Arquitetura e Urbanismo se constituem de características em comum, porém são usualmente atribuídas em escalas diferentes no espaço. Devido uma estratificação ocorrida ao longo da história da arquitetura esses conhecimentos configuraram-se em áreas diferentes, na maior parte das vezes pouco relacionadas entre si. O desenvolvimento da arquitetura começa quando o homem neolítico busca a independência da natureza construindo o seu próprio abrigo, logo, os sumerianos aperfeiçoaram esses abrigos atribuindo valores simbólicos, estéticos e ambientais, e enfim interligaram esses abrigos de forma organizar o coletivo de abrigos, cunhando a forma de viver em conjunto que hoje denominamos de cidades. Tais relações nasceram da associação de desejos no espaço, desejos de: se abrigar, se relacionar, de se locomover, de se alimentar, de viver... A Arquitetura e Urbanismo são intervenções no espaço almejadas por nossos desejos. Em um contexto onde nossa vida está hibridamente atrelada aos meios de comunicação e desejos emaranhados, restringir o campo da arquitetura a um edifício é um erro.
Se tratarmos a arquitetura como intervenções no espaço pode-se elevar esse conceito a outro patamar, agora, não mais a uma estética edificativa, mas uma arquitetura do cotidiano, dos cheiros, dos sons, dos pequenos obstáculos urbanos, das texturas, dos prazeres, dos movimentos..., já a segmentação em geral (em arquitetura/urbanismo, carro/pedestres, rua/avenida, público/privado...) é uma das principais responsáveis pela perda das experiências urbanas. Christopher Alexander, em “A Cidade Não é uma Árvore”, mostra matematicamente como a racionalidade do projetista pode diminuir as experiências urbanas:
“Então, cada uma dessas estruturas é uma 'árvore'. Ademais, cada unidade, em cada uma das 'árvores' descritas, é a resultante fixa e imutável de algum sistema existente na vida da cidade, assim como uma casa é a resultante das interações entre os membros de uma família, suas emoções e seus pertencimentos; e uma autopista é a resultante do movimento e do intercâmbio comercial. No entanto, em toda e qualquer cidade, há milhares, ou mesmo milhões de sistemas funcionando e produzindo resultantes físicas que, no entanto, não aparecem como 'unidades' nessas estruturas 'em árvore'. E mais: nos piores exemplos, as 'unidades' inventadas fracassam no estabelecimento de correspondências com as realidades da vida enquanto, de outra parte, os sistemas reais – cuja existência é o que de fato torna as cidades vivas –, são providos sem que nenhum receptáculo físico os suporte.”(1)
O texto sugere que o sistema segmentado da cidade é como uma árvore, ela possui uma hierarquia de caminhos, passando da raiz aos galhos, que estão muito aquém às nossas relações vividas cotidianamente. Com isso, busca-se promover não mais uma arquitetura segmentada, mas sim uma arquitetura ilimitante que quebre os limites dessas segmentações e promova novas experiências no espaço.
O primeiro abrigo construído pelo homem não foi uma cabana, mas sim a roupa, as vestimentas de pele que o protegeu do frio e dos inimigos; ainda antes do abrigo temos as coisas, espaços, móveis, janelas, utensílios, meios de transporte, coisas que sempre foram tratadas como acessórios da arquitetura, mas possuem uma interação intensa com o nosso corpo, e que não podem ser desprezadas; E por fim, temos o abrigo como arquitetura e o seu coletivo como cidade. Deste modo, tem-se a moda como arquitetura do corpo, o design como arquitetura das coisas, a arquitetura como arquitetura dos abrigos e o urbanismo como arquitetura de uma cidade. Tais arquiteturas agem no espaço interagindo com nossos corpos e se moldando aos nossos desejos. Logo, arquitetura e urbanismo tratam de uma mesma manifestação, um agir no espaço fruto de nossos desejos. A divisão em dois ou mais segmentos, como se a arquitetura e urbanismo fossem ciências separadas, é um modelo perigoso por criar especialistas em áreas distintas. O problema do especialista é o fato dele comumente não se ater a um campo multidisciplinar. Não é raro ver especialistas em patrimônio abstraindo a realidade social de um lugar a favor de uma estética. Não é raro ver planejadores criando e construindo grandes estruturas viárias e não se atendo a realidade das pessoas que vivem ali, como também não é raro ver um arquiteto planejando a favor da estética esquecendo-se de preceitos regionais, sociais e ambientais. Arquitetura e Urbanismo devem ser tratados como um campo multidisciplinar, percorrendo as esferas micro e macro, tensionando os campos de trabalho de forma expor as múltiplas realidades existentes. Pois o espaço possui uma dinamicidade que jamais será ordenado em um campo técnico, e estar sensível a essa multiplicidade é um grande dever a ser evidenciado.
A divisão do ensino e da profissão em vários segmentos (como uma faculdade de arquitetura, uma faculdade de urbanismo, uma faculdade de patrimônio...) só beneficia uma burocracia destinada a retirar poder dessas divisões através de novos cursos, fiscalizações e taxas. Devido a vasta multiplicidade de temas e assuntos tratados no âmbito da Arquitetura e Urbanismo, um curso por maior que ele seja nunca irá suprir todas as suas lacunas, para isso pode-se acoplar o mesmo sistema já empregado no campo da medicina (residência, pós-graduações e especializações). Como ocorre na arquitetura, o campo da medicina é vasto, várias especializações que poderiam formar cada uma delas um curso a parte, porém, a profissão não se segmenta, pois há uma consciência que o profissional deve ter contato com o todo, com toda a multiplicidade que é o corpo humano, o curso de arquitetura como o da medicina não pode perder esse contato com o todo, pois a divisão desses conhecimentos em vários segmentos pode não voltar a se unir.
nota
1
Tradução do texto de “A city is not a tree” de Christopher Alexander da Magazine Design, London: Council of Industrial Design, N° 206, 1966]. Disponível em www.abc.polimi.it/fileadmin/docenti/TEPAC/2012/FONTANA/A_City_is_not_a_Tree.pdf, acessado em 25/03/2013.
sobre o autor
Lutero Proscholdt é arquiteto e urbanista pela Universidade Federal do Espírito Santo (2007). Mestrado pela Universidade Federal da Bahia (2011). Tem experiência em projeto, com participação em diversos concursos de projetos de arquitetura. Atualmente é doutorando da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia e pesquisa o espaço urbano como um campo partilhado.