Urbanista que somos, enquanto caminhamos, imaginamos como requalificar os espaços urbanos tão maltratados da cidade. Invejamos Paris que teve Haussman, que além de abrir artérias estratégicas na cidade, teve a preocupação de projetar beleza urbana.
São Paulo raramente teve governante que se ocupou de melhorar o conforto e a estética urbana visando o bem público.
Atravessamos diariamente um espaço existente em área nobre da cidade, que apesar de incansavelmente utilizado pelos munícipes, é ignorado pelo poder público: trata-se de viela localizada em frente ao parque da Água Branca que liga a Avenida Francisco Matarazzo à Praça onde se localiza o Terminal Barra Funda.
Consta nos mapas da cidade como viela sanitária. Não tem nome, não tem iluminação pública e até pouco tempo atrás ainda poderia ser uma promessa de beleza. É tortuosa e seu leito tem largura irregular de no máximo5 metros. Serve aos usuários do terminal acessar o morro de Perdizes e vice-versa. É sempre cheia de gente indo e vindo.
Apesar de seu uso intenso, quando a iluminação externa dos prédios vizinhos não esta funcionando, a viela fica às escuras.
Os carros transitam por ela por pura teimosia, dando a impressão de estarem em lugar proibido. Na falta da viela a alternativa para o trafego de veículos é um trajeto bem maior, uma volta de cerca de dois quilômetros que aumenta o percurso em quase meia hora nos dias de trânsito carregado.
De um lado existe o prédio de uma antiga fábrica, em tijolos aparentes, com iluminações tipo sheds e belíssima chaminé muito alta, também de tijolos de barro. Nessa construção, típica da ocupação original da região, imaginamos um mercado com lojinhas de conveniência e bares abertos para a viela, cobertos com toldos.Serviria para a população comprar suas pequenas necessidades diárias. Mas no momento, fecharam a fachada defronte à viela com chapas metálicas, acentuando aos usuários a sensação de confinamento e precariedade.
Do outro lado, o antigo galpão enorme – que já foi shopping, supermercado e salão de festas e convenções – está sendo reformado, desalojando tradicional bando de papagaios que lá habita há muito tempo.
No entorno e na Praça do Terminal os usos dos terrenos públicos e também os privados não são controlados e quando monitorados não são bem utilizados.
Por exemplo, a fábrica antiga serve de garagem para motos e automóveis e construção ao lado, abriga garagem para caminhões de transportes de valores, uso esse, fácil de atrair assaltantes que põem em risco os transeuntes.
A Praça (parte pertencente ao Memorial da América Latina) no momento está cercada com arames e o pouco espaço livre tomado por barracas privadas, que vendem produtos duvidosos. Aliás, esta é uma equivocada e nefasta política da Prefeitura de São Paulo que não resolvendo o problema dos sem tetos, gradeia nossos “espaços livres de uso público”.
Os dois gigantescos prédios da Uninove com fachada para a Praça atraem milhares de estudantes nos horários de pico, inundando os acessos do metrô, a própria Praça e seus arredores. O Campus da universidade é a Praça pública e sua infraestrutura é configurada por camelôs, e ao que parece, nunca houve preocupação com o impacto de sua instalação na vizinhança.
Os vários projetos da Prefeitura para a região da Barra Funda ignoraram a viela. Existe projeto de parque linear na rua paralela, que não resolveria o acesso à praça do terminal.
Também a Operação Urbana da Água Branca, que poderia ser um instrumento poderoso para a requalificação urbana da região, do seu sistema viário e até mesmo dos vários terrenos e galpões que restaram de outras épocas, não resulta em benefícios concretos para a população.
Voltando aos nossos projetos mentais, imaginem a beleza de uma via tipo um boulevard, que privilegiasse os pedestres, finalizando numa passarela ou passagem de nível, que fizesse a ligação entre a praça do terminal e do próprio Memorial da América Latina com o outro lado da Avenida Francisco Matarazzo: o agradável Parque da Água Branca.
Entretanto, para nós, cidadãos, resta a sensação de que ficamos sempre com as sobras dos espaços entre os prédios, das praças gradeadas, das ruas entupidas de carros, freqüentando calçadas esburacadas e vielas abandonadas. Às vezes pensamos que trilhas rurais são mais confortáveis que as calçadas urbanas.
O mais deplorável é que com tanto espaço no local, não existe um planejamento de uso dos espaços privados e públicos que favoreça a população.
O antigo uso fabril da Barra Funda não demandava a abertura de ruas, pois os quarteirões eram formados por grandes lotes industriais.
Quem não se lembra das Indústrias Matarazzo com suas grandes chaminés no horizonte?
A requalificação dessa viela forneceria ao bairro, atualmente em total mudança de uso, um necessário espaço público de qualidade.
A reforma do barracão de eventos nos alertou que a oportunidade da PM de alargar e qualificar o espaço em breve se perderá. A possibilidade de tornar a Viela e a Praça úteis, seguras e confortáveis à centenas de milhares de usuários diários, está se esvaindo.
Nossa observação de urbanistas ao longo do tempo, nos faz concluir que espaços e construções públicos e semipúblicos projetados com generosidade para seus usuários, fornecem a estrada de volta ao poder público, sendo protegidos e preservados pela população.
sobre as autoras
Iracema Miguel e Vera Maria Leme Alvarenga são arquitetas e urbanistas e diretoras do SASP – Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo.