Aproveito o ciclo de debates e a exposição de livros espanhóis Listos para leer, que esteve em cartaz no Centro Cultural São Paulo (21 a 23 de março 2007), para refletir um pouco sobre a produção do livro, do ponto de vista editorial e do design gráfico.
Tanto a exposição quanto o ciclo de debates integram as ações para a difusão das políticas públicas espanholas para o desenvolvimento do design como atividade econômica. Na Espanha, a atividade do design é responsabilidade do Ministério da Indústria e das Relações Internacionais. Os programas desenvolvidos pelo governo, como por exemplo este a que fomos apresentados no ciclo – da DDI Sociedad Estatal para el Desarrollo del Diseño y la Innovación, www.ddi.es –, buscam sensibilizar empresas para as vantagens do design como ferramenta de negócio. Também faz parte das principais atividades do DDI motivar a produção nacional através de premiações, exposições e publicações.
Segundo Pedro da Silva Costa Cabrera, o palestrante do DDI no ciclo, investir na inovação como diferencial de produtos e serviços, significa aproximar indústria e empresas das universidades. Para ele, a formação do designer deve focar a gestão estratégica, o desenvolvimento sustentável e atingir um nível de excelência tal, que os resultados contribuam para a formação de uma marca-país. Ou seja, que a inovação e a excelência da produção (produtos, moda, projeto gráfico) seja sinônimo de design espanhol, atribuindo valores de identidade da cultura espanhola a seus produtos.
É tentador considerar que vivemos uma realidade muito distinta. No entanto, percebo que o caráter globalizante do design nos aproxima de muitas dessas questões. Embora não tenhamos uma entidade como o DDI, nem políticas públicas definidas e efetivas, todas essas questões fazem parte do nosso cotidiano profissional, das relações com nossos clientes, nossos programas de ensino de design e contribuem para o estabelecimento de uma cultura do design.
Da experiência desses três dias de debates, entre as conjunturas espanhola e brasileira, percebo algumas semelhanças e não somente diferenças – a começar pelos livros da própria exposição, cujo desenho não me parece surpreendentemente novo. Trata-se de um design próximo ao que fazemos, seja porque temos acesso às mesmas fontes, seja porque a produção editorial brasileira atingiu, nesses últimos anos, um bom nível de diagramação e produção gráfica.
A diferença me parece mais acentuada se tratarmos das oportunidades para o mercado editorial, ou seja, a demanda. No entanto, compondo a mesa no primeiro dia do ciclo de palestras, Auguto Massi, editor geral da editora Cosac & Naify, traçou uma trajetória do design do livro através da poesia moderna e contemporânea e compartilhou sua experiência nesse momento privilegiado da editora, que completa 10 anos. Segundo Massi, há investimento na produção – não só em títulos, mas em design –, demanda, retorno do leitor, e o que considero particularmente relevante: os livros editados pela Cosac & Naify alimentam o repertório para a formação da cultura do design gráfico – seja sob o ponto de vista da linguagem e da produção gráfica, seja nos resultados de vendas, na construção/repercussão da marca da editora.
Evidentemente, o cenário apresentado por Massi é excepcional. Ele próprio gostaria de registrar esse momento, por entendê-lo como particular no mercado editorial brasileiro, onde editor e designer tem grande envolvimento nas etapas de trabalho. A editora tem uma equipe de design própria, designers colaboradores e um conselho editorial para a publicação de títulos sobre design. Cabe aqui, ressaltar que somado a isso, há um crescente público muito especializado, estudantes de design capacitados, que certamente causarão algum impacto no uso, consumo e interlocução do design.
O ensino do design foi o tema proposto para o segundo dia do ciclo. Na mesa, a representante espanhola, a professora Ana Calvera Sagué, da Universidad de Barcelona, nos surpreendeu ao informar que a produção acadêmica brasileira sobre design, apresentada em congressos internacionais, supera em número a espanhola. E que a estrutura do ensino formal brasileiro está em paridade com o sistema de reconhecimento e a avaliação desses cursos pelos órgãos competentes (MEC, CAPES, por exemplo). O professor e designer Francisco Homem de Melo, reforçou a importância do desenvolvimento de projetos nas linguagens de interface com o design (arquitetura, cinema, por exemplo), como atividade complementar às disciplinas de Projeto, nos cursos de graduação em Design.
No entanto, a ênfase da noite, foi a preocupação do público (alguns poucos designers e professores e muitos estudantes) sobre a quantidade de cursos de design que proliferam no país. A principal dúvida é de como o mercado poderá absorvê-los. Particularmente, não penso que isso seja relevante. Há um novo paradigma que devemos nos acostumar: a atividade do design perde um pouco de sua áurea com a popularização. Torna-se uma atividade qualquer, que atrai candidatos interessados na remuneração, nas possibilidades de atuação nas várias atividades afins, em alguns cargos (diagramadores, webdesigners), na possibilidade de administrar um pequeno negócio. Mas, por outro lado, tantos egressos colaboram com a construção de uma cultura do design no país, que pode ser revertida em demanda de trabalho.
Os integrantes da mesa do terceiro e último dia do ciclo surpreenderam o diretor do centro cultural ao não responder de forma direta à indagação sobre o novo design, tema proposto pelo ciclo. Na fala dos três designers – Isidro Ferrer, o convidado espanhol, Kiko Farkas e Marcelo Aflalo – havia algo em comum: o ato de colecionar. Seja objetos, temas, tempo, histórias. O que observamos no trabalho autoral desses designers – Ferrer apresentou seu trabalho de ilustração para o livro das perguntas de Pablo Neruda (Libro de las preguntas, da Editora Media Vaca) – é a sua relação com o mundo táctil, suas referências em literatura e artes visuais, suas experiências sensoriais. Kiko Farkas nos lembrou da disponibilidade afetiva que devemos experimentar no nosso envolvimento com a atividade do design, e, Marcelo Aflalo propôs desenvolvermos a aptidão em descobrir a vocação das coisas que se tornarão peças de design. Contrapondo esses aspectos de dimensão analógica – memória, repertório, experiências sensoriais – aos digitais, podemos corroborar com a proposta de Ferrer, Farkas e Aflalo: que as tecnologias limitem-se ao seu papel de ferramenta do design.
Exposição, palestras e debates em design gráfico são raros e bem vindos. Até nisso, o nosso momento parece favorável. O público que compareceu ao ciclo superlotou o espaço destinado a ele, no Centro Cultural. Podemos dizer que o assunto desperta interesse e a profissão está na moda. Agora, cabe a nós, designers, aproveitarmos esta difusão e movimentarmo-nos na direção do empresariado, do consumidor e das instituições governamentais. Para isso são necessários o desenvolvimento de projetos gráficos cada vez mais eficazes e conscientes, a produção intelectual, a organização do segmento e a reflexão mais abrangente, evitando o discurso auto-referente, como sugeriu a jornalista Adélia Borges, /clientes/vitruvius/mediadora de uma das mesas do ciclo. Precisamos descobrir o que nos move e incentivar as novas gerações a se organizar em torno de interesses comuns, uma vez que a mobilização de uma categoria profissional nos moldes já praticados parece não fazer mais sentido.
notas
[publicação: maio 2007]
sobre o autor
Marise De Chirico é designer gráfico, sócia do estúdio Estação Design Gráfico e professora de projeto no curso de Design da ESPM.
Marise De Chirico, São Paulo SP Brasil