Polêmicas à parte, a afirmação do poeta Vinicius de Moraes sobre as mulheres, de que "a beleza é fundamental", bem que poderia ser aplicada à arquitetura dos dias de hoje. No final dos anos cinquenta, quando essa expressão foi criada, os conceitos de beleza na arquitetura possuíam um alto grau de complexidade. Nessa época, os valores de mercado ainda não predominavam sobre o imaginário coletivo e a produção cultural brasileira não dependia exclusivamente dos seus resultados econômicos e financeiros.
Na arquitetura e no urbanismo havia uma identidade visível entre o poder público e a iniciativa privada no sentido de construir um patrimônio para a cidade que se tornasse um legado importante para as gerações futuras. Esse pensamento sobressaiu no Rio, a partir do início do século XX, com a construção da Avenida Rio Branco e dos seus imponentes prédios institucionais e empresariais. O Theatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes são alguns exemplos de belos prédios públicos que se somaram aos sofisticados edifícios comerciais erguidos naquela avenida. Com esse mesmo objetivo, os empresários da família Guinle construíram um valioso acervo arquitetônico para a cidade: o Copacabana Palace, o Palácio Laranjeiras, o Parque da Cidade e a sede do Fluminense Football Club, entre outros.
Esse pensamento perdurou no Rio até o final da década de 1960, período em que foram construídos vários prédios de excelente qualidade: o aeroporto Santos Dumont, o edifício sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o antigo Ministério da Educação e Cultura (MEC), o Conjunto Residencial do Pedregulho, os edifícios do Parque Guinle em Laranjeiras, o Museu de Arte Moderna (MAM), o Monumento dos Pracinhas e o monumental Parque do Flamengo com o paisagismo inovador de Burle Marx.
Infelizmente, de lá pra cá, muito pouca coisa foi feita para ampliar essa valiosa herança arquitetônica. Ressalvam-se algumas tentativas isoladas resultantes de concursos públicos de arquitetura e que deram origem aos edifícios-sede da Petrobrás e do BNDES, ambos construídos na década de setenta. Observam-se, também, algumas iniciativas recentes para dotar a cidade de belos exemplares arquitetônicos. Gostem ou não dos projetos da Cidade das Artes, do Museu de Arte do Rio (MAR) e dos futuros Museu da Imagem e do Som (MIS) e Museu do Amanhã, não se pode negar o fato de eles serem exemplos referenciais de uma arquitetura contemporânea de qualidade.
Todavia, não é isso o que se percebe em boa parte das obras que estão sendo realizadas no Rio e pelo Brasil afora. Em geral, os projetos estão sendo tratados de maneira superficial e, em sua grande maioria, visam a atender exclusivamente aos padrões estéticos determinados pelo marketing imobiliário. O resultado tem sido uma profusão de prédios espetaculosos que não podem ser identificados como exemplos de beleza ou de qualidade arquitetônica.
No âmbito do urbanismo a situação é semelhante. É lamentável constatar que os projetos de intervenção urbana padecem da mesma superficialidade com que são tratados os projetos de arquitetura. Consolida-se, desta forma, uma prática recorrente de fazer arranjos e remendos improvisados de última hora e obras concluídas de maneira displicente e sem nenhum rigor em relação à sua qualidade.
Essa lógica perversa que prevalece atualmente no Brasil é o reflexo do festejado modelo de pragmatismo de resultados imediatos, do menosprezo pelo projeto arquitetônico e urbanístico e da falta de cultura da maioria dos nossos dirigentes e empresários. Compactuar com essa mediocridade é, sem dúvida, uma maneira inconsequente de afrontar os valores que nos foram legados por gerações passadas e que fizeram da arquitetura brasileira uma referência internacional.
nota
NE
Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. Beleza é fundamental. O Globo, Rio de Janeiro, 07 jun. 2014.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.