Desde que fui estagiária da Companhia Habitacional do Município durante a gestão da prefeita Luiza Erundina, a questão habitacional sempre me perseguiu de forma quase inconsciente, nunca como real interesse de investigação profissional.
Logo no início da minha carreira, comecei a trabalhar com projetos de paisagismo, que tinham como grande foco os condomínios de padrão médio e alto das principais cidades brasileiras. Aí foi meu primeiro contato com a segregação social: projetos para ricos e projetos para pobres!
Quando trabalhei na Europa, a questão habitacional não era o foco dos projetos urbanos que o arquiteto italiano Massimiliano Fuksas desenvolvia, mas sempre apareciam nos projetos, como em Padova, em Cergy Pontoise, entre outros. Alguns anos depois, em 1998, visitei a Potzdamer Platz, projeto do também arquiteto italiano Renzo Piano, em sua inauguração, e mais uma vez a habitação aparecia como um dos itens do programa que compunham a intervenção, de recuperação urbana ou nova implantação urbana.
O zoneamento setorial e funcional, característica das cidades brasileiras, faz com que a habitação seja encarada como uma etapa a parte. O programa “Minha Casa Minha Vida” reforça e destaca essa visão. Dentro dos projetos de revitalização de áreas urbanas, a habitação não aparece como um dos itens integrantes dos programas. Ou, ao contrário, os projetos habitacionais aparecem de forma isolada, seja para ricos ou para pobres, como se mais tarde alguém devesse pensar como essas pessoas trabalham, se divertem e se locomovem.
Isso faz com que o crescimento das cidades brasileiras conte muito com a questão do tempo e das demandas criadas pelo mercado para chegarem a algum equilíbrio – se é que conseguem alcançar. Uma determinada área pode ou não atrair serviços, outra, pode, em situações futuras, transformar-se em forte atrativo para implantações habitacionais... Ricas ou pobres!
E assim as cidades continuam sendo feitas como conchas de retalhos!
A manifestação da arquitetura enquanto atividade criativa e interativa passa, então, a ser cada vez mais rara – e difícil.
Há alguns dias atrás fiquei algumas horas no saguão do consulado italiano, na av. Paulista, em São Paulo, esperando para ser atendida. Como não tinha levado nada para ler, fiquei lendo os avisos do consulado pendurados em um quadro. Havia inúmeros avisos de diversas cidades italianas de pequeno e médio porte que abriam concurso para que cidadãos italianos se inscrevessem para a aquisição de uma unidade habitacional do Estado, em toda a Itália. Ou seja, o povoamento não é incrementado apenas com as atividades econômicas, mas como a própria intervenção do Estado. Assim, as infra-estruturas instaladas não ficam nem ociosas nem sobrecarregadas, ao menos, não depende apenas do mercado: o Estado oferece vantagens para a ocupação do território através de moradias subsidiadas, por exemplo.
Enfim, exemplos não faltam para que as cidades brasileiras pudessem adquirir uma dinâmica mais democrática e não tão dependente dos desejos do Deus mercado. E nem por isso, as empresas de projetos, construções e afins seriam afetadas, pois estariam projetando de forma contínua, independente de PACs ou Minhas Casas.
sobre a autora
Assunta Viola, arquiteta (1991) e mestre (2009) em Arquitetura pela FAUUSP, arquiteta da área de Projetos de Urbanização de Favelas da CDHU desde 2007, professora de projetos na FMU, desde 2010. Atua na área de projetos em escritório próprio desde 1999, trabalhou com os arquitetos Massimiliano Fuksas (1994-1997) e Joaquim Guedes (1998-2000).