A décima sessão do SIGRADI, ocorrida em Santiago do Chile do dia 21 ao 23 de novembro passado, marcou o início de uma nova fase do ciclo de simpósios da Sociedad Ibero-Americana de Gráfica Digital. Nessa última edição do congresso foi possível verificar que ainda existe uma grande diferença na maneira como a informática é aplicada na arquitetura na América Latina e nos países desenvolvidos. Esta hipótese foi também observada por Pupo (2007) em um estudo comparativo entre teses e dissertações desenvolvidas no Brasil e no exterior de 1999 a 2006 nas áreas que envolvem representação digital e metodologia do projeto com o uso da informática. Enquanto nos países desenvolvidos existe uma grande preocupação em customizar aplicativos e introduzir técnicas da inteligência artificial no processo de projeto, muitas vezes por meio do uso da programação, na América Latina esse tipo de aplicação ainda é raro.
O SIGRADI foi criado em 1997, com o objetivo de promover o debate sobre o estado da arte no desenvolvimento e aplicações da computação gráfica na arquitetura e desenho industrial. Contudo, pode-se distinguir, ao longo de seus congressos, uma evolução nesse enfoque inicial. No início havia uma maior preocupação com os aspectos pedagógicos do projeto assistido por computador. Em seguida, passou-se a uma discussão sobre a inclusão do CAD nos ateliers de projeto, o uso da computação gráfica para a representação realista, e as aplicações dos sistemas de informação geográfica. A essa fase seguiu-se um interesse pelos ambientes colaborativos remotos, e só mais recentemente começaram a surgir discussões sobre o uso da programação e de técnicas de inteligência artificial nas etapas iniciais do projeto. O objetivo dos organizadores do Sigradi 2006 foi deliberadamente introduzir de maneira definitiva esse tema na lista de assuntos tratados no congresso. Não por acaso alguns desses organizadores, docentes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Chile, freqüentam atualmente cursos de pós-graduação nos Estados Unidos e convidaram alguns de seus orientadores para serem palestrantes no evento.
O tom da conferência foi dado não apenas por esses palestrantes, mas também pela presença de uma porcentagem de pesquisadores provenientes dos Estados Unidos e Europa maior que aquela observada nos congressos anteriores. Esse fato, que pode ter resultado de uma boa estratégia de divulgação, ou mesmo da beleza da cidade hospedeira, também contribuiu para que a temática predominante fosse relativa a questões mais atuais e avançadas que as costumeiras. Isso não significa que não tenha havido demonstrações de inovação por parte de brasileiros e demais sulamericanos, e prova disso é o trabalho dos chilenos Rodrigo Culagovski e Sebastián Guevara (Fig.1), mas a participação desse novo público parece ter contribuído para a renovação do repertório e avanço dos temas discutidos.
A palestra de abertura foi proferida por Thomas Kvan, ex-aluno de Leslie Martin na Universidade de Cambridge, e um dos pioneiros do computational design, área que estuda as aplicações da lógica matemática na geração de formas. Kvan publicou em 1997, juntamente com William Mitchell e Robin Liggett, o livro The Art of Computer Graphics Programming, um dos primeiros livros de programação de computadores destinado à exploração generativa da forma arquitetônica. Após ter lecionado por diversos anos na Universidade de Hong Kong, Kvan assumiu em 2005 o cargo de diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Sydney, na Austrália. O professor Kvan apresentou sua "abordagem digital" da pesquisa sobre desenho urbano em Hong Kong, em que a informática foi usada para estudar de modo dinâmico diferentes alternativas de densidade habitacional, realizar comparações entre diferentes gabaritos e desenvolvimer propostas de soluções parametrizadas para espaços peatonais. Sua palestra terminou com a apresentação do processo de projeto digital utilizado no desenvolvimento de uma proposta para o concurso para a baia de East Darling (Fig.2), juntamente com sua esposa, a arquiteta Justyna Karakiewicz. Segundo Kvan, a experiência demonstrou que a intenção de projeto pode ser expressa por meio de bases de dados e algoritmos, que nesse caso foram implementados no software CATIA.
O segundo dia do congresso teve início com a palestra do professor Michael Batty, diretor do Centre for Advanced Spatial Analysis (CASA) da University College de Londres, com o tema "Visualizing the city". Batty, que também faz parte do seleto grupo de pioneiros do CAD, começou sua carreira estudando as aplicações da geometria dos fractais na simulação da evolução das cidades (Batty e Longley, 1996). Batty é também um dos precursores do uso dos sistemas de informação geográfica no desenho urbano. Segundo ele, os SIGs tendem a convergir com os sistemas CAD. O professor apresentou um histórioco da evolução dos sistemas de representação digital, finalizando sua palestra com a apresentação de um modelo digital da cidade de Londres de enorme complexidade desenvolvido no CASA. O projeto, denominado Virtual London (Fig.3), tem como objetivo disponibilizar publicamente, por meio do Google Earth, um ambiente virtual com grande riqueza de detalhes, que deverá ser constantemente atualizado por seus usuários. Batty enfatizou que esse tipo de representação não se restringe aos aspectos geométricos do espaço urbano, mas inclui bases de dados que permitem a demarcação de buffers com o resultado do cruzamento de informações, e a realização de simulações, como por exemplo prever o impacto da construção de edifícios altos em termos de aumento do tráfego nos arredores, linhas visuais e outros problemas.
A palestra de John Frazer encerrou o segundo dia do congresso. Frazer é um dos pioneiros do evolutionary design, que consiste na aplicação de técnicas da inteligência artificial - em especial algoritmos genéticos, automatos celulares e redes neurais - na geração e otimização de estruturas espaciais. Em seu livro An Evolutionary Architecture, de 1995, Frazer relata seus 30 anos de pesquisas sobre processos generativos e morfogênese, propondo um paralelo entre a criação de formas arquitetônicas e a evolução natural. Em sua apresentação, intitulada "Computers without computers: exploring the possibilities for post-digital design", Frazer disse que os "agentes para a mudança" de paradigma no uso dos meios digitais na arquitetura seriam os building information models, a prototipagem e otimização virtuais, as ferramentas computacionais "ativas", e as técnicas generativas e evolucionárias, que incluem o projeto paramétrico, a combinatória a substituição, os agentes, as teorias matemáticas e a subdivisão recursiva. Segundo ele, nesse novo paradigma, ao invés de projetar edifícios diretamente, o arquiteto projetaria sementes (acorns) capazes de se adaptarem às mais variadas situações físicas do entorno. Nesta abordagem do projeto arquitetônico a arquitetura é vista como "uma forma de vida artificial." À nossa pergunta "How much programming an architect needs to design the acorn?" o professor Frazer respondeu
"Unfortunately a lot , for at least seven or ten years."
Contudo, ressaltou que a qualidade do produto sempre dependerá do arquiteto, e não apenas do programa ou técnica utilizada. Frazer, que é diretor da School of Design da Queensland University of Technonogy, na Austrália, enfatizou que “para que o arquiteto possa explorar e incorporar as novas técnicas, é fundamental a reorganização das funções pré-estabelecidas", o computador deve ser visto como um "acelerador evolutivo", mas o usuário "pode intervir, com o objetivo de estabelecer suas preferências”.
No terceiro dia do congresso houve palestras de Eduardo Lyons, único palestrante convidado sulamericano, docente da Universidade do Chile, e de seu orientador do Georgia Institute of Technology, Charles (Chuck) Eastman. Enquanto Lyons apresentou a pesquisa que desenvolve atualmente no laboratório de madeiras da Georgia Tech, com uso intensivo de técnicas de fabricação digital, Eastman apresentou palestra intitulada "Redesigning architecture". O professor começou a desenvolver pesquisas sobre Computer-aided Building Design (CABD) na década de 60 na Universidade Carnegie Mellon, junto a Herbert Simon (ver, por exemplo, Eastman 1968). Em sua apresentação, Eastman enfatizou a importância do Building Information Model (BIM), avançados modelos paramétricos de edifícios. Contudo, lembrou que ainda são comuns situações incoerentes, como a produção artesanal de peças para a construção do "Bubble Gymnasium" na China, apesar do mesmo ter sido totalmente projetado em um sistema BIM pelo escritório de Herzog e DeMeuron.
No dia seguinte ao encerramento oficial do SIGRADI ocorreram ainda duas importantes atividades relacionadas ao congresso: uma palestra do professor Batty sobre seu livro Fractal Cities, destinada aos professores do programa de pós-graduação em planejamento urbano da Universidad de Chile, e uma apresentação dos projetos desenvolvidos no workshop "Soluciones de Diseño Computacional", que aconteceu paralelamente ao congresso. Em sua segunda palestra da semana, desta vez dirigida a um público mais homogêneo e interessado especificamente nas questões urbanas, Batty pode atingir um maior nível de profundidade na descrição de sua teoria de modelagem do processo de crescimento das cidades segundo a geometria fractal. O professor iniciou sua fala mostrando um ramo de Jacarandá Mimoso e explicando que esses ramos crescem em direção à luz, porém mantém sempre um espaçamento entre as folhas de modo que uma não sufoque as outras. Da mesma forma que os ramos das árvores, os pulmões, os corais e outras estruturas naturais, a cidade precisa, por um lado, crescer - mas por outro lado precisa absorver "alimento", por meio do máximo possível de superfície de exposição a esse "alimento" (Fig. 4). Seu "alimento" são os parques, as áreas verdes, os corpos d'água, enfim, aquilo que dá qualidade de vida a seus moradores. Ao crescer sem deixar esses insterstícios a cidade atinge um limite de crescimento a partir do qual fica estaganda. Segundo Batty, simuladores de fractais permitem desenvolver modelos paramétricos que nos ajudam a perceber o que faz com que uma cidade "morra", como uma planta sufocada, e que estratégias espaciais podem torná-la mais "viçosa".
À palestra de Batty, seguiu-se a apresentação dos resultados do workshop "Soluciones de Diseño Computacional". O workshop teve como objetivo "aproximar os participantes do SIGRADI da programação de computadores, entendida como uma ferramenta que permite explorar o projeto além das estratégias tradicionais de geração do espaço e da forma" (www.espaciosdigitales.org/santiago). Tendo como instrutores três alunos de pós-graduação do programa de Design & Computation do Massachusetts Institute of Technology e um professor local, o workshop consistia em um mini-curso de scripts para Rhino seguido do desenvolvimento de projetos arquitetônicos conceituais com as ferramentas apresentadas. Apesar de não possuirem qualquer experiência anterior em programação, os participantes do workshop, em sua maioria alunos de graduação em arquitetura da Universidad de Chile, foram capazes de desenvolver trabalhos muito interessantes, como o da Fig. 5, apresentado. Além de apresentar imagens digitais de seus projetos, as equipes apresentaram também maquetes físicas desenvolvidas com sistemas de fabricação digital como a que aparece na Fig. 6. Na apresentação final, Pablo C. Herrera, um dos instrutores, enfatizou que o uso da programação permite converter um software comum em um verdadeiro aplicativo paramétrico.
Em resumo, é possível concluir que, em sua décima edição, o SIGRADI atingiu finalmente sua maturidade, evoluindo para um nível mais avançado em termos de compreensão do uso dos meios digitais na produção da arquitetura - um uso que vai muito além da representacão, e que inclui desde a geração até a modelagem paramétrica e a fabricação digital do edifício. O único inconveniente agora é a grande expectativa que se coloca com relação ao próximo evento, que ocorrerá em novembro deste ano no México. Esperamos que o 11º SIGRADI seja também cheio de surpresas!
notas
[publicação: julho 2007]
referências bibliográficas
BATTY, M. e LONGLEY, P. Fractal Cities. London, Academic Press, 1996.
CULAGOVSKI, R. e GUEVARA, S. "Arquitectura, datos y forma: una primera aproximaciona instrumental". In: SOZA, P. (org.) Anais do X Sigradi. Santiago, Universidad de Chile, 2006, p.268-272.
EASTMAN, C. E. Explorations of the cognitive processes in design. Pittsburgh, Dept. of Computer Science, Carnegie-Mellon University, 1968.
FRAZER, J. An Evolutionary Architecture. London, Architectural Association, 1995. (Disponível em www.aaschool.ac.uk/publications/ea/intro.html).
MITCHELL, W. J.; LIGGETT, R. S. e KVAN, T.. The Art of Computer Graphics Programming, a Structured Introduction for Architects and Designers. New York, Van Nostrand Reinhold, 1987.
sobre o autor
Gabriela Celani é professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da FEC-UNICAMP, Ph.D. em Design & Computation pelo MIT (2002) e membro do Comitê Científico Internacional do SIGRADI
Regiane Pupo é aluna do programa de doutorado em engenharia civil da FEC-UNICAMP
Gabriela Celani e Regiane Pupo, Campinas SP Brasil