A cultura é uma necessidade social indispensável ao exercício de cidadania, fundamental para a melhoria da qualidade de vida. É um processo contínuo de formação, informação e renovação. A preservação e a atualização de seu patrimônio material e imaterial deve fazer parte do programa político do governo municipal. Salvador, até o momento, continua carente de um pensamento cosmopolita sobre a cultura e de uma política acionadora de suas diferentes práticas culturais, estas vêm sendo tratadas como um conjunto de ações desarticuladas e a instituição uma agência de eventos culturais ou guichê para atendimento de demandas do mercado de produtos culturais e de entretenimentos. Definir uma política para a cultura, articulada com o plano de desenvolvimento urbano, deve ser uma prioridade do programa de governo para a cidade do Salvador.
Salvador com seus shoppings centers, subcentros e cirurgias urbanas se expandiu sem um plano de desenvolvimento e sem programas estratégicos capazes de modernizar e preservar seu patrimônio cultural. Na década de 1950, a expansão da indústria no sul do país foi acompanhada de movimentos e eventos no campo das linguagens artísticas como: Bienal de São Paulo, Concretismo, Bossa Nova, Cinema Novo, Arquitetura Moderna etc. A modernização industrial baiana entre as décadas de 1960 e 70, com a implantação do CIA (Centro Industrial de Aratu) e do COPEC (Complexo Petroquímico de Camaçari), não proporcionou nem criou expectativas de renovação do capital cultural. A indústria do turismo proporcionou o desenvolvimento do ramo hoteleiro, mas não foi capaz de restabelecer um intercâmbio de experiências culturais.
É necessário para esta cidade a definição de uma política cultural que não se restrinja a demanda da criação de uma Secretaria de Cultura e mais instituições que comprometam o orçamento da cidade e sim, requalificar e revitalizar o que já existe, cuja as instalações comprometem a preservação da memória da primeira capital do país, a exposição e a apresentação de bens artísticos, a que se destinam. Planejar uma política cultural sem se constituir numa proposta fechada, acabada, mas sim, voltada para a criação de uma infraestrutura de iniciativas e diretrizes, com objetivo claro de viabilizar e dinamizar os vários segmentos da cultura local. Garantir ao cidadão o acesso aos bens culturais e o direito de participar da dinâmica da cidade.
Algumas iniciativas são necessárias a curto prazo, como:
1) A reformulação do organograma da Fundação Gregório de Mattos (FGM), adaptando sua estrutura para dar respostas eficientes às diversas áreas artísticas e culturais; 2) Estudar e verificar a possibilidade de uma nova sede para a FGM com instalações adequadas, igualmente para Museu da Cidade e Arquivo Histórico Municipal, incluindo neste um setor específico de conservação e restauro; 3) Formação e capacitação de recursos humanos para a área cultural; 4) Aprovar a lei de Proteção e Estímulo do Patrimônio Cultural Municipal; 5) Criar e estimular ações no centro histórico de Salvador; 6) Concluir a recuperação do Teatro Gregório de Mattos, importante espaço de multiuso, restaurado pela arquiteta Lina Bardi com uma proposta de teatro experimental, sem distinção entre palco e plateia.
Enfim, o que se deve pretender com uma política de cultura, é repensar e reinventar o processo cultural, redimensionar o aspecto da Cidade do Salvador enquanto polo de produção e difusão no âmbito da cultura brasileira. Fundamentalmente, as premissas de uma política cultural referem-se à liberdade de criação, à descentralização dos meios de produção e de comunicação; às diretrizes de incentivo, veiculação e divulgação a partir de um mapeamento da pluralidade da produção de toda a cidade.
Acreditamos que a FGM, enquanto uma instituição de cultura, deva garantir a produção cultural na cidade do Salvador, tanto a espontânea quanto a dos setores profissionais ou especializados. É preciso compatibilizar o tempo do político, que é o do mandato, com o tempo do artista, que é o da criação. É preciso que seja levado em conta que o processo criativo não é burocrático, mas sim, permanente e livre. Portanto, as normas administrativas devem ser adequadas ao ritmo e às formas próprias dessa atividade. Assegurar à sociedade a oportunidade de expressar criativamente seus valores, de forma livre e heterogênea.
nota
NE
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador, 04 ago. 2012.
sobre o autor
Antônio Luiz M. de Andrade (Almandrade) é artista plástico, poeta e arquiteto.