Hoje no Brasil, o termo arquitetura sustentável tem sido largamente utilizado pela mídia profissional e já começa a se tornar parte do repertório das escolas de arquitetura. Mas será que todos entendemos o conceito de arquitetura sustentável da mesma forma?
Um pequeno estudo comparativo realizado com renomados arquitetos brasileiros e europeus demonstrou que ainda não há uniformidade quanto ao conceito (1). Nesta questão existem, explicitamente, diferentes entendimentos para diferentes contextos sócio-culturais.
Na Europa, principalmente na Inglaterra, observou-se uma tendência de utilizar os termos sustentabilidade, arquitetura sustentável (2) ou arquitetura verde para se referir a aspectos exclusivamente relacionados à consideração de questões bioclimáticas para o desenvolvimento de estratégias passivas e melhoria da eficiência energética com a manutenção do conforto e qualidade do espaço. Estas questões bioclimáticas estão diretamente relacionadas à consideração das condições climáticas locais e das propriedades térmicas dos materiais.
Os europeus observam que a consideração climática e o desenvolvimento de estratégias passivas no projeto da edificação pode representar um impacto ambiental muito menor do que utilizar, por exemplo, paredes de garrafa PET (politereftalato de etileno) recicladas. Se considerarmos o fato de que na Europa as edificações representam 40% do consumo energético e que este consumo implica diretamente no volume de emissões de CO2e, que uma edificação mesmo feita inteiramente de garrafas PET mas sem considerar questões climáticas locais pode representar um consumo exagerado de energia para condicionamento de ar, é necessário concordar que este entendimento é razoável. Porém, os arquitetos europeus afirmam ainda que quando há oportunidade tentam integrar mais questões de sustentabilidade assim como a consideração de materiais locais e de baixa energia embutida, embora isso não determine suas escolhas. Isto pode também estar relacionado a uma simples diferença de atitude para com a tecnologia e sistemas mecânicos e a consideração da variação climática como um objetivo arquitetônico consciente, em um nível conceitual fundamental, o que interfere diretamente na concepção do partido arquitetônico.
No caso dos arquitetos brasileiros, a ênfase está na racionalização do canteiro de obras, mas principalmente nos materiais adotados e no uso da água para a classificação de uma edificação sustentável. Entende-se, de forma generalizada, que os materiais devem ser locais, de rápida biodegradação e baixa energia embutida. A energia embutida diz respeito à energia necessária para a fabricação ou beneficiamento do material e para o seu transporte. Não há uma consideração consciente sobre as consequências do tipo de material adotado sobre a vida útil da edificação e no seu uso pós-ocupação, incluindo o impacto sobre o consumo energético. Além disso, uma edificação compreendida como sustentável no Brasil faz uso de estratégias para reduzir o consumo de água, com o reaproveitamento de águas servidas e o aproveitamento de água pluvial. Estas duas questões não necessariamente implicam sobre a concepção do projeto arquitetônico propriamente dito, com exceção do projeto complementar de instalações hidrossanitárias e da sua aparência plástica final pela adoção do tipo de material. Outra questão identificada é que no Brasil o entendimento de uma edificação sustentável também está conectado a uma atitude de negação da tecnologia sob o discurso do resgate da chamada arquitetura vernacular, esta é uma concepção classificada como pré-industrial de acordo com Hagan (3).
Dessa forma, estes diferentes conceitos impactam inclusive sobre as características estéticas de uma edificação considerada sustentável. Uma edificação classificada como sustentável na Europa está mais diretamente ligada ao fato de ser uma edificação energeticamente eficiente e, portanto, incorpora mais comumente ao partido estratégias tecnológicas e estéticas que podem fazer uso de vidro, aço, polímeros, entre outros, desde que as soluções de projeto promovam baixo consumo energético. O projeto do Linkstrasse 2–4, Figura 1, um dos edifícios do complexo de Postdamer Platz, no centro de Berlim, de autoria do arquiteto Richard Rogers, ilustra bem este conceito. Observa-se que o partido arquitetônico privilegiou a atenção com as soluções de sombreamento, através do uso de brises nas faces de maior insolação e largos beirais, pérgulas e recuos de fachada e a captação direta de radiação na fachada de inverno, norte, e para tanto não abdicou do uso e exploração da tecnologia.
Nas edificações consideradas sustentáveis no Brasil é muito improvável ver o uso amplo destes materiais. Predominam as caraterísticas estéticas marcadas pelo retorno de uma arquitetura realmente pré-industrial, com soluções arquitetônicas tradicionais e materiais 'orgânicos' com o amplo uso de madeira, bambu e terra. Além disso, este ainda é um movimento que predomina nas construções habitacionais e ainda está em processo de incorporação no setor comercial, estimulado pela implantação do programa de etiquetagem de edificações do PROCEL/Inmetro e programas de certificação como o LEED, implementado pelo Green Building Council. O projeto da residência do arquiteto Sérgio Pamplona em Brasília, Figura 2, em adobe e estrutura em eucalipto tratado, é um bom exemplo das referências estéticas representadas pelo conceito de arquitetura sustentável no Brasil.
Podemos dizer que os diferentes entendimentos do termo arquitetura sustentável não estão relacionados à educação formal, pois este ainda é um tema muito recente e ainda não consolidado pelas escolas de arquitetura, mesmo na Europa. Observa-se que encontra-se uma relação muito mais direta com o conhecimento embebido na cultura local, incluindo a forma com que este é abordado pela mídia local, instituições profissionais e regulamentos. Devido a ampla divulgação e popularização dos programas internacionais de certificação “verde” é possível que estes conceitos diferenciados tendam a harmonizar-se em muito pouco tempo, o que será bastante benéfico para que ações globais possam ser articuladas.
notas
1
MACIEL, A. A. Bioclimatic Integration into Architectural Design. (Doctor of Philosophy). School of the Built Environment, Nottingham, The University of Nottingham, 2007.
2
De acordo com a Comissão Mundial sobre o Ambiente e Desenvolvimento, desenvolvimento sustentável implica em alcançar as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de alcançar suas próprias necessidades. Dessa forma, um projeto realmente sustentável precisa considerar seu impacto para gerações futuras. Os principais aspectos a serem considerados são o uso da energia, da água, materiais, emissão de poluentes e transporte, onde cada um destes aspectos de inter-relaciona. WCED. Our common future: the Bruntland report. United Nations Department of Economic and Social Affairs (DESA). Oxford University Press, 1987.
3
HAGAN, S. Taking Shape: a new contract between architecture and nature. Oxford, Architectural Press, 2001.
sobre a autora
Alexandra Albuquerque Maciel, arquiteta e urbanista (UnB), mestrado (2002) e doutorado (2006) em Eficiência Energética de Edificações (UFSC) e PhD em Bioclimatic Design (Universidade de Nottingham- Inglaterra-2007). Pesquisadora/colaboradora do Laboratório de Eficiência Energética de Edificações- LabEEE e atualmente analista de infraestrutura em exercício no Ministério do Meio Ambiente.