Nós, mineiros, somos territorialistas sim, mas buscamos usufruir de vários modos, de diversas paisagens – e quanta diversidade há em Minas Gerais. De nossa cidade, elaborada antes no papel, surge o desejo de possuir uma área. E da paisagem, que a envolve surge um outro tipo de desejo: o de usufruí-la com o grupo ao qual pertencemos, nos identificamos ou queremos conviver.
Ao estabelecermos um território começamos a deixar marcas na paisagem. A cerca talvez seja a primeira marca visível de posse. Outras marcas vão surgindo ao redor: as trilhas, depois as estradas, as placas, as casas e os prédios. Em volta das primeiras casas, plantamos o jardim e o pomar – “para podermos habitar”. E, por dentro, de lugar seguro dessas casas, as janelas abertas para a natureza – um convite à aventura proporcionada pela vista para a Serra do Curral e o mistério por não ver o que está atrás dela.
E cada marca que deixamos no solo funciona como um novo desenho. Uma sucessão de linhas sobrepostas carregadas de intenções. As linhas de construção vão se definindo no momento em que coincidem com idéias em harmonia com o desejo de preservar ou explorar. Construir é então a materialização desse desejo de delimitar um espaço que traduza uma identidade própria onde podemos nos refugiar. Mas “construir” pode ser também retirar do mesmo lugar algo que tenha valor comercial, quando é isso que conseguimos identificar nele – as jazidas minerais, por exemplo. E de tanto retirar o minério, alguns trechos de nossas serras já podem ser desenhados com régua.
No manejo do território, a paisagem atual corresponde à original, acrescida das marcas características da presença humana, que idealiza suas transformações e as realiza com voracidade, alterando-lhe as feições. A malha urbana começa a ganhar espaço numa trama urdida sobre o relevo.
Belo Horizonte e a Serra do Curral travam um difícil diálogo há mais de um século. Mas há tempos seus moradores não conseguem mais viver em um só tipo de paisagem – a concretamente “urbanizada” e a naturalmente intocada. Aliás, nem há mais territórios que ainda não foram antropisados. As paisagens-da-cidade pedem desesperadamente a convivência harmoniosa com as paisagens-da-serra ou vão se devorando aos poucos numa verdadeira disputa territorial patrocinada pela especulação imobiliária e pela fome dos britadores.
A paisagem natural continua sendo o objeto preferencial de nossa contemplação, servindo inclusive de alimento espiritual. Essa “vista” queremos mantê-la intacta, bela e perfeita como foi encontrada e querida por nossos antepassados. Mas embora desejando isso ainda não sabemos como morar nela a não ser observando-a, idealizando-a, preservando-a ou destruindo-a, numa sucessão de desconstruções dos fazeres equivocados até que encontremos finalmente, nas ruínas, o projeto original de nosso primeiro desejo: o de viver em definitiva harmonia nesta cidade que nos acolhe: Belo Horizonte – a paisagem desejada.
Rosa Maria Alves Pereira, Belo Horizonte MG Brasil