O Museu de Arte de São Paulo, apesar de polêmico, anda um tanto esquecido, ou fora da rota de uma grande quantidade de visitantes formadores de opinião e apreciadores de seu acervo. Refiro-me a artistas, críticos de arte, intelectuais e estudantes universitários. É comum o comentário: “há anos que não piso no Museu”. Parece que algo se quebrou ou se perdeu por ali. O MASP foi destronado por outras instituições da cidade como o epicentro das artes, mas seu acervo fantástico e sua arquitetura desafiadora, ainda que, um tanto ofendidos, continuam lá, firmes. Afinal, não se faz um museu como este todo dia - falo do acervo, da arquitetura, da construção de vida artística e cultural, da educação e até da crônica social.
A maioria dos personagens criadores desse Museu raro - Chateaubriand, professor Bardi, Lina Bardi, Edmundo Monteiro, Figueiredo Ferraz e outros, já estão nos registros da história escrita.
Mas hoje quero falar aqui de uns dos mais importantes guardiões da memória do MASP, esse palco de tantas polêmicas, fofocas, feitos e façanhas inimagináveis, querelas de poder e de vaidades; quero falar do nosso querido Luiz Sadaki Hossaka.
Luiz acaba de falecer. Cabelos brancos escorridos, pele lisa de criança – ‘como uma boneca japonesa’, dizia Lina Bardi - e uma deliciosa risada franca e generosa de grande contador de casos, Luiz parecia não ter idade. Aos 81 anos, conservava o mesmo visual de décadas. Iniciado em sua maior especialidade, o MASP da rua Sete de Abril, há 62 anos, pelas mãos de Flávio Motta, Luiz cresceu, se formou e informou naquela que foi, inegavelmente, a melhor escola das artes e da arte de fazer museus do Brasil no seu tempo. Freqüentou os cursos da Escola de Arte Contemporânea do Museu, ministrados por Burle Marx, Bardi, Lina, Augusto Rodrigues, Alberto Cavalcanti e tantas outros bam-bam-bans; testemunhou os giros internacionais do acervo do MASP, necessários para firmar o nome do Museu entre os grandes museus do Ocidente - e que calaram as dúvidas sobre a autenticidade de suas obras; assistiu às sucessivas crises financeiras que quase acabaram com o Museu; acompanhou o projeto e a construção do edifício sede na avenida Paulista, hoje indiscutível marco principal da cidade de São Paulo; assistiu e resistiu ao “professore” Bardi com paciência e sabedoria orientais; ajudou Lina Bardi a criar o Museu de Arte Moderna da Bahia nos início dos anos 60, onde emprestava sua máquina de escrever ao também assistente de Lina, Glauber Rocha, para escrever o roteiro de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Viu crescer, ainda na Bahia, a Escola de Teatro de Martim Gonçalves; conviveu e conheceu de perto Assis Chateaubriand, foi assistente dileto e querido de Da. Jenny Klabin Segall na criação do Museu Lasar Segall. Enfim, em sua vida amalgamada ao MASP, Luiz esteve, discretamente, no centro dos acontecimentos das artes e da cultura nas últimas décadas.
Luiz foi também um grande fotógrafo. Fotografou tudo e todos nesses sessenta e tantos anos de dedicação ao Museu. A história do MASP está em grande parte documentada em seus filmes – muitos ainda por revelar. Dessa saga que foi a criação do Museu, Luiz contava histórias saborosas, e às vezes picantes, que poucos privilegiados puderam ouvir. Talvez ele tenha sido uma das últimas testemunhas das fantásticas aventuras do professor Bardi nas valiosas aquisições das obras do acervo do Museu. E dizia sempre aos amigos, como uma promessa: “um dia porei tudo no papel”. Infelizmente, porém, parece que isso não se cumpriu.
Que misterioso esse japonês dos cabelos longos e “brancos”, discreto e sábio na maneira de viver ou, talvez, de freqüentar o Mundo! Como “zen-Luiz”, era capaz de desfrutar com o mesmo prazer suas viagens internacionais ou seu trajeto diário a pé da Rua Martins Fontes à avenida Paulista.
Luiz Hossaka era o jovem inquieto que ainda iria fazer na Itália um curso de fotografia especializado em obras de arte, ou buscar aprender como utilizar computadores e novas tecnologias na identificação de pinturas, e outras coisas mais. A vida sempre esteve livre como uma boa estrada aberta à sua frente. Nunca trabalhou com a cronologia do tempo ocidental.
Hoje, o que queremos - além de homenagear aquele persistente Samurai de todas as guerras - é dizer: vai Luiz, tranqüilo porque o tempo não existe e sua história está feita, e é bonita. E, quem sabe, um dia retomemos nosso gosto e prazer de freqüentar o Museu que você ajudou a construir.
sobre o autor
Marcelo Ferraz é arquiteto formado pela FAU-USP em 1978, é sócio do escritório Brasil Arquitetura, onde tem realizado vários projetos com premiações no Brasil e exterior. É também sócio fundador da Marcenaria Baraúna, onde desenvolve projetos de mobiliário, desde 1986.
Marcelo Ferraz, São Paulo SP Brasil