Durante os dias 16, 17 e 18 de novembro de 2009 a Universidade Mackenzie sediou o XIII Congresso Anual da Sociedade Ibero-americana de Gráfica Digital, conhecido como “SIGraDi”. Organizado em torno a seminários e algumas conferências de peso, o recente encontro realizado em São Paulo é uma oportunidade para traçar um mapa crítico do “estado da arte” das aplicações digitais em torno ao design e a arquitetura. Já a partir do título: “Do Moderno ao Digital: Desafios de uma Transição”, os editores Eduardo Nardelli e Charles Vincent incitavam a uma reflexão com respeito às conseqüências e câmbios paradigmáticos a partir do uso e incorporação de tecnologias digitais no âmbito arquitetônico ou urbano.
O SIGraDi agrupa arquitetos, urbanistas, designers e artistas vinculados aos novos meios e constitui a contraparte de organizações similares na Europa (ECAADE), Norte-America (ACADIA), Ásia/Oceania (CAADRIA) e Ásia Ocidental / África do Norte (ASCAAD). Os objetivos principais dos seminários se enquadram na necessidade de intercambiar experiências, discutir os avanços que se produzem nestas disciplinas e criar marcos teóricos de referencia entre grupos ibero-americanos que trabalham em áreas educativas, de investigação e profissional relacionados com técnicas digitais (1).
Os seminários se organizaram durante estes 3 dias e tiveram como objetivo a leitura (por motivos de tempo, simultâneas) de uma série de “papers” (2) a um público formado majoritariamente por profissionais que de alguma maneira atuam neste setor, sobretudo universitário. Estes textos deram origem ao catálogo do congresso, e se encontram disponíveis na página web “Cumincad” (3). As conferências principais ficaram a cargo de Paul Seletsky (4), Rivka Oxman (5), José Pinto Duarte (6) e Kevin Klinger (7). Em todos os sentidos o evento conseguiu atingir seus objetivos, demonstrado tanto pela qualidade dos trabalhos apresentados como pelo ambiente gerado durante o encontro, afirmando a necessidade e importância do intercambio de informações neste meio.
Uma das conclusões positivas que poderíamos tirar do evento é a constatação de alguns núcleos incipientes que começam a despontar na América Latina, geralmente relacionados a universidades, e que de uma maneira promissora estão utilizando tecnologias digitais, como é o caso do LAPAC, coordenado pela prof. Gabriela Celani (8). Um outro bom exemplo seria a plataforma elaborada por Pablo Herrera (9), criador de uma recopilação onde se alberga informação com respeito ao uso da informática aplicada, mais precisamente em temas de scripting ou programação.
Por outro lado, e dada as conotações regionais do evento (trata-se de um encontro a escala continental), é inevitável mencionar que na América Latina, sobretudo no Brasil, a questão “digital” ainda é vista de maneira obliqua e com certas ressalvas por parte das próprias faculdades de arquitetura. Este é o balanço dos professores de novas tecnologias de design, que apontam certo distanciamento entre as disciplinas de projeto e as de representação gráfica como motivo da falta de interligação entre ambas. Seria muito mais proveitoso, tanto para os alunos como para os professores (por não falar da própria arquitetura), que houvesse uma maior coordenação entre as disciplinas "clássicas" e aquelas relacionadas com a informática. O uso da informática fica mais claro e evidente quando o aluno que está aprendendo qualquer programa tem a oportunidade de aplicá-lo de maneira imediata nos exercícios de projeto.
Talvez aqui erradique um problema estrutural, ou mesmo geracional. A informática como ciência ainda não foi devidamente incorporada na formação do arquiteto. E mais: não assume seu caráter experimental, vanguardista. Seu ensino ainda está baseado em questões de imediatismos, dogmas ou em uma aposta por aquilo que já existe (ou de receitas de como se faz). Talvez por sua juventude e frescura; talvez por distância ou desconhecimento, a informática é vista como algo novo e promissor; ao tempo que ameaçador e “perigoso”.
Durante o evento vários debates colocavam a questão digital como a "culpada" pelo fato dos alunos desenharem cada vez menos a mão livre, ou que o computador acaba restringindo a criatividade. Estas observações denotam certa falta de conhecimento por parte da própria academia do que realmente a informática pode (e deveria) contribuir para as profissões relacionadas com projeto. Ainda está muito presente a idéia do computador como para "passar um projeto a limpo", com um uso quase exclusivo para o desenho técnico (e bidimensional), cabendo a profissionais da representação gráfica gerar imagens (renders) que permitam a "venda" ou entendimento tridimensional do projeto. O medo ao abandono do lápis e do papel em detrimento do computador reflete certa “nostalgia”, bem como falta de conhecimento por parte dos arquitetos da capacidade da informática. Parece ser que questões de “gesto” ou “traço” ainda estejam muito presentes na prática arquitetônica, referência direta ao movimento moderno que, no caso do Brasil, teve a felicidade de ter alguns excelentes expoentes.
Visto este panorama, seria importante enfocar a informática aplicada ao design como uma ferramenta que acrescenta novas estratégias ou soluções mas, em nenhum caso, é excludente, ou contra o desenho a mão livre. Cada um destes "meios" terá sua maior eficácia em função de uma necessidade específica. Todas as técnicas (croquis, modelos conceptuais, textos, infografía, maquetas, computação) deveriam coexistir. Nenhuma em nenhum caso é melhor que outra. Nenhuma, em nenhum caso, anulará a outra. Mas, em todos os casos, poderia contribuir, e muito, com a própria arquitetura.
É inegável que as novas tecnologias contribuem com tarefas relacionadas a projeto, sobretudo pelo fato de gerar informação digital, com suas particularidades quanto ao gerenciamento, intercambio entre colaboradores, capacidades de experimentação. O artigo “Representar, Projetar e Construir. Novos paradigmas a partir do desenho por computador” faz uma análise sobre estas novas ferramentas, aproximando o desenho por computador com processos de fabricação digital (10).
Workshops
Aproveitando a sinergia dos seminários, a professora da UNICAMP, Gabriela Celani, organizou uma série de workshops que ocorreram de maneira anterior ou paralela ao congresso. O objetivo era o de apresentar um panorama das novas tecnologias de apoio ao processo de projeto incluindo a modelagem geométrica e paramétrica, a fabricação digital, a prototipagem rápida e a digitalização 3D, com a participação de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, e com o patrocínio de empresas que comercializam essas tecnologias (11). A empresa DS4 (12), instalou uma router de 3 eixos que durante o evento serviu de exemplo direto das possíveis vinculações entre design e fabricação, viabilizando desta maneira o workshop “Fabricação digital e sistemas CAD-CAM aplicados à arquitetura” (13). Em todos os workshops houve um grande interesse por parte dos assistentes, com resultados que seguramente afirmam a inclusão de tecnologias digitais na prática arquitetônica, como no caso do workshop “Geometrias Complexas e Parametrização”, onde os participantes foram introduzidos a prática arquitetônica onde a geometria é fruto de um resultado de regras (parametria) (14).
Esperamos que a celebração do SIGraDi no Brasil seja capaz de promover e incentivar o uso das tecnologias digitais, desmistificando certos receios e apostando por um caminho extremamente amplo e promissor; inaugurando novas práticas no exercício da arquitetura, tanto em termos tecnológicos como criativos e, ao mesmo tempões estimular novas técnicas construtivas.
notas
1
Definição extraída do website do seminário <http://www.sigradi.org/>
2
Previamente avaliados por uma comissão científica do próprio congresso. Mais informações em <www3.mackenzie.br/ocs/index.php/SIGraDi2009/SIGraDi/about/organizingTeam>.
3
Ver <http://cumincad.scix.net/>.
4
Paul Seletsky, associado ao AIA, Diretor de Projeto Digital no escritório de Nova York de Skidmore Owings and Merrill. Nesta função coordena a implementação estratégica de tecnologias de Projeto Digital, em busca de maior compreensão e aplicação de Building Information Modeling e prepara as bases culturais necessárias para esta mudança. Graduado em 1982 na Irwin S. Chanin School of Architecture do Cooper Union for the Advancement of Science and Art in New York, é membro do Comitê de Tecnologia da sessão de Nova York do AIA e membro do Comitê de Tecnologia de Escritórios de Arquitetura do AIA. Fonte: <http://www.aecbytes.com/viewpoint/2005/issue_19.html>.
5
Rivka Oxman, ViceDean of the Faculty of Architecture and Town Planning at the Technion Israel Instiute of Technology. D.Sc degree from the Technion Israel Institute of Technology. She is an Associate Professor at the Faculty of Architecture and Town Planning, Associate Editor of Design Studies Elsevier, and Fellow of DRS - Design Research Society. Fonte: <www.technion.ac.il/~rivkao/>.
6
José Pinto Duarte, Universidade Técnica de Lisboa – Faculdade de Arquitetura. S.M.Arch.S 1993 and Ph.D. 2001 at MIT, Asóciate profesor at Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa FAUTL. Assistant Professor at Instituto Superior Técnico and Research Associate at Massachusetts Institute of Technology MIT where he took part in the project Changing Places. Fonte: <http://home.fa.utl.pt/~jduarte/>.
7
Kevin Klinger, Ball State University and i.M.A.D.E. Acts as a catalyst of digital design and fabrication techniques for both industry and education related to architecture and allied arts. Through immersive projects deploying interdisciplinary, applied design and fabrication research, the institute is a conduit between students, design professionals, and the manufacturing sector. Fonte: <http://www.i-m-a-d-e.org/>.
8
LAPAC. Laboratório de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo FEC da UNICAMP. Fonte: <www.fec.unicamp.br/~lapac/>.
9
Ver: http://espaciosdigitales.org/>.
10
Artigo de Affonso Orciuoli apresentado no SIGraDi 2009 <http://cumincades.scix.net/data/works/att/sigradi2009_721.content.pdf>.
11
Segundo Gabriela Celani, coordenadora dos workshops <http://www.arquitetos.com/SIGRADI/SIGraDi.Workshops.htm>.
12
Tecnologia brasileira na fabricação de máquinas CNC e corte a laser <http://www.ds4.com.br/>.
13
Workshop dirigido por Affonso Orciuoli e Gabriela Celani. Mais fotos sobre o SiGRaDi disponíveis em <http://picasaweb.google.com.br/gabi.celani/WorkshopsSigradi09#>.
14
Workshop dirigido por Ernesto Bueno e Gonçalo Henriques. Mais informação em <http://ernestobueno.blogspot.com/2009/12/results-complex-geometry-and-parametric.html>.
Sobre o Congresso SIGraDi 2009, veja também o artigo de Gabriela Celani no portal Vitruvius: <http://www.vitruvius.com.br/drops/drops30_06.asp>
sobre o autor
Affonso Orciuoli, MedioDesign Barcelona. Arquiteto e professor de Digital Design e Fabricação Assistida por Computador na EsArq – Universitat Internacional de Catalunya.
Affonso Orciuoli, Barcelona Espanha