"Campeões não são feitos em academias. Campeões são feitos de algo que eles têm profundamente dentro de si."
Muhammad Ali (1942-2006)
Ontem, ao tomar conhecimento da morte de Muhammad Ali, voltou a minha memória remota o papel que ele exerceu na minha formação política.
Eu era uma criança de classe média que acompanhava de forma curiosa as páginas esportivas de O Estado de S.Paulo, que meu pai assinava, quando me surpreendi com a conversão de Cassius Clay ao islamismo e a mudança do seu nome. Não entendia como um americano campeão do mundo – o máximo nos valores que existiam na época - podia querer ser muçulmano e adotar um nome esquisito, como, aliás, era o meu e que tantos problemas me causavam em uma escola conservadora.
Acompanhei sua trajetória naqueles anos 1960. Aos poucos fui entendendo Ali e isso me fez perceber o papel que os ídolos podem exercer nas transformações e na formação política dos adolescentes. Ao se recusar a ir para a guerra do Vietnã, mesmo sofrendo retaliações do governo e sendo banido do boxe, ao se manifestar contra o racismo em seu país, ao lutar contra o preconceito e pela paz, ele exerceu em mim uma influência que ajudou a configurar meus princípios éticos e políticos.
Quando voltou a lutar nos anos 1970, passei a torcer por suas vitórias como se fossem vitórias contra a opressão e a ideologia americana, que queria dominar o mundo. Lamentei muito quando soube, há mais de trinta anos, que estava doente. E me emocionei quando acendeu a tocha olímpica em Atlanta.
Deixo aqui sua resposta ao exército americano quando se recusou a ir para a guerra em 1967:
"Por que me pedem para por um uniforme e viajar 10.000 milhas para jogar bombas e atirar em pessoas morenas no Vietnã, enquanto as pessoas chamadas de negras em Louisville são tratadas como cães e lhes negam direitos básicos?".
E, ainda, uma reflexão sobre a utopia: "Impossível é apenas uma grande palavra usada por gente fraca que prefere viver no mundo como está em vez de usar o poder que tem para mudá-lo. Impossível não é um fato, é uma opinião. Impossível não é uma declaração, é um desafio. Impossível é hipotético. Impossível é temporário".
Muhammad Ali, um grande cidadão do mundo que se foi.
sobre o autor
Nabil Bonduki é arquiteto e professor titular da FAU USP. Foi superintendente de Habitação Popular da Prefeitura de São Paulo (1989-1992), Secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (2011-2012) e Secretário de Cultura da cidade de São Paulo (2015-2016). É vereador de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores.