A principal exposição de arquitetura da América do Sul vem ecoando desde sua abertura, numa noite de Halloween, no pavilhão de Oscar Niemeyer no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, Brasil. Artistas e pintores ainda decoravam o local quando o público irrompeu a vastidão de um dos maiores edifícios do “L'homme de Rio” (2) em São Paulo: o pavilhão Ciccillo Matarazzo. Serpenteando pelas rampas que cruzam o vazio central, todos ali buscavam as instalações da 8ª Bienal de Arquitetura de São Paulo (3). Talvez por causa do título escolhido pelos curadores – da seção paulista do Instituto Brasileiro dos Arquitetos – para esta edição, “Ecos urbanos” (um acrônimo para os quatro temas da exposição: espacialidade, conectividade, originalidade e sustentabilidade), os imensos pisos do edifício pareçam particularmente vazios.
A imprensa brasileira é crítica em relação ao evento. Entre outros aspectos, compara esta edição da bienal às anteriores (4), queixando-se de que há uma drástica redução no número de países participantes do evento. Em uma nação que corre aceleradamente rumo ao agressivo progresso para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, esta condição parece contradizer o que é percebido no Brasil como um movimento de crescimento ilimitado. Na verdade, não é a crise econômica que produziu tal situação, mas um complexo desequilíbrio dentro da instituição que organizou o evento. Mas, como Paulo Mendes da Rocha gosta de dizer: “a fragilidade é a força do Brasil”!
A polêmica está no coração da arquitetura paulista. Quando, na primeira edição da Bienal de Arquitetura de São Paulo, Le Corbusier recebeu o prêmio Internacional por seu Museu do Crescimento Ilimitado, a Unidade de Habitação em Marselha e a capela de Ronchamps, Vilanova Artigas acusou-o, e ao júri estrangeiro, de imperialismo.
De modo tipicamente brasileiro, os visitantes não se surpreendem e tentam adaptar-se à organização “em cima da hora” e à ausência de regras claras para a exposição. Fazemos um esforço para assumir a atitude do público, em sua maioria, local. Sem tentar encontrar o glamour de outras mostras internacionais de design global, sem buscar a engenhosidade das instalações ou a capacidade de surpreender nossa expertise em feiras e festivais de arquitetura, decidimos procurar apenas as boas propostas... e encontramos muitas!
Entre os países estrangeiros, emerge a estrela vermelha da representação portuguesa, “Cinco Áfricas Cinco Escolas”. Graças à gentileza usual do coordenador executivo Manuel Henriques e da direção do DGArtes-Lisboa, ela oferece uma oportunidade pós-colonial para conectar três continentes por meio de temas comuns de projeto, em oposição à “generosidade” imperial da re-proposição, pela França, do projeto apresentado na Bienal de Veneza.
A exposição holandesa, numa espécie de espaço laboratório-biblioteca (5), é brilhante, embora se trate mais de uma proposição de âmbito nacional. O cerebral projeto neo-localista do ZUS, o inteligente Park Supermarket de Van Bergen Kolpa Architecten e uma engenhosa obra do MUST são mapas da Holanda e mostram o quanto essa realidade está viva no país, mas temos que olhar para a pesquisa do OMA/AMO no Mar do Norte para encontrar uma reflexão que ultrapasse as fronteiras holandesas.
A presença da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Hong Kong mostra as estratégias além-mar de uma instituição que tenta atrair estudantes do mundo todo. Aqui podemos encontrar uma remontagem da proposta de Joshua Bolchover e John Lin para uma ecologia rural-urbana, mostrada na Bienal de Veneza em 2008, além de uma análise dos hiper-edifícios de Hong Kong – que oferecem algumas sugestões de como olhar para a ocupação brasileira e latino-americana do território.
Um pouco menos ambígua é a participação da Alemanha, na qual paineis de papelão em forma de favo defendem soluções mais sustentáveis. Embora também limitada a uma perspectiva nacional, a exposição “Cidade para Todos” introduz uma abordagem mais amistosa e genérica ao questionar concepções para o futuro da cidade.
Temas notáveis estão escondidos na montagem modesta e pouco atraente da seção brasileira. Entre esses paineis singelos podemos encontrar pequenos tesouros, tais como a proposição de Marcelo Barbosa e Jupira Corbucci, que usa os campos de futebol existentes nas favelas para programas sociais mais gerais. Um projeto despretensioso, nascido espontaneamente depois que o arquiteto notou, via Google Maps, a extensa presença desses espaços não-construídos nas áreas pobres de São Paulo. A proposta é uma ardilosa crítica aos gigantescos investimentos para a Copa do Mundo de 2014.
Do mesmo modo pobremente apresentado encontramos o Projeto Quadra a Quadra, desenvolvido pela equipe do arquiteto Ararê Sennes, com a ajuda de um dos maiores estudiosos da dinâmica da desigualdade urbana em São Paulo: João Sette Whitaker Ferreira. Mais que apenas design, o projeto é uma metodologia de transformação para permitir a renovação urbana gradual e sustentável, sem a expulsão dos residentes locais. Sua simplicidade põe em questão ações mais ambiciosas para o centro da cidade, tais como propostas de reutilização de torres abandonadas, como o celebrado projeto Momento Monumento, promovido pelos grupos franceses Coloco e Exyz.
Sobre o tema da invasão de espaços inconclusos, uma significativa contribuição vem do Vazio S/A Arquitetura e Urbanismo – famoso por projetar o cenário “Amnésias Topográficas” para o espetáculo Invento para Leonardo, concebido pelo grupo de teatro Armatrux, construído entre os pilares que sustentam edifícios residenciais no bairro de Buritis, em Belo Horizonte. Na Bienal, esse jovem escritório, liderado pelo arquiteto Carlos Teixeira, oferece uma reflexão local sobre “enxertos arquitetônicos” para sustentar, manter ou tornar habitáveis troncos de árvores, plantas e folhas: um pequeno catálogo de uma acessível e minimalista “arquitetura do verde”.
O predomínio de uma pesquisa sobre a paisagem tropical se destaca. Propostas menos interessantes, às vezes, contêm surpresas, como o Centro de Experimentos Florestais SOS Mata Atlântica em Itu. Aqui, os visitantes podem tomar contato com um “teto vegetal” que faz qualquer green wall da arquitetura sustentável recente, em comparação, parecer mirrada.
Essa criatividade geral é concluída pela mais tradicional, porém admirável, quantidade de projetos apresentados no estande da Secretaria de Estado da Cultura do Governo de São Paulo. Estes incluem a Escola de Circo e a sede do Fábricas de Cultura no Parque Belém, projetos do escritório Triptique e Patrick Bouchain, o Centro Musical de Campos do Jordão, do MMBB, e o Complexo Cultural Teatro de Dança, de Herzog & De Meuron. O último projeto – uma substituição da incrível estação rodoviária construída nos anos 1960 – é a principal operação do plano de ação para o Bairro da Luz, hoje conhecido como “cracolândia”. Um plano que também prevê intervenções como o complexo educacional Paula Souza, projeto de Francisco Spadoni e Pedro Taddei.
notas
1
Publicado originalmente na revista italiana Abitare: <www.abitare.it/events/fragility-is-the-strength/>. Tradução de Cristina Fino.
2
L'Homme de Rio (França, 1964), direção de Philippe de Broca, estrelado por Jean-Paul Belmondo e Françoise Dorléac. Ver trecho do filme no Youtube <www.youtube.com/watch?v=b2CBmyIahx4>.
3
8ª. Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo – Ecos Urbanos, Pavilhão da Bienal, Parque do Ibirapuera, São Paulo, de 31 out. 2009 a 06 dez. 2009.
4
Sobre a 5ª BIA, ver www.vitruvius.com.br/forum; sobre a 7ª BIA, ver <http://bienalsaopaulo.globo.com/arq/noticias/noticias_evento.asp?IDNoticia=139>.
5
Netherlands Architecture Institute – NAI <www.architectureofconsequence.nl>.
sobre o autor
Roberto Zancan obteve o título de PhD pelo IAUV – Universidade de Veneza – e é atualmente professor de História e Teoria do Design Ambiental na Escola de Design da UQAM – Universidade de Montreal, Canadá. É também co-curador do Fórum Internacional de Arquitetura de Natal. Publicou o livro Corrispondenze: teorie e storie dal landscape nell'epoca della ricostruzione e é membro fundador do estúdio de multimídia zD6, em Porto Marghera, Veneza, Itália.
Roberto Zancan, Montreal Canadá