A arquitetura como construção humana está fadada ao fim, esmagada pela própria natureza retornará à terra, ao pó ou ao mar. É este processo de deterioração que os restauradores tentam mitigar – a passagem do tempo, a ação das intempéries, o desgaste dos materiais, o abandono tentando revalorar de tempos em tempos o que chega a nós dos nossos ancestrais, para que as gerações vindouras possam usufruir desta verdadeira escrita da humanidade.
“A história do homem acaba sendo enquadrada pelos espaços que inventou para que neles acontecesse sua história. Não há maneira de pensar espaço significativo desacompanhado de história que o explique” (1).
Mas nem sempre é a natureza que põe fim, retomando seu lugar, e sim o próprio homem.
Caminhando no calçadão da Praia de Copacabana vemos o nascer de uma nova arquitetura, o caminho de Burle Marx é reinterpretado numa espécie de fita escheriana pela arquiteta Elizabeth Diller no ousado projeto para o Museu da Imagem e do Som, edifício a beira mar no lugar da antiga discoteca Help.
Sem dúvida que no MIS há um renascer da arquitetura, renovando a velha paisagem da princesinha do mar e escrevendo uma nova linguagem, um grafite no paredão de edifícios. Algo que não vemos nas criações de muitos de nossos arquitetos coetâneos.
Ao mesmo tempo, há pouco podíamos apreciar três residências – casas a beira-mar guardadas por árvores frontais, últimos exemplares que nos recordavam o entorno do atual solitário hotel Copacabana Palace na primeira metade do século 20.
Meses atrás assistimos como meros espectadores à demolição de uma delas, a antiga Casa Rosada do Consulado da Áustria. Outro dia, com a mesma apatia, revivemos o início de outra demolição, a segunda delas, a Casa de Pedra de uma centenária moradora que faleceu em 2012. E fica restando a terceira, que já tinha se transformado em mercado, mantendo apenas a sua fachada como mero painel, a Casa Branca que se preserva escondida.
Nada poderá garantir que nestas novas lacunas nascerá um belo exemplar de arquitetura de um carioca renovando aos poucos a imagem indesejada que se criou no paredão de Copacabana, o que poderia até justificar a remoção destas únicas casas na orla, já que a apreciação do belo enobrece o homem.
Estas casas talvez não tenham um grande valor histórico para os cariocas, além dos próprios que lá viveram, e talvez não sejam as mais belas obras de arte ou de arquitetura que desejaríamos levar a outros tempos futuros, mas, tratavam dos últimos exemplares a beira mar e é esta singularidade que, por si só, as habilitava a patrimônio carioca.
Talvez pouco possamos fazer para preservar algumas casas contra o mar que certamente as levará, mas é preciso fortalecer o elo entre as pessoas e seus monumentos, essa escrita arquitetônica, memória da cidade. Dessa forma, os cidadãos cariocas se sensibilizarão pela salvaguarda desta memória como nas ações que levaram à preservação do antigo “Museu do Índio” até então cuidado apenas pelos próprios índios que se abrigavam ao redor dele. Algo similar ao que ocorreu com uma verdadeira perimetral, o High Line de Nova York depois revitalizado por um projeto do escritório Diller Scofidio + Renfro.
O que estaria impulsionando a conservação para o futuro não é mais a angústia da perda dos vestígios, mas sim o medo de não se ter nada para transmitir (2).
notas
1
SANTOS, Carlos Nelson F. dos. Preservar não é tombar, renovar não por tudo abaixo. Projeto, n. 86, 1984.
2
JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.
sobre o autor
Jorge Astorga Garros é arquiteto, professor e mestre pelo PROURB FAU UFRJ.