O Prêmio APCA 2011 – Categoria “Cliente /promotor" é um reconhecimento à iniciativa de contratantes de projeto, públicos ou privados, cuja ação se pautou pelo incentivo à qualidade arquitetônica (1).
A cidade é uma construção coletiva e espelha nas obras públicas e privadas os anseios da sociedade. Imaginando que seria desejável construir um ambiente urbano democrático, é interessante que a arquitetura expresse nossa época. Não se trata de alardear um único estilo, que não reflita a diversidade da sociedade. Diferente do período moderno, cuja arquitetura tinha códigos linguísticos precisos, o pensamento arquitetônico atual permite a convivência de correntes variadas.
Porém, não se admite no saber arquitetônico erudito a adoção sem critério do vocabulário de línguas mortas. Neste sentido, o hit que domina o mercado imobiliário de nossa época é o neoclássico. Claro que ninguém vai preso por construir, projetar ou morar em prédios sem compromisso com a construção coletiva; mas não é difícil imaginar por que dinheiro e poder às vezes são associados à ignorância arquitetônica.
Por isso, é importante ressaltar a tímida mudança que está ocorrendo no mercado imobiliário paulistano. Trata-se de processo iniciado há cinco anos com o nome de Movimento Um. O mentor da iniciativa foi um ex-publicitário – José Cazarin. Proprietário de uma imobiliária de imóveis especiais, Cazarin se associou a dois construtores e ao engenheiro Otávio Zarvos. O Movimento Um realizou quatro edifícios de apartamentos de pequeno porte na região oeste de São Paulo projetados com destacados jovens arquitetos – Andrade Morettin, Triptyque, Grupo SP e Frentes – que nunca haviam desenhado edifícios do gênero. Depois de prontos, os edifícios foram premiados e se destacaram na paisagem da cidade, chamando a atenção de outros incorporadores.
De lá para cá, Otávio Zarvos – frente à incorporadora Idea!Zarvos – finalizou outros cinco prédios semelhantes, outros seis estão em construção e oito em projeto. Os empreendimentos possuem características semelhantes – variação no tamanho das unidades dentro do mesmo empreendimento, edifícios com poucas unidades, apartamentos individualizados e a localização dos terrenos (todos na zona oeste, principalmente, na Vila Madalena). Não há área de lazer, salões de festas nem espaço gourmet: as áreas comuns são reduzidas ao máximo. A justificativa do empreendedor é que os prédios estão bem localizados, com serviços e lazer por perto.
Muito mais importante do que estas características, são outras, que provam que arquitetura com qualidade não é somente uma fachada reta: ela deve ter o compromisso com a construção do bem comum. Listando estes aspectos, em primeiro lugar há generosidade no tratamento da interface entre o espaço público e privado, algo que poderíamos chamar de gentilezas urbanas, com pequenas praças com bancos públicos. Alguns edifícios possuem também painéis de artistas plásticos, recuperando a relação entre arquitetura e artes plásticas do auge da arquitetura moderna brasileira. Depois, alguns destes projetos edificados por Zarvos são marcados pelo apuro tecnológico, que contribuem, mesmo que timidamente, para o incremento do parque industrial da construção civil no Brasil. Por fim, há a pesquisa de linguagem arquitetônica de vanguarda, que pode vir a colaborar com a formação da identidade cultural do país. Por tudo isso, Zarvos dá uma lição ao mercado imobiliário: além do óbvio de ganhar dinheiro e pensar em lucros, ele está contribuindo na construção de uma cidade melhor.
nota
1
Este texto é parte da Ata de Premiação APCA 2011, assinada pelos críticos de arquitetura filiados à Associação Paulista de Críticos de Arte. Os prêmios outorgados nas sete categorias – Homenagem pelo conjunto da obra; Cliente/promotor; Difusão; Urbanidade; Obra de arquitetura em São Paulo; Obra de arquitetura no Brasil; e Projeto referencial – foram selecionados por unanimidade ou maioria a partir de critérios discutidos coletivamente. A responsabilidade de redação final coube a um determinado crítico, mas os argumentos foram discutidos coletivamente pelos críticos de arquitetura Abilio Guerra, Fernando Serapião, Guilherme Wisnik, Maria Isabel Villac, Mônica Junqueira de Camargo, Nadia Somekh e Renato Anelli. Os textos que complementam a Ata de Premiação APCA 2011 são os seguintes:
WISNIK, Guilherne. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Homenagem pelo conjunto da obra”. Premiado: Marcello Fragelli. Drops, São Paulo, n. 12.051.02, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4148>.
SERAPIÃO, Fernando. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Cliente /promotor”. Premiado: Otávio Zarvos / Idea!Zarvos. Drops, São Paulo, n. 12.051.03, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4149>.
SOMEKH, Nadia. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Difusão”. Premiado: Raul Juste Lores / Folha de S. Paulo. Drops, São Paulo, n. 12.051.04, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4150>.
GUERRA, Abilio. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Urbanidade”. Premiado: Mauro Munhoz e Casa Azul / Flip – Festa Literária Internacional de Paraty. Drops, São Paulo, n. 12.051.05, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4151>.
VILLAC, Maria Isabel. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Obra de arquitetura em São Paulo”. Premiado: Biblioteca São Paulo / Aflalo e Gasperini + Dante Della Manna + Univers Design. Drops, São Paulo, n. 12.051.06, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4152>.
ANELLI, Renato. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Obra de arquitetura no Brasil”. Premiado: João Batista Martinez Corrêa / Mirante da Paz – Complexo Elevador Rubem Braga, Rio de Janeiro. Drops, São Paulo, n. 12.051.07, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4153>.
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Projeto referencial”. Premiado: João Filgueiras Lima, Lelé / Projeto alternativo para o programa “Minha Casa, Minha Vida”. Drops, São Paulo, n. 12.051.08, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4154>.
sobre o autor
Fernando Serapião é crítico de arquitetura e editor da revista Monolito.