Em 21 de agosto de 2008 tive o privilégio de assistir, no IAB – Rio de Janeiro, a uma mesa redonda com dois dos maiores paisagistas brasileiros: Rosa Grena Kliass e Fernando Chacel. Foi um encontro onde os dois profissionais responsáveis pelo desenvolvimento do ofício no país discutiram vários aspectos de seus projetos e chegaram a reflexões sobre o papel do paisagista na cena contemporânea, e do potencial do paisagismo para colaborar com a sustentabilidade das cidades.
Assistimos hoje à massificação de projetos que atendem a um mercado imobiliário que oferece os mesmos “produtos” em qualquer lugar do país. Como disse Rosa: “não pode haver uma demanda de qualidade se não houver uma oferta de qualidade”. Pode-se encontrar em quase qualquer lugar do mundo os mesmos padrões estéticos, é a globalização descaracterizando a diversidade e tirando o “espírito do lugar” dos lugares. Essa pasteurização estética que já não é mais só importada da França ou da Inglaterra, mas globalizada, tem fortes impactos nos ecossistemas locais, na biodiversidade e na aniquilação da cultura local. Segundo Rosa: “os projetos precisam ter significados, senão vira tudo Disneylândia”.
Chacel destacou que o paisagista possui um novo e importante papel para a sustentabilidade do planeta. Enfatizou que não basta fazer jardins com finalidades “cosméticas”, mas há que se olhar e trabalhar com a paisagem, a partir de um conhecimento holístico, integrado. Projetar a paisagem, nas suas diversas escalas, juntamente com profissionais de diversas especialidades de forma pluri, inter e trans-disciplinar. Conhecer o suporte físico (geomorfologia, hidrologia, solos etc.) e os ecossistemas associados (considerando flora e fauna) é fundamental para atuar de forma consciente e sustentável ao longo do tempo. Não se pode mais, nesse novo milênio, fazer apenas jardins “cosméticos”. Ele acredita que existe uma estética ecológica, caótica. Afirmou que essa nova estética não é nada do que fez até agora, mas está certo de que ela virá.
A partir disso, passei a refletir sobre o que vi e aprendi ao participar de dois eventos multidisciplinares internacionais:
- 7th IALE World Congress 2007 - Congresso de Ecologia da Paisagem Mundial, em Wageningen, Holanda, em julho de 2007;
- URBIO2008, Third Conference of the Competence Network Urban Ecology – Urban Biodiversity & Design - Implementing the Convention on Biological Diversity in towns and cities, em Erfurt, Alemanha, em maio desse ano.
No congresso do IALE (International Association of Landscape Ecology), tive a oportunidade de assistir a inúmeras palestras e apresentações de trabalhos de profissionais de diversos países de áreas relacionadas com a paisagem. Muitos dos mais importantes pesquisadores dessa área estavam presentes, como Zonneveld, Forman, Opdam, entre incontáveis outros. Também participaram pesquisadores brasileiros como Ana Luiza Coelho Netto, do Geoheco-UFRJ, Jean Paul Metzger e Vânia Pivello, da Ecologia da USP, com suas respectivas equipes. Estavam presentes também renomados paisagistas que atuam em inúmeros países, onde o Brasil foi representado por Paulo Pellegrino, da FAU-USP. Entre os estrangeiros, vale destacar Joan Nassauer, Jack Ahern, Junsuk Koh, Kongjiang Yu entre muitos outros.
A cidade de Wageningen, onde aconteceu o congresso, é o centro da Ecologia. Isso se reflete nas ruas, praças e parques. O centro de convenções onde ocorreu o congresso é uma construção ecológica, que fica camuflada pela vegetação, e só é notada quando se está de frente para ela. Foi o meu primeiro contato real com a estética ecológica, que está presente em praticamente todos os lugares.
Além das discussões sobre Ecologia da Paisagem, aconteceu uma jornada sobre Ecologia Urbana, onde se debateu a importância do projeto paisagístico ecológico em áreas urbanas, consolidadas ou não. Pesquisas estão sendo feitas em diversos países, e paisagistas desempenham um importante papel nesse cenário. Esse evento aconteceu numa edificação construída para ser auto-sustentável, o que inclui o seu entorno com um grande jardim naturalístico. A nova estética ecológica também está presente (Fotos 1 e 2).
Após o congresso fomos visitar o projeto do Landschaftspark Park de Peter Latz, em Duisburg na Alemanha. Trata-se de uma siderúrgica desativada na bacia do rio Emscher, tributário da bacia do Rhur, que por sua vez é contribuinte da bacia do Reno. Esse projeto data de 1991. Sem mexer nas construções existentes que foram utilizadas como equipamentos do parque, muitos surpreendentes, como fazer mergulho de profundidade na antiga torre de reservatório de gás. Latz deixou que a água entrasse e tirou partido disso. A vegetação foi introduzida visando a ecologia do local, a biodiversidade, o tratamento das águas do rio. Hoje o rio é novamente um rio vivo. A nova estética ecológica, a do caos também está presente nesse projeto (Fotos 3, 4, 5, e 6). O parque é parte de um projeto integrado de restauração da bacia do rio Rhur, uma das áreas mais degradadas da Alemanha, que hoje atrai turistas de todo o mundo com seus projetos inovadores.
O evento de biodiversidade urbana na Alemanha, em maio último, começou com uma visita a um parque para a educação sobre a paisagem (Landscape Education Park University of Applied Sciences Erfurt). Uma parte do parque é uma espécie de mini jardim botânico com fins de experiências estéticas com plantas locais. A outra parte é destinada a experiências de fsustentabilidade da paisagem em diversas situações, como áreas de estacionamento, calçadas, caminhos, grande áreas abertas, outras arborizadas e ajardinadas Fotos 8 e 9). Leva em conta não só a questão da biodiversidade, mas da drenagem, da reciclagem de materiais para uso em áreas externas. Aí também se pode identificar a estética ecológica, e é surpreendente como pode ser bela, apesar do aparente caos (Fotos 7).
Esse encontro contou com pesquisadores e profissionais de diversas áreas relacionadas com a biodiversidade urbana. Um dos tópicos foi coordenado por uma paisagista russa, radicada na Nova Zelândia, Maria Ignatieva. Como o foco era a biodiversidade, a ênfase foi em pesquisas e projetos que dão sustentabilidade à vida, não só fauna e flora, mas em última instância do próprio homem. Mais de 250 trabalhos foram apresentados, representando mais de 50 países de locais tão diferentes como Indonésia, Romênia, África do Sul e Índia.
A paisagem da cidade de Erfurt, onde se realizou esse evento está sendo renaturalizada, seus rios estão sendo reabertos e despoluídos, vegetação exótica invasora erradicada, a drenagem tratada de forma mais natural, com respeito pelos canais naturais. Aqui também pode-se ver a estética ecológica. A busca pela associação das espécies como se encontram nos ecossistemas naturais, com o emprego da fito-sociologia vegetal nos projetos paisagísticos (Foto 10).
O parque Shöneberger Sudgelände, em Berlim é um exemplo do que vem sendo feito no país. Fica ao sul da cidade, onde existia o entroncamento da malha ferroviária, que foi desativada e ficou abandonada por mais de 40 anos. Essa área iria ser ocupada por uma nova estação ferroviária, mas felizmente foi transformada em um parque ecológico. No master plan ÖkoCon & Planlands tiraram partido da regeneração natural da vegetação, mantiveram as estruturas remanescentes e transformaram num parque de grande visitação pela população local, além de se tornar um ponto de atração turística (Fotos 11 e 12).
Esses casos ilustram a atualidade e o pioneirismo de Chacel e Rosa no contexto paisagístico brasileiro. Tanto os projetos de Rosa Kliass para o Parque da Juventude em São Paulo, e o Mangal das Garças, em Belém, como os projetos ecogenéticos de Chacel nos fazem refletir sobre o papel do paisagismo na recuperação e sustentabilidade de nossas paisagens urbanas e rurais. O conhecimento e criatividade combinados com humildade e lucidez, de Rosa e Chacel, devem ser amplificados para que possam iluminar os caminhos do paisagismo no país, através das sementes e frutos por eles gerados.
referências bibliográficas
BARTALINI, Vladimir. “Paisagismo e ecogênese”. Resenhas Online, nº 005. São Paulo, Portal Vitruvius, dez. 2001 <www.vitruvius.com.br/resenhas/textos/resenha005.asp>.
BARBOSA, Antônio Agenor de Melo. “Fernando Chacel e a consciência ecológica e ambiental”. Entrevista com Fernando Chacel. São Paulo, Portal Vitruvius, jan. 2004 <www.vitruvius.com.br/entrevista/chacel/chacel.asp>.
links
Parque da Juventude, de Rosa G. Kliass
www.arcoweb.com.br/arquitetura/rosa-grena-kliass-primeira-etapa-20-04-2009.html
www.arcoweb.com.br/arquitetura/rosa-grena-kliass-arquitetura-paisagistica-segunda-etapa-01-03-2009.html
Peter Latz
www.latzundpartner.de
www.landschaftspark.de/
Sudgelände Nature Park
www.gruen-berlin.de/suedEN/index.php
http://architecture.mit.edu/class/nature/student_projects/2007/zlamb/urban-nature/sudgelande/sudgelandscapedesign.html
URBIO 2008
www.urbio2008.com
sobre o autor
Cecilia Polacow Herzog possui graduação em Administração de Empresas, pelas Faculdades Cândido Mendes, graduação tecnológica em Paisagismo pela Universidade Veiga de Almeida, coordenada por Fernando M. Chacel, e especialização em Preservação Ambiental das Cidades, no Instituto Metodista Bennett. Mestranda em Urbanismo, no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro - PROURB-UFRJ
Cecilia Polacow Herzog, Rio de Janeiro RJ Brasil