Esse ano as trágicas lições foram oferecidas especialmente por Santa Catarina, mais especificamente pelas cidades de seu Vale do Itajaí. Mas lições idênticas são dadas anual e recorrentemente por Nova Friburgo, Ouro Preto, Petrópolis, Rio de Janeiro, Campos do Jordão, Belo Horizonte, Recife, Salvador, São Paulo e tantas outras cidades brasileiras que têm sua expansão urbana avançando sobre áreas de relevo mais acidentado e encostas geotecnicamente instáveis.
Nessas condições, as expansões urbanas têm generalizadamente se pautado pela completa ausência de planejamento e qualquer critério técnico mais adequado às características geológicas dos terrenos utilizados. Não por outro motivo, como verdadeiras e ostensivas agressões à Natureza, têm composto o cenário de graves acidentes geológicos associados a escorregamentos e enchentes. Os milhares de cidadãos brasileiros que em tempos passados e contemporâneos já morreram soterrados por essas avalanches de lama e rocha deveriam ao menos representar para todos o eloqüente aviso que a própria Natureza nos passa já há séculos: em nossas regiões tropicais e subtropicais úmidas de relevo acidentado há encostas que não devem ser ocupadas de forma alguma e há trechos de encostas que podem ser ocupados, mas desde que obedecidos rígidos critérios técnicos a elas adequados.
A drástica redução desses trágicos acidentes geotécnicos pode ser alcançada com a combinação de três providências, respectivamente associadas à área técnica, à área social e à área política.
A primeira providência diz respeito à necessidade de praticar o planejamento urbano também sob a ótica geológica, o que na prática decorrerá da decisão de incluir no Estatuto das Cidades a obrigatoriedade dos Planos Diretores e dos Códigos de Obra municipais referenciarem-se a uma Carta Geotécnica. É a Carta Geotécnica que, caracterizando os diferentes tipos de terrenos do município, definirá quais áreas não poderão ser ocupadas de forma alguma e que áreas poderão ser ocupadas uma vez obedecidos os devidos critérios técnicos.
A segunda providência diz respeito à implementação de um ousado Programa Habitacional que consiga proporcionar moradias dignas ao alcance do orçamento das famílias de baixa renda. Hoje, via de regra, uma família de baixa renda joga com as seguintes variáveis para conseguir ter uma moradia própria que caiba em seu parco orçamento: grandes distâncias, periculosidade, insalubridade, desconforto ambiental, precariedade construtiva e irregularidade fundiária. Essa a origem social da vertiginosa instalação de áreas de risco geotécnico nas zonas de expansão urbana de nossas cidades.
A terceira providência, de caráter político e jurídico, diz respeito à responsabilização criminal dos administradores municipais que, por não haverem tomado as providências cabíveis, possam comprovadamente ser responsabilizados por acidentes geotécnicos com vítimas humanas e perdas patrimoniais. Não é correto e justo que ações indenizatórias associadas a cidadãos vitimados por estes acidentes sejam quitadas com dinheiro público da municipalidade. Isso deseduca pela impunidade implícita, acabando por colaborar para a repetição dos acidentes. Ou seja, não é à figura jurídica da municipalidade que deve ser solicitado o ressarcimento associado a tragédias geotécnicas, mas sim à figura física dos administradores que por elas tenham sido responsáveis.
sobre o autor
Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo, ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-diretor da Divisão de Geologia, Pesquisador V Sênior pelo IPT, autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”.
Álvaro Rodrigues dos Santos, São Paulo SP Brasil