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drops ISSN 2175-6716

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Ricardo Rocha comenta a obra de Ítalo Eugênio Mauro como tradutor e arquiteto.

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Ricardo Rocha comenta la obra de Ítalo Eugênio Mauro como traductor y arquitecto.

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ROCHA, Ricardo. Dante e a arquitetura moderna no Brasil. Drops, São Paulo, ano 13, n. 067.02, Vitruvius, abr. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/13.067/4705>.


Ítalo Eugênio Mauro
Foto Acervo Giselda Leiner [Divulgação]


“Admiro os poetas. O que eles dizem com duas palavras a gente tem que exprimir com milhares de tijolos"
Vilanova Artigas

Se estivesse vivo, Ítalo Eugênio Mauro teria cento e três anos. Aos setenta e sete, começou a tradução da “Divina comédia” de Dante Alighieri, trabalho que perduraria por doze anos e cuja dedicação de mais de uma década – como Jorge Luis Borges, outro de seus autores preferidos, estava quase cego ao final – seria recompensada com a publicação pela Editora 34 e o prêmio Jabuti do ano 2000.

O primeiro que verteu os versos de Dante para a língua de Camões foi um italiano que morava no Brasil, Luiz Vicente de Simoni, em seu “Ramalhete poético do parnaso italiano” (1843), um ano antes de Gonçalves Dias. A primeira tradução integral (c. 1888), em prosa e póstuma, é de um brasileiro, Francisco Bonifácio de Abreu – o Barão da Vila da Barra. Dois anos antes de Ítalo Eugênio Mauro nascer, no ano de nascimento de Oscar Niemeyer, que também flertava com a literatura e a poesia nas horas “vagas”, apareceu a primeira tradução “brasileira” em verso, realizada por José Pedro Xavier Pinheiro, que já havia traduzido o Inferno em 1885 – ao que parece estimulado pela versão do Canto XXV de seu amigo Machado de Assis.

O início da tradução da Divina Comédia coincide com o afastamento de Ítalo Eugênio Mauro da arquitetura – “desta época lembro-me que projetou uma belíssima casa no Morumbi, nossa casa no alto da Cantareira, uma Faculdade com vários prédios no bairro de Moema”, revela sua esposa, a artista e escritora Giselda Leirner.

Ítalo Eugênio Mauro se formou em engenharia civil na Universidade de Nápoles, em 1933. Improvável seu contato na universidade com Luigi Cosenza (1905-1984), que se formou no curso de pontes e estradas em 1928 e só começaria a dar aulas em 1945; ter acompanhado o início da construção da mítica Villa Oro (1934-1937) de Cosenza e Bernard Rudofsky (1905-1988), arquiteto nascido na Morávia e que possui obras realizadas em São Paulo nos anos quarenta, também parece improvável; mas talvez tenha tomado conhecimento do Mercato Ittico (mercado de peixe), primeira obra de Cosenza (c. 1930). Nesse sentido, o contato com a arquitetura moderna, quiçá, tenha acontecido ainda em Nápoles, no tempo de estudante de engenharia. De qualquer forma, o motivo de seu interesse pela profissão é desconhecido: “queria construir coisas”, afirmou certa vez.

De sua obra de arquitetura, há uma residência de meados dos anos quarenta publicada no clássico livro de Henrique Mindlin, “Arquitetura Moderna no Brasil” (1956). O lote é pequeno e o arquiteto usa toda sua largura, iluminando a casa, assim, através do recuo ajardinado frontal e do pátio nos fundos. A planta com geometria irregular tem foco na escada, que divide o living ao meio, margeando o pé-direito duplo, com vista para as aberturas voltadas para o pátio. As mesmas fotos com os interiores desta casa aparecem na publicação "Residências, interiores" da revista de arquitetura Acrópole, do mesmo ano do livro de Mindlin. Entretanto, em "Residências, interiores" aparece outra casa, onde, apesar da maior profundidade do terreno, as estratégias projetuais são semelhantes: aproveitamento de toda a largura disponível do lote, planta com geometria irregular, escada dividindo ambientes na sala, pátios e pérgulas (lição mediterrânea?) para iluminação, ventilação, desafogo visual e sombreamento.

Segundo Giselda Leirner, o engenheiro-tradutor-arquiteto “colaborava ativamente durante a construção do imóvel, além de desenhar as escadas, as janelas, as lareiras, inclusive os móveis” – fato ainda pouco explorado pela historiografia de arquitetura moderna no país: muitos de nossos arquitetos dedicaram seu tempo não só à concepção de esquadrias e outros elementos construtivos como ainda ao design, desenho de móveis incluído. Rino Levi tinha patentes registradas de elementos construtivos para esquadrias. Rudofsky, durante sua estadia em São Paulo, chegou a ganhar um concurso de design do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.

Figura ímpar, o engenheiro Ítalo Eugênio Mauro, amigo de arquitetos como Salvador Candia (1924-1991) e Jorge Wilheim (1928), mantinha seu escritório na Rua Bento Freitas número 306, sede do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo. No andar de cima ficava o escritório de Vilanova Artigas.

Quando alguém pensa em um engenheiro escritor, tradutor ou poeta, pensa em Joaquim Cardozo, calculista de Oscar Niemeyer em Brasília, para quem João Cabral de Melo Neto dedicou um poema. Há outros, como Erthos Albino de Souza, cujo poema visual “Le tombeau” de Mallarmé, consta do volume dedicado ao poeta francês organizado pelos irmãos Campos e Décio Pignatari (também tradutores de Dante). Eu penso em meu avô, cuja história não cabe aqui, e no arquiteto Ítalo Eugênio Mauro.

sobre o autor

Ricardo Rocha é professor na Universidade Federal do Espírito Santo. Doutor pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado na Universidade do Porto, Portugal. Atualmente prepara um livro sobre o arquiteto José de Souza Reis e outro sobre a arquitetura moderna em Vitória. 

 

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