Em meu último artigo (1), escrevi sobre a rica biodiversidade da cidade do Rio de Janeiro e as imensas transformações que vem sofrendo impulsionadas pelos eventos internacionais que já estão acontecendo: a Copa das Confederações da Fifa foi em junho e a visita do Papa, devido ao Dia Mundial da Juventude, será em julho – quando milhões de jovens estão sendo esperados. No ano que vem o Brasil irá sediar a Copa do Mundo e em 2016 os Jogos Olímpicos acontecerão no Rio de Janeiro.
Eu também falei sobre como a cidade está sendo “preparada”; como as áreas urbanizadas são cinza e estão se expandindo e destruindo os últimos remanescentes de ecossistemas nativos, cortando árvores para dar mais lugar para concreto e asfalto. As pessoas não estão participando de fato das decisões. Nesse período têm ocorrido demonstrações públicas isoladas de insatisfação contra a erradicação de áreas verdes, mas os resultados têm sido sempre o mesmo: motosserras e escavadeiras reinam.
Estamos vivendo dias extremamente intensos e interessantes no Brasil, como em inúmeros países. As pessoas querem ser ouvidas e participar do jogo! Nesse país historicamente pacífico, de repente as massas ganharam as ruas com mais de 1 milhão de cidadãos marchando em um único dia! E os protestos continuam.
Os políticos estão estonteados. Analistas de diferentes campos do conhecimento estão tentando compreender o que está por trás dessas hordas humanas nas cidades de todos os tamanhos ao redor do país. Há todo tipo de demanda: comportamento ético de nossos representantes nos poderes legislativo, executivo, judiciário e de membros do Poder Público; completa transparência e responsabilização nos gastos e prestação de contas com o dinheiro de nossos impostos; efetiva participação nas decisões e por aí vai.
Os problemas são muito complexos e intrincados, mas sob a minha ótica, há um importante fator que não está sendo considerado: as pessoas querem viver em cidades com alta qualidade de vida, e nessas cidades pessoas e natureza importam. Durante os últimos anos tenho visto como os moradores da cidade valorizam as suas árvores e áreas verdes, e como eles estão tentando protegê-las contra a transformação das cidades “como sempre se fez”, com base em transporte individual e na expansão urbana ilimitada. Eu adoro quando vou a parques e eles estão lotados de famílias felizes e interessadas na natureza, com gente de todas as idades apreciando árvores e pássaros e macacos e esquilos e flores... e vida!
Como podem os nossos tomadores de decisões destruir o que faz as pessoas felizes? Ignorância, eu suponho. Em minha opinião, a única maneira é ensinar para tirar as pessoas da “videofilia” que contamina a vida moderna, de modo a que venham descobrir e apreciar a biofilia. Acredito que as pessoas precisam ter uma alfabetização ecológica, como Tim Beatley, Richard Louv, Edward O. Wilson, Fritjhof Capra e muitos outros escrevem a respeito eloquentemente. Infelizmente o Brasil ainda está fora dessas conversas estimulantes. Não há praticamente publicações em português sobre o tema, e os brasileiros raramente leem outras línguas.
Minhas reflexões são sobre como as pessoas precisam entender ecologia, os ciclos da vida e ter um pensamento sistêmico para não apenas amar e apreciar a natureza, mas realmente proteger e investir na biodiversidade, especialmente nas cidades – onde a maior parte de nós vive! Nossos líderes deveriam ser ecologicamente educados de modo que possam mudar para o novo paradigma focado na vida de cada um, incluindo todas as espécies!
Tenho estado envolvida em diversas atividades relacionadas com natureza urbana nos últimos 10 anos porque tive a sorte de mudar radicalmente o curso de minha vida.
Nos meus primeiros 50 anos de vida era totalmente desconectada da rede da vida, mas amava a natureza! Cursei administração de empresas porque meu pai era um empresário. Era a coisa natural a fazer! Embora tivesse pensado em estudar arquitetura duas vezes... Edifícios não são meu foco principal de interesse até agora, e não havia (e ainda não há!) curso superior de paisagismo, nem educação formal em ecologia urbana nesse maravilhoso país tropical.
O que fez diferença? Durante alguns anos Fernando Chacel, que foi um pioneiro em projeto e planejamento ecológico da paisagem no Brasil, coordenou um curso superior de paisagismo na Universidade Veiga de Almeida. Eu tive a sorte de ter estudado com ele e sua equipe. A partir de então as coisas começaram a acontecer rapidamente. Tive a oportunidade de conhecer e aprender com pessoas de diferentes lugares e campos do conhecimento. Eu me tornei ecologicamente envolvida com a vida, com todas as espécies de vida. Finalmente consegui ultrapassar minha ignorância ecológica.
Estudar, pesquisar e ensinar sobre paisagem, processos e fluxos naturais e suas inter-relações com a biodiversidade, os recursos naturais e as pessoas e suas atividades se tornou quase uma missão pessoal.
No começo de 2012, decidi ir além para tentar transmitir o que tinha aprendido. Então, comecei a escrever um livro destinado aos leitores de língua portuguesa objetivando contribuir para preencher a enorme defasagem de conhecimento em uma escala mais abrangente. Lancei o livro “Cidades para todos: (re)aprendendo a conviver com a natureza” no Dia Mundial do Meio Ambiente, dia 5 de junho passado. A resposta tem sido impressionante!
O livro foi lançado no Rio e São Paulo, e estou dando palestras para diferentes públicos. Já fui ao rádio e televisão, e tenho escrito e contribuído com artigos para jornais e blogs digitais. Em poucas semanas já encontrei pessoas adoráveis com diferentes formações e origens sociais que estão compartilhando a mesma paixão pela vida de todos os organismos vivos, e pela natureza! Todos sentem o mesmo deslumbramento que eu sinto, e estão se tornando entusiastas, querem colaborar, voluntariar de alguma maneira, qualquer maneira. É muito recompensador. Afinal, não é tudo apenas pelo dinheiro!! É sobre conviver e compartilhar experiências, sonhar e trabalhar para transformar o que parece impossível: trazer pessoas e biodiversidade nativa para a vanguarda das discussões, planejamento e projeto de nossas cidades.
Uma nova oportunidade está se abrindo: dia 24 de junho foi lançado o “Rio+” – Centro Mundial de Desenvolvimento Sustentável pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Ele objetiva mudar a maneira como “fazemos as coisas” de modo a contemplar os limites planetários. Como afirma a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira “O RIO+” será também um espaço político relevante para a promoção do diálogo com a sociedade, abrindo portas para universidades, setor privado, governos e todas as pessoas interessadas em discutir e promover o desenvolvimento sustentável” (2).
No mesmo dia teve lugar um seminário promovido pelo FBDS (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável presidido por Israel Klabin) e o Sustainable Development Solutions Network (Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável liderado pelo economista Jeffrey Sachs), para lançar a “Iniciativa Rio Sustentável”. Parece uma excelente oportunidade para introduzir a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos no planejamento de uma cidade resiliente e sustentável.
Em breve será lançada em português a publicação “Panorama das Cidades e Biodiversidade – Ações e Políticas” (3). Acredito que terá sinergia com nossas ações e sonhos. Talvez sejamos capazes de transformar corações e mentes de mais pessoas e possamos influenciar o curso em direção de uma perspectiva socioecológica para todos, (re)aprendendo a conviver com a natureza.
nota
NE
Publicação original do artigo: HERZOG, Cecilia Polacow. É hora de tornar a cidade maravilhosa realmente “verde”! Website The Nature of Cities <www.thenatureofcities.com/author/ceciliaherzog>.
1
HERZOG, Cecilia Polacow. Conectando as magníficas paisagens do Rio de Janeiro. Website The Nature of Cities <www.thenatureofcities.com/2012/07/10/green-corridors-in-rio>.
2
Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (RIO+) é inaugurado no RJ. Website do PNUD <www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=3736>.
3
Publicação da Convenção da Biodiversidade da ONU, Centro de Resiliência de Estocolmo, Universidade de Estocolmo e ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, traduzido pelo Ministério de Meio Ambiente do Brasil. Foi lançado em 2012 na COP11 em Hyderabad na Índia, e já está traduzido para vários idiomas.
sobre a autora
Cecilia Polacow Herzog é paisagista urbana, presidente do Instituto Inverde, professora da PUC-Rio, coordenadora do capítulo brasileiro da Sociedade para Ecologia Urbana – SURE (Society for Urban Ecology), autora do livro Cidades para todos.