O Prêmio APCA 2011 – Categoria “Urbanidade" é um reconhecimento a projetos, eventos ou iniciativas que promovam a vivência democrática, integração entre artes e cultura, a valorização dos espaços públicos, da vida comunitária e da integração social (1).
A Festa Literária Internacional de Paraty – a Flip – foi criada em 2004 e já conta com números que impressionam: 194 autores brasileiros e 143 autores estrangeiros – diversos deles agraciados com os principais prêmios literários do mundo, como o Nobel, Pulitzer, Booker, Goncourt, Camões etc. – de 33 países diferentes compareceram nas suas oito edições, 52 editoras enviaram seus livros, cerca de 400 jornalistas se cadastraram em média por ano. Na edição de 2011 ocorreram 21 mesas literárias realizadas na Tenda dos Autores, com capacidade para 850 pessoas, que foram transmitidas ao vivo pela internet e na Tenda do Telão. A repercussão na imprensa é tão grande que a organização estima que a última Flip obteve um retorno de mídia espontânea superior a 126 milhões de reais, além de ter sido visitada por um público total estimado entre 20 e 25 mil pessoas, que deixou na cidade cerca de 13 milhões de reais, gastos com hospedagem, alimentação, compras e passeios.
Números tão contundentes acabam ofuscando um aspecto pouco conhecido do evento e que está presente desde sua origem: a preocupação com o patrimônio arquitetônico e urbanístico da cidade. A cidade de Paraty, cidade colonial do século 17, porto de saída do ouro garimpado em Minas Gerais, após a construção de outras rotas de escoamento de mercadorias foi condenada a um extremo isolamento, por mais de um século, condição que só foi revertida a partir de 1974, quando a rodovia Rio-Santos foi inaugurada. Desde então, passou por um crescimento desordenado, sem planificação, que redundaram em ocupações informais concentrados na Ilha das Cobras, que contrastam com o núcleo histórico colonial, preservado pelo tombamento. A este processo de desestruturação urbana somam-se outros, como o desmatamento produtor de desequilíbrios ecológicos e as enchentes, que provocaram assoreamentos desastrosos no estuário do rio.
O projeto de Revitalização Urbana dos Espaços Públicos de Borda d'Água nasce em 1994, como projeto acadêmico do arquiteto Mauro Munhoz, que propunha a recuperação do sistema original de drenagem do centro histórico e a requalificação da Praça da Matriz de Paraty, além de outras melhorias. O envolvimento do arquiteto com o cotidiano da cidade levou à criação da Casa Azul, que em 2004 foi reconhecida como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – Oscip, instituição que permitiu o estabelecimento de uma estratégia para uma revitalização urbana sustentável de Paraty, tendo como foco a criação de condições para a promoção do turismo cultural, que aliasse a promoção literária através de uma festa cultural, a preservação do patrimônio arquitetônico e urbanístico e a recuperação dos ecossistemas naturais.
O diferencial da atuação da Casa Azul, dirigida por Mauro Munhoz e Izabel Costa Cermelli, é a preocupação real com o destino da cidade. A festa literária dura apenas cinco dias, mas as múltiplas ações acontecem durante todo o ano, envolvendo a população local, que inclusive ocupa a maioria dos postos de trabalho gerados pelo evento. Além de contar com oficinas literárias, a Flip se desdobrou em eventos paralelos, dois deles voltados para os jovens de Paraty: a Flipinha, programa educativo voltado para as crianças; e a FlipZona, programa de inclusão digital e democratização cultural voltado para os jovens.
As inovações constantes são uma marca da Flip. Na edição de 2011, as instalações efêmeras foram montadas do outro lado do rio, levando benefícios infraestruturais para a outra margem e transformando a orla fluvial em área central da vida coletiva. Dentre os projetos futuros, consta um equipamento urbano de peso: a Biblioteca Parque da Costa Verde, um edifício-ponte que integrará bairros segregados. É justamente o que o prêmio “Urbanidade” pretende contemplar: a arquitetura e o urbanismo a serviço da inclusão social e da valorização da cultura, promovendo espaços públicos, a preservação do patrimônio e a recuperação do meio ambiente.
nota
1
Este texto é parte da Ata de Premiação APCA 2011, assinada pelos críticos de arquitetura filiados à Associação Paulista de Críticos de Arte. Os prêmios outorgados nas sete categorias – Homenagem pelo conjunto da obra; Cliente/promotor; Difusão; Urbanidade; Obra de arquitetura em São Paulo; Obra de arquitetura no Brasil; e Projeto referencial – foram selecionados por unanimidade ou maioria a partir de critérios discutidos coletivamente. A responsabilidade de redação final coube a um determinado crítico, mas os argumentos foram discutidos coletivamente pelos críticos de arquitetura Abilio Guerra, Fernando Serapião, Guilherme Wisnik, Maria Isabel Villac, Mônica Junqueira de Camargo, Nadia Somekh e Renato Anelli. Os textos que complementam a Ata de Premiação APCA 2011 são os seguintes:
WISNIK, Guilherne. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Homenagem pelo conjunto da obra”. Premiado: Marcello Fragelli. Drops, São Paulo, n. 12.051.02, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4148>.
SERAPIÃO, Fernando. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Cliente /promotor”. Premiado: Otávio Zarvos / Idea!Zarvos. Drops, São Paulo, n. 12.051.03, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4149>.
SOMEKH, Nadia. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Difusão”. Premiado: Raul Juste Lores / Folha de S. Paulo. Drops, São Paulo, n. 12.051.04, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4150>.
GUERRA, Abilio. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Urbanidade”. Premiado: Mauro Munhoz e Casa Azul / Flip – Festa Literária Internacional de Paraty. Drops, São Paulo, n. 12.051.05, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4151>.
VILLAC, Maria Isabel. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Obra de arquitetura em São Paulo”. Premiado: Biblioteca São Paulo / Aflalo e Gasperini + Dante Della Manna + Univers Design. Drops, São Paulo, n. 12.051.06, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4152>.
ANELLI, Renato. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Obra de arquitetura no Brasil”. Premiado: João Batista Martinez Corrêa / Mirante da Paz – Complexo Elevador Rubem Braga, Rio de Janeiro. Drops, São Paulo, n. 12.051.07, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4153>.
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Projeto referencial”. Premiado: João Filgueiras Lima, Lelé / Projeto alternativo para o programa “Minha Casa, Minha Vida”. Drops, São Paulo, n. 12.051.08, Vitruvius, dez. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4154>.
sobre o autor
Abilio Guerra é arquiteto, professor da graduação e pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie e editor do Portal Vitruvius e Romano Guerra Editora.