangular parcialmente enterrado abrigando áreas de circulação e entradas controladas.
O subsolo é acessado por meio de um amplo corredor (uma espécie de túnel) localizado na fachada posterior, após uma breve descida, resultante da escavação do terreno para implantar tal pavimento. O corredor desemboca numa ampla área de circulação, que serve de estacionamento para os veículos dos funcionários do ginásio, centralizada no eixo longitudinal do projeto, e que também distribui o fluxo de pessoas para os ambientes ali existentes (18).
Trata-se, portanto, de um monobloco definidor de um espaço que foi setorizado a partir da definição de acessos que nortearam o desenvolvimento da proposta. Esse desenho de fluxo e a franca abertura para o entorno por meio de acessos hierarquizado conforma, integrado ao sistema estrutural, a essência projetual do edifício. De acordo com Luiz Gadelha:
“Normalmente o acesso convencional a ginásios de esporte faz-se através do piso no nível da entrada da construção, tendo à frente as quadras onde as disputas ocorrem. Contudo optamos por uma solução alternativa, cuja entrada se daria num nível bem superior ao das quadras obtendo, assim, uma visão de conjunto de todas as arquibancadas, inclusive da cobertura da construção, ou seja, do teto” (19).
A técnica construtiva
O responsável pelos cálculos da estrutura do concreto armado foi engenheiro Pietro Candreva. Os cálculos foram desenvolvidos na tese de doutoramento do engenheiro Candevra na Politécnica da USP, em 1966, com orientação de Van Langendowck (20). Segundo a engenheira Heloisa Maringoni, alguns aspectos são importantes para compreensão do projeto estrutural, que se traduz na forma arquitetônica.
“As lamelas são inter-travadas, e funcionam como uma seção em V. Compressão no vértice superior e tração na calha inferior. O grande vão levou ao uso de protensão das lamelas para redução de flechas e fissuração, melhorando a estanqueidade da cobertura. Os pilares, também em V, ancoram os cabos, e tem os vértices reforçados por armaduras de elementos de barra” (21).
Como vimos, a concepção estrutural do projeto era por si só a forma arquitetônica já pré-concebida pelo traço inicial da técnica. A disposição dos ambientes era consequência natural do partido estrutural adotado.
“A ousadia e arrojamento da solução estrutural frente as ferramentas da época são importantes salientar, hoje temos condição de fazer uma análise por elementos finitos, modelando espacialmente a estrutura, analisar suas deformações e comportamento. Na época em que foi construído, o estudo era mais conceitual e apoiado em tabelas e ábacos. Acredito que o desenvolvimento do projeto desta obra tenha sido bastante interessante” (22).
Portanto, é evidente neste partido arquitetônico um trajeto de concepção que Ruth Verde Zein (23) identificou como “da verdade estrutural à expressão formal”, ou mesmo um “expressionismo formal” — no sentido de que é a verdade estrutural que estabelece a expressão formal. Uma tradição da arquitetura moderna paulista: “Verdade, por destacar as qualidades intrínsecas dos materiais; verdade estrutural por priorizar as características do material estrutural, basicamente o concreto armado aparente” (24).
Ao pensar a exploração plástica do concreto armado estrutural por parte desses arquitetos, é valido recordarmos também de um projeto não construído, com autoria dos mesmos: a proposta para o teatro apresentado para a Quadrienal de Praga. Considerado um dos maiores evento dedicado à arte cenográfica do mundo, a quadrienal que acontece desde 1967 é uma mostra competitiva entre diversos eventos que envolve as artes cênicas desde instalações e construções arquitetônicas à palestras, debates, oficinas e apresentações.
Esse evento internacional para o qual os arquitetos enviaram o projeto para o teatro — que foi, inclusive, premiado — aconteceu logo depois da entrega do projeto do Gigantão. Tal qual um exercício projetual, essa proposta é visivelmente um desdobramento do sistema estrutural sanfonado que estava sendo construído no Ginásio araraquarense, mas partia de uma vontade de projeto até mesmo anterior ao gigantão, para um teatro que poderia ter sido construído também na cidade de Araraquara.
Isso porque, em 25 de dezembro de 1965, alinhado às narrativas de progresso que percorriam a cidade interiorana nessa década, é lançado um edital pela Prefeitura de Araraquara, ainda durante o mandato de Rômulo Lupo, que visava demolir o antigo teatro e substituído por um novo prédio multifuncional que abrigaria apartamentos residenciais e, no subsolo, um novo teatro que seria subsidiado pela venda das unidades habitacionais. O projeto, no entanto, não sucede, sobretudo por questões jurídicas, uma vez que o terreno que abrigava o teatro era público, e essa nova proposta do prefeito indicava uma parceria com o mercado privado.
Apesar deste cenário que impossibilitou a construção de um novo teatro para a cidade de Araraquara, os arquitetos Luiz Gadelha e Jonas Farias desenvolveram um projeto para um novo teatro, com as mesmas características estruturais, abordadas no projeto arquitetônico do ginásio Gigantão, tendo como premissa o grande vão, e o apresentaram na Quadrienal de Praga.
Considerações finais
A importância do projeto e construção do ginásio Gigantão para a região na época não só possibilitou o uso local, mas ampliou a relação de vizinhança entre as cidades do interior do estado de São Paulo. A dimensão do equipamento esportivo, tanto pelo caráter estético e espacial, quanto cultural e econômico, permanecem até hoje.
Além disso, conforme demonstrado na análise do projeto, foi possível perceber a relevância desta obra para a história da arquitetura brasileira, mais especificamente em seu alinhamento à escola paulista brutalista em voga entre 1953 e 1973. De acordo com Bastos e Zein (25), as obras brutalistas podem ser relativamentereunidas sob um conjunto de características dais quais identificamos que coincidem com este projeto aqui analisado: partido arquitetônico (com soluções, de preferência, em monobloco); composição (pela solução de caixa portante e planta livre); elevação (com poucas aberturas); sistema construtivo (com emprego predominante de concreto armado, por vezes protendido utilizando lajes nervuradas uni ou bidirecionais); texturas e ambiência lûmica (superfícies de concreto deixadas aparente); características simbólico-conceituais (ênfase na austeridade e homogeneidade da solução arquitetônica e no didatismo da solução estrutural e noção construtiva da obra).
Nesse sentido, ressalta-se a relação intrínseca entre forma e estrutura, expressando formalmente uma verdade estrutural em uma relação unívoca, em consonância com a leitura de Ruth Verde Zein (26)em relação a uma geração de arquitetos alinhados à tradição da arquitetura moderna paulista. Com isso em vista, identifica-se nesta obra o que Zein chamou de “liberdade formal” em associação íntima entre a estrutura e concepção arquitetônica, vez que, nesse caso, é inusitada a definição do partido arquitetônico do Gigantão em relação ao seu uso.
Seria mais comum para um ginásio optar por estruturas curvilíneas e metálicas para vencer o grande vão necessário à conformação das quadras poliesportivas. Todavia, não se trata, apenas, tal qual elabora Zein, afirmar que nessa tradição arquitetônica troca-se a fórmula de “a forma segue a função” por “a forma segue a estrutura”. Sendo ambas indissociáveis, não é possível afirmar quem nasce primeiro, a expressão formal ou a estrutura. “A arquitetura é tudo isso, mas muito mais” (27).
notas
1
SILVA, Edinho. Gigantão, palco de tantas histórias, celebra seus 50 anos de Inauguração. Araraquara.com.br. 15 out. 2019 <https://bit.ly/4i4k28P>.
2
FORCELLINI, Camila. Quadro da arquitetura esportiva de São Paulo: 1950–1970. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2014, p. 102.
3
BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. Brasil: arquiteturas após 1950. São Paulo, Perspectiva, 2010.
4
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900–1990. 3ª edição. São Paulo, Edusp, 2010, p. 92.
5
BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. Op. cit., p. 84.
6
Idem, ibidem, p.141. Grifo dos autores.
7
SOBRINHO, Eduardo; SANTORO, Francisco; NUSDEU, René. Arquitetura moderna em Araraquara — Inventário. Docomomo, 2003, p. 5.
8
Idem, ibidem.
9
História de Esportes ‘Castelo Branco’ — Gigantão. Notícias. Câmara Municipal de Araraquara, 14 abr. 2014 <https://bit.ly/4fMCgKp>.
10
Idem, Ibidem.
11
Idem, Ibidem.
12
Idem, Ibidem.
13
FORCELLINI, Camila. Op. cit., p.112.
14
ARARAQUARA. Op. cit.
15
FORCELLINI, Camila. Op. cit., p.102.
16
GADELHA, Luiz. Depoimento a Júlio Gadelha, 2016.
17
Idem, Ibidem.
18
FORCELLINI, Camila. Op. cit.
19
GADELHA, Luiz. Op. cit.
20
ARARAQUARA. Op. cit.
21
MARINGONI, Heloisa. Depoimento pessoal, 2016.
22
Idem, Ibidem.
23
ZEIN, Ruth Verde. O lugar da crítica: ensaios oportunos de arquitetura. Porto Alegre, Centro Universitário Ritter dos Reis, 2001.
24
Idem, ibidem, p. 155.
25
BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. Op. cit.
26
ZEIN, Ruth Verde. Op. cit.
27
Idem, ibidem, p. 155.
sobre os autores
Júlio Barretto Gadelha é arquiteto e urbanista (PUC Campinas, 2000), acordo bilateral de intercâmbio na Faculdade de Arquitetura Politécnico de Milão (1998–1999). Mestre (FAU USP, 2011) e doutor em arquitetura e urbanismo (FAU Mackenzie, 2021).tem experiência na área de arquitetura e urbanismo, com ênfase em ensino de projeto arquitetônico.
L.E. Becker Savastano possui graduação (FAU Mackenzie) e mestrado (FAU USP) em arquitetura e urbanismo; especialização em revisão de texto; e em Arquitetura, Educação e Sociedade (Escola da Cidade, em andamento). Está professor assistente na Escola da Cidade. Tem experiência no estudo de arte e memória nas cidades.