O Brasil passa por um momento de crescimento econômico e de oportunidades para o desenvolvimento. Estão sendo investidos bilhões em equipamentos e infra-estrutura para sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016; o programa Minha Casa, Minha Vida prevê a construção de 1 milhão de moradias, com investimentos em torno de 34 bilhões de reais; para os próximos anos estão previstos mais alguns bilhões em escolas, hospitais, infra-estrutura, equipamentos culturais, urbanização e instalações para a modernização dos serviços públicos em geral (PPA 2008-2011). Pergunta-se: como estão sendo selecionados e contratados os projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo que deveriam orientar e garantir a qualidade e o legado desses empreendimentos públicos para as cidades ?
Desde 1993 a legislação federal brasileira (Lei de Licitações - 8666/93) define o concurso como forma preferencial para a contratação de projetos pela administração pública. Essa preferência, no entanto, não se converteu em prática, e os concursos de projeto são raros. A cada ano no Brasil são realizados cerca de 10 concursos de abrangência nacional, enquanto a França realiza 1200 concursos a cada ano; a Suiça realiza 200 e outros países como a Espanha e os países escandinavos (Finlândia, Noruega, Dinamarca e Suécia) nos dão demonstração de uma cultura de qualidade arquitetônica baseada nos concursos. Vale ressaltar que desde 2004 a União Europeia (Diretiva 2004/18/CE) estabeleceu a obrigatoriedade dos concursos como forma de contratação de projetos para obras públicas.
A opção pelo concurso nesses países não é casual, afinal trata-se de um instrumento baseado em princípios que são fundamentais para a gestão pública responsável:
1. prioridade ao julgamento qualitativo;
2. fundamentação nos princípios da isonomia, transparência, economicidade, publicidade e impessoalidade;
3. amplitude do repertório de soluções possíveis para um mesmo problema
4. legitimação pública na decisão sobre espaços e equipamentos públicos onde deve prevalecer o interesse coletivo.
Mas qual seria a razão para o sucesso e a freqüência do sistema de concursos nesses países e a sua instabilidade e escassez no Brasil ? O que nos falta para vencer essa etapa rumo ao desenvolvimento?
Se analisarmos o histórico dos países que fizeram do concurso um instrumento cotidiano para a administração pública, observaremos que a principal razão para o seu sucesso é a existência de uma cultura e de uma política pública baseada na qualidade arquitetônica e os concursos de projeto como instrumentos para a promoção dessa qualidade e para a consolidação da arquitetura como objeto de interesse público.
Em primeiro lugar, para construir tal política pública, é preciso pensar no interesse coletivo e não em interesses corporativos. O concurso deve ser apresentado não como um sistema que interessa à profissão, mas como um instrumento necessário à coletividade para garantir a desejada qualidade do espaço público. A valorização e o reconhecimento da profissão, neste caso, seria uma conseqüência natural, e não o objetivo em si.
Para que esse instrumento seja disseminado é preciso, antes de tudo, estar disposto a reconhecer e gerenciar os conflitos de interesse em potencial e, em alguns casos, as contradições que desafiam a sua popularização. Provavelmente o concurso não faz parte do cotidiano da administração pública também pela falta de informação e porque existem preconceitos sobre o sistema que provocam insegurança entre gestores e profissionais, deixando dúvidas sobre as vantagens do sistema. Da mesma forma que se deve garantir aos profissionais que os concursos serão sempre procedimentos baseados na isonomia, na transparência, na legalidade e na impessoalidade; é preciso também garantir à Administração Pública que os projetos selecionados seguirão os princípios da economicidade, da exeqüibilidade, da sustentabilidade e que atendem ao interesse público.
Enfim, é preciso promover a disseminação e a regulamentação dos concursos de projeto no Brasil. Para isso, é fundamental reconhecer a diversidade de perspectivas que estão sempre em jogo, fazendo prevalecer sempre o interesse coletivo. Apenas dessa forma os concursos deixarão de ser eventos de exceção e poderão se tornar instrumentos cotidianos e democráticos para a promoção da qualidade da arquitetura e dos espaços públicos; para que as oportunidades não se convertam em riscos e para que o desenvolvimento não se torne insustentável.
extra
Acesse o documento intitulado “Regulamentação de Concursos de Projeto no Brasil - Contextualização e Proposição”, apresentado pelo autor em janeiro de 2010 ao Instituto de Arquitetos do Brasi. A intenção é que a partir das informações e considerações apresentadas no documento seja possível colaborar para uma discussão objetiva em torno de uma política pela qualidade da arquitetura e a elaboração de uma minuta de projeto de regulamentação de Concursos de Projeto no Brasil, a ser encaminhado às instituições pertinentes.
sobre o autor
Fabiano Sobreira é arquiteto e urbanista. Doutor em Desenvolvimento Urbano (UFPE/University College London). Pós-doutorado em Arquitetura na Université de Montréal. Arquiteto e Analista Legislativo da Câmara dos Deputados. Professor do Centro Universitário de Brasília. Diretor Cultural do Instituto de Arquitetos do Brasil. Editor do portal concursosdeprojeto.org.



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