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Quando se trata de pensar no movimento moderno na arquitetura brasileira, é importante voltar atrás e lembrar seus primórdios

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ELISA COSTA, Maria. Sérgio Bernardes e João Filgueiras Lima (Lelé). Drops, São Paulo, ano 10, n. 030.04, Vitruvius, jan. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/10.030/2112>.


Torres verticais para o Rio de Janeiro. Arquiteto Sérgio Bernardes, 1965 [Acervo Kykah Bernardes]


Quando se trata de pensar no movimento moderno na arquitetura brasileira, é importante voltar atrás e lembrar seus primórdios.

Nos anos 20, em pleno período em que prevalecia em toda parte a arquitetura eclética, com sua total liberdade na escolha do estilo preferido para “vestir” as estruturas autônomas, livres das paredes, que as novas tecnologias de construir haviam tornado possíveis, surgiu no Brasil um movimento denominado “neocolonial” .

Este movimento propunha que em lugar de escolher estilos de outras origens, se optasse pelo estilo do período colonial brasileiro como modelo. Foi nesta época, início dos anos 20, que Lucio Costa se formou arquiteto na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Muito jovem, e excelente aquarelista, integrou-se ao movimento, com grande sucesso profissional.

No ano de 1924, comissionado pela Sociedade Brasileira de Belas Artes, foi a Diamantina, para estudar e fazer levantamentos de detalhes da arquitetura da pequena cidade colonial, afastada das mais importantes do estado de Minas Gerais. No seu próprio relato: “Cai em cheio no passado, um passado de verdade, que era novo em folha para mim”.

Esse encontro lhe revelou o descompasso que havia entre a tradição verdadeira e o “neocolonial”, que pretendia “ter cara” de colonial a qualquer preço, recorrendo a ingredientes de igrejas em projetos de casas, etc. etc., ou seja, fazendo o contrário do que viu e constatou em Diamantina, onde prevalece uma coerência ao mesmo tempo sensata, simples e requintada entre o modo de construir e a arquitetura, que resulta numa “beleza sem esforço”, no dizer sensível do próprio Lucio.  A partir de então ele passa a sentir um desconforto com a arquitetura que fazia, e que resultou, cinco anos depois, na radical mudança de rumo decorrente da descoberta da linguagem plástica própria do novo modo de construir.

Foi exatamente no momento dessa descoberta, em 1930, quando tinha apenas 28 anos, que lhe foi confiada a direção da Escola Nacional de Belas Artes, com a incumbência de reformular o ensino das artes no país. Sua curta permanência no cargo (pouco mais de um ano) definiu a postura profissional da primeira leva de arquitetos modernos entre nós.

A partir de então, prevaleceu uma abordagem arquitetônica ancorada na sensatez construtiva, embora sem lhe dar o direito de se sobrepor à intenção plástica; a duas abordagens – construtiva e plástica – deviam ser sempre simultâneas. A consolidação desse partido ocorreu no projeto e na construção do edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, de fundamental importância na arquitetura moderna brasileira – e, como diz Lucio Costa: “Não apenas marco de uma época, mas de um excepcional momento de idealismo e de lucidez, no confuso quadro dessa época.” O projeto, que contou com consultoria de Le Corbusier, foi elaborado na ausência dele, pela equipe brasileira dirigida por Lucio Costa, seguindo rigorosa e deliberadamente a doutrina do mestre, cuja vinda ao Brasil em 1936 foi fruto exclusivo da iniciativa e do empenho do próprio Lucio.

Nesta ocasião, um jovem arquiteto estagiava em seu escritório e, como desenhasse bem, ficou à disposição de Le Corbusier durante as quatro semanas que passou no Rio. E quem era este estagiário? Oscar Niemeyer... que assim recebeu ao vivo a semente corbuseana, que, caindo na terra fértil do seu ainda não revelado talento, frutificou com grande vigor e liberdade, abrindo uma nova perspectiva na relação arquitetura-estrutura.

Efetivamente, nos anos 40, a partir dos projetos da Pampulha – particularmente o da Igreja – a arquitetura de Oscar Niemeyer se revela inteira já na própria estrutura; daí sua opção pelo concreto armado, que ele coloca a seu serviço. Sempre trabalhou com engenheiros de primeiríssima linha, entre os quais se destaca o poeta Joaquim Cardozo, que respondeu brilhantemente a todos os desafios estruturais, sempre novos, propostos pelo arquiteto. 

Nos idos da década de 50, a arquitetura moderna ocupava no Brasil um lugar de destaque, era valorizada e admirada pelas pessoas de um modo geral. Foi nesse ambiente e nesse momento que surgiu a figura de Sérgio Bernardes. No início de sua carreira, trouxe à tona a leveza propiciada pelas estruturas metálicas nos seus adoráveis projetos de casas térreas, derramadas e elegantes, como a de Lota Macedo Soares, na Samambaia, perto de Petrópolis, propondo uma abordagem arquitetônica mais ligada à tradição de Mies van der Rohe, diferente da de Oscar, mas também muito sedutora. Mais novo que os “antigos”, Sérgio foi uma presença, por assim dizer, intermediária, mais próxima da geração seguinte do que os clássicos – Lucio, Reidy, os irmãos Roberto e o próprio Oscar, entre muitos outros – ainda mais por conta do seu jeito viçoso, divertido e carioca.

Por temperamento, Sérgio era um permanente e inquieto curioso em relação ao potencial de novas tecnologias, o que o levou até a projetar uma bicicleta, um carro e mesmo um avião. Assim, depois dos projetos de casas, voltou seu interesse pelas estruturas metálicas para a busca de soluções que permitissem vãos livres cada vez maiores; o belo projeto – inovador – para o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Bruxelas, em 1958, foi o primeiro realizado nessa linha, que culminou com o gigantesco Pavilhão de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e inclui ainda o Centro de Convenções de Brasília, além do polêmico mastro para a bandeira, contíguo à Praça dos Três Poderes, na capital.

Mais tarde, mudou o foco do seu interesse, partindo para projetos de outra natureza, mergulhando cada vez mais em propostas ousadas e visionárias; voltou-se para problemas urbanos, de início no Rio de Janeiro – como, por exemplo, o projeto “Casa Alta” –, e ambientais, chegando mesmo a propor a ligação das grandes bacias fluviais do Brasil. Apresentava aos governantes suas proposições por iniciativa própria, independente de terem sido ou não solicitadas.

E, com a sua vigorosa vitalidade, em 1979 fundou o LIC – Laboratório de Investigações Conceituais – cujo objetivo era estimular a discussão sobre suas audaciosas proposições entre os colaboradores do próprio escritório, que, paralelamente, produzia também projetos convencionais.

Inegavelmente, Sérgio Bernardes deixou marca própria na arquitetura moderna brasileira. Entretanto, a presença que abriu, objetivamente, um caminho novo, ainda não trilhado inclusive em temos internacionais, é a do arquiteto João Filgueiras Lima, conhecido desde sempre como Lelé, carioca que se radicou em Brasília a partir de 1957, aos 25 anos, envolvido na construção da nova capital.

Mesmo tendo, como Sérgio, a curiosidade sempre instigada pela tecnologia da construção, a motivação de ambos era oposta: o que seduzia Sérgio eram especulações livres a partir de situações que, embora partindo da realidade, eram “traduzidas” pelo seu modo particular de ver o mundo. Já para Lelé, a grande motivação sempre foi a efetiva realização de seus projetos, tendo em vista resolver problemas atuais, colocando a tecnologia a serviço do bem estar do maior número possível de pessoas. Ou seja, Sérgio cada vez mais interessado em proposições audaciosas e visionárias, mas de realização improvável; e Lelé cada vez mais envolvido na busca de soluções práticas para problemas reais do dia a dia corriqueiro do comum dos mortais...

Formado em arquitetura no Rio em 1955, músico e compositor talentoso (acordeom, flauta e sobretudo piano), tocava na noite do Rio de Janeiro quando, em 1957, foi para Brasília com a incumbência de construir a Superquadra do Instituto dos Bancários, projetada por Aldary Toledo, em cujo escritório trabalhava. Segundo seu próprio testemunho (em entrevista a Marcelo Ferraz e Roberto Pinho), foram as condições precárias do início da construção da capital que o levaram necessariamente a ter que aprender tudo que diz respeito à construção; esta experiência, somada à boa formação que havia recebido no Colégio Militar e à sua inata vontade de saber, está na origem da abordagem que pautaria toda a sua rica trajetória profissional. Ninguém melhor que Lucio Costa para defini-la:

João Filgueiras Lima, técnico e artista, surgiu na hora certa: era o elemento que estava faltando para preencher grave lacuna no desenvolvimento da nossa arquitetura. Arquiteto de sensibilidade artística inata, mas fundamentalmente voltado para a nova tecnologia construtiva do “pré-moldado”, enfrenta e resolve de forma racional, econômica e com apurado teor arquitetônico os mais variados e complexos desafios que o mundo social moderno programa e impõe.

[...] Assim, no âmbito da nossa arquitetura onde são tantos os valores autônomos com vida própria, ele e o Oscar se completam. Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares, arquiteto artista: domínio da plástica, dos espaços e dos vôos estruturais, sem esquecer o gesto singelo,– o criador. João da Gama Filgueiras Lima, o arquiteto onde arte e tecnologia se encontram e se entrosam,– o construtor. E eu, Lucio Marçal Ferreira Ribeiro de Lima e Costa – tendo um pouco de uma coisa e de outra, sinto-me bem no convívio de ambos, de modo que formamos, cada qual para o seu lado, uma boa trinca: é que sou, apesar de tudo, o vínculo com o nosso passado, o lastro – a tradição.

Este texto foi escrito por Lucio para seu livro, Lúcio Costa, registro de uma vivência, em 1985, logo depois de uma visita à Fábrica de Escolas montada por Lelé no Rio de Janeiro, por iniciativa de Darcy Ribeiro, no início do governo Brizola. O encontro ao vivo com a escolinha montada junto à fábrica, tão simples, tão elegante, tão despretensiosa e impecavelmente bem acabada, o marcou profundamente – todos os princípios formulados 50 anos antes, nos primórdios do movimento moderno, estavam ali, expressos numa nova tecnologia construtiva – ou seja, confirmando sua validade para o futuro...

O interesse de Lelé pela pré-fabricação, que resultou nos últimos projetos – literalmente fabricados no Centro de Tecnologia da Rede Sarah, em Salvador, depois transportados e montados nos locais a que se destinam, Brasil afora, teve início em Brasília, e por influência de Oscar Niemeyer, na recém-criada UnB de Darcy Ribeiro – tratava-se então de construir com pré-moldados pesados, de concreto. São desse período (anos 60), entre outros, os projetos dos apartamentos para professores na UnB e do Hospital de Taguatinga.

Concomitantemente, começou a desenvolver seu interesse pelo conforto térmico e pela ventilação natural nas edificações que projetava, além de tirar proveito de intervenções de caráter paisagísticos integradas ao próprio projeto, tanto quanto da presença de intervenções plásticas, em sua quase totalidade confiadas a Athos Bulcão.

Ainda com a mesma tecnologia construtiva, projetou nos anos 70 as Secretarias do novo Centro Administrativo da Bahia, em Salvador, cidade onde ocorreu sua primeira experiência em intervenção urbana. Com Mário Kertész na Secretaria de Planejamento e por iniciativa de Roberto Pinho, foi implantada em 1978 a Fábrica da Companhia de Renovação Urbana de Salvador – RENURB, onde foram projetados, fabricados e implantados um sem número de equipamentos urbanos – escadas drenantes, canaletas, elementos para contenção de encostas, abrigos de ônibus, etc., além de escolas e da Estação de Transbordo da Lapa, que conseguiu a proeza de ser praticamente “invisível” na cidade, apesar de suas grandes dimensões.

Um dos últimos projetos feitos ainda com pré-moldados de concreto foi o do Hospital Sarah Kubitschek de Brasília, para o médico Aloysio Campos da Paz, criador da Rede Sarah.

Seguiu-se uma experiência nova, e de grande importância para o desenvolvimento futuro da carreira profissional de Lelé: sua participação voluntária no projeto comunitário de Frei Matheus Rocha, desenvolvido na região de Abadiânia, em Goiás. Foi esta experiência que permitiu a avaliação, do ponto de vista técnico, do potencial da argamassa armada (estudada originariamente por Schiel e mais tarde por Nervi) na produção de componentes para a execução de edifícios. Segundo o próprio Lelé,  “A obra da pequena escola rural, montada com os poucos recursos financeiros da Prefeitura e com uma pequena ajuda da Universidade de Goiás constituiu, na verdade, a pesquisa básica que tornaria possível, logo em seguida, a aplicação da tecnologia da argamassa armada em grande escala na Fábrica de Escolas do Rio de Janeiro.”

Nos anos 80, a Fábrica de Escolas fez no Rio o que a Renurb havia feito em Salvador, sendo que a nova tecnologia de pré-fabricação com elementos leves permitiu a montagem de escolas no alto das favelas cariocas, já que todas as peças podiam ser transportadas a mão – nada pesava mais de 100 quilos ...

Em meados dos anos 80 Lelé volta para Salvador, a chamado de Mario Kertész, agora Prefeito, aprofunda seu conhecimento sobre os problemas urbanos da capital baiana e monta a FAEC – Fábrica de Equipamentos Comunitários, que chegou a contar com 4.000 operários. Propõe sistema de transporte de massa e cria as passarelas padronizadas, cobertas e coloridas, que passaram definitivamente a fazer parte da paisagem urbana de Salvador, como também a sede da Prefeitura, de estrutura metálica, impecavelmente bem implantada na cidade alta, junto ao elevador Lacerda, e construída em apenas duas semanas.

São da década de 80 os projetos para hospitais da Rede Sarah em várias capitais brasileiras, nos quais Lelé já incorporou o uso de estruturas metálicas, com a utilização de chapas dobradas, introduzindo pequenas treliças que permitiram a confecção de elementos de cobertura em curva – o que nunca fez parte do vocabulário arquitetônico de Mies van der Rohe.

Foi então implantado, em 1992, o CTRS – Centro de Tecnologia da Rede Sarah, que passou a produzir todos os elementos dos edifícios fabricados, da estrutura a ventiladores, móveis, luminárias, etc., e onde foi desenvolvido sofisticado sistema de ventilação natural, capaz de reduzir de cerca de 4° a temperatura nos ambientes internos dos hospitais.

No fim da década de 90, o CTRS produziu e montou sedes do Tribunal de Contas da União em sete capitais brasileiras, sendo suas obras mais recentes o Centro de Recuperação do Lago Norte, em Brasília, e o Sarah do Rio de Janeiro, recentemente inaugurado.

Como se vê, conjugando estrutura metálica e argamassa armada, Lelé conseguiu realizar a verdadeira industrialização da construção, como sonhada por Jean Prouvé: a edificação é fabricada, como se fosse um carro, depois transportada e montada no seu endereço definitivo.

O extraordinário resultado desse trabalho mostra que a expressão anti-moderno seria bem mais apropriada para designar o pós-moderno em arquitetura: “pós-moderno” pode ser entendido como “depois do moderno”, mas a arquitetura de Lelé mostra que o “velho” moderno ainda não acabou de dar o seu recado...

notas

Artigo originalmente publicado na revista Visiteur, n. 14, Paris, 2009, p. 171-173.

sobre o autor

Maria Elisa Costa, arquiteta, dirige a Associação Casa de Lucio Costa, sediada no Rio de Janeiro.

Maria Elisa Costa Rio de Janeiro RJ Brasil

Hospital Sarah Kubitschek, Macapá AP. Arquiteto João Filgueiras Lima – Lelé [Acervo do arquiteto]

 

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