Qualquer intenção mais consistente em obter sucesso no enfrentamento das enchentes urbanas exigirá de nossos novos prefeitos a compreensão e adoção de três premissas básicas: sim, é possível reduzir substancialmente o impacto das enchentes nas grandes cidades brasileiras; os programas para tanto até agora elaborados e executados fracassaram fragorosamente em seus objetivos; as chuvas não são as culpadas.
Concisamente, as enchentes urbanas são explicadas pelo incrível aumento do volume de águas de chuva que aflui, em tempos sucessivamente menores, para um sistema de drenagem (córregos, rios, bueiros, galerias, canais...) progressivamente incapaz de lhe dar a devida vazão.
Esse aumento do volume de água e a redução do tempo em que chega às drenagens são promovidos essencialmente pela impermeabilização do solo urbano, pela cultura de canalização e retificação de drenagens naturais e pela tendência de crescimento por espraiamento geográfico apresentada por grande parte de nossas cidades.
Como um enorme agravante a esse quadro, considere-se ainda o fantástico grau de assoreamento dessas drenagens por sedimentos provenientes dos intensos processos erosivos que ocorrem particularmente nas faixas periféricas de expansão da cidade, e, suplementarmente, por entulho de construção civil e por lixo urbano. Esse assoreamento acaba por reduzir ainda mais a já comprometida capacidade de vazão de toda a rede drenagem, implicando em enchentes progressivamente mais frequentes e abrangentes.
Ou se ataca essa questão em suas reais causas, através de um conjunto de medidas, ditas não-estruturais, que recuperem ao máximo a capacidade das cidades em reter as águas de chuva, seja por infiltração, seja por acumulação (pequenos reservatórios domésticos e empresariais, calçadas, valetas e pátios drenantes, bosques florestados e arborização intensa, etc.), revertam a tendência ao espraiamento geográfico e combatam a erosão em sua origem, ou nunca nos livraremos do flagelo das enchentes. As bilionárias obras de alargamento e aprofundamento das calhas de nossos rios principais, medidas ditas estruturais, são necessárias, mas a realidade mostra que são insuficientes e já se aproximam de seu limite de benefícios, além do que seus efeitos ficam condicionados a um ininterrupto, dispendioso e conturbador trabalho de desassoreamento de todo o sistema de drenagem.
Uma última e providencial sugestão aos futuros prefeitos: pactuar uma indispensável divisão de responsabilidades com os governos estaduais, pela qual caberia aos municípios a concepção e implementação das medidas não-estruturais e ao estado a execução das medidas estruturais.
sobre o autor
Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo, ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia, autor dos livros Geologia de engenharia: conceitos, método e prática, A grande barreira da Serra do Mar, Cubatão e Diálogos geológicos, consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente.