Acadêmicos, empresários e marqueteiros têm a mania de fazer uso de anglicismos para aparentar conhecimento ou mostrar que estão antenados com o linguajar da moda. No campo da arquitetura e do urbanismo é comum o uso corriqueiro e equivocado de certas expressões – green buildings, bussiness district, smart cities, urban clusters, generic city – para qualificar aspectos inerentes às cidades. Em meio a essa exaltação pseudointelectual, resgatou-se a expressão gentrification para designar qualquer espécie de renovação de áreas urbanas. Chegou-se, inclusive, a associá-la ao processo de urbanização das favelas.
Derivada de gentry – que significa de origem gentil, de boa linhagem ou nobre – essa expressão tem sido traduzida literalmente por “gentrificação”, ou seja, “enobrecimento” de áreas degradadas. Tal conceito foi empregado de forma pioneira na requalificação urbana do Soho, em Nova York, e em algumas cidades europeias, durante as décadas de 1980 e 1990.
Na verdade, tratava-se de uma estratégia do poder público para revitalizar áreas urbanas em parceria com a iniciativa privada. O processo consistia na recuperação e requalificação dos imóveis existentes e na construção de novos edifícios com a intenção de atrair para essas localidades segmentos sociais com poder aquisitivo mais elevado. O sucesso alcançado por tais iniciativas pioneiras repercutiu favoravelmente em outros países, inclusive no Brasil onde ocorreram intervenções semelhantes nos bairros do Pelourinho, em Salvador, e no Recife Antigo, ambas no início da década de 1990.
De lá para cá muita coisa mudou. Recentemente, o Estado passou a delegar às grandes empreiteiras, através de parcerias público-privadas, a gestão dos negócios imobiliários envolvendo a recuperação e a transformação de áreas abandonadas. Essa tendência se consolidou a partir das exigências mercadológicas relacionadas com a organização da Copa do Mundo e das Olimpíadas. E, nesse contexto, a gentrificação se tornou um dos principais protagonistas desse processo.
Para melhorar a aparência dos espaços urbanos privilegiaram a construção de edificações suntuosas sem dotar o seu entorno com a infraestrutura necessária. Relegou-se a um segundo plano o verdadeiro sentido social dessas realizações. A tão sonhada proposta de integrar todas as favelas do Rio à cidade formal deixou de ser prioridade. Os projetos de urbanização para essas áreas permanecem em compasso de espera enquanto as empreiteiras continuam realizando intervenções localizadas.
A abertura aleatória de ruas para atender exclusivamente às questões de operacionalidade das Unidades de Polícia Pacificadora é um equívoco conceitual. Em urbanismo não existem soluções generalizantes. As estratégias de segurança pública devem caminhar solidariamente com os demais determinantes dos projetos de urbanização. Não se pode ignorar as características morfológicas dessas localidades.
Portanto, a eventual remoção de habitações para este ou para outros fins deverá ser precedida de estudos e projetos atentos às peculiaridades de cada coletividade. Sempre que possível, os moradores devem ser realocados em novas construções no interior da própria comunidade ou no seu entorno imediato. O processo de remoção deve se restringir às construções que se encontram em margens de rios, em encostas sujeitas à instabilidade geológica, em talvegues por onde escoam as águas pluviais, em espaços sem condições de salubridade, em percursos destinados às redes de infraestrutura e à abertura de vias que facilitem a acessibilidade dos moradores e dos agentes públicos e privados que atuam no cotidiano dessas comunidades.
Não será através do processo de gentrificação que se alcançará a melhoria das condições de vida em nossas favelas, muito menos a sua integração com a cidade formal. Esse modelo só servirá para agravar, ainda mais, a atual tendência de exclusão social. O resto é conversa fiada.
nota
NE
Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. Um problema em qualquer língua. O Globo, Rio de Janeiro, 21 dez. 2013.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.