Boa noite a todos.
Sinto-me muito honrada em estar aqui participando desta homenagem tão importante para a cidade de São Paulo, para Rosa Kliass, para todos nós.
A partir da minha visão de carioca, eu vejo que a cidade de São Paulo e Rosa Kliass estabeleceram, ao longo de todos estes anos, uma relação de desafios e de cumplicidades.
São Paulo apresentando seus desafios à Rosa. Ela, destemida, encontrando meios criativos de enfrentá-los e transformá-los em oportunidades. Foram muitos, e tanto a cidade quanto Rosa cresceram com eles. Vou destacar apenas alguns.
O primeiro destes desafios foi para a menina que, chegando de São Roque com 11 anos, tinha que ir sozinha para o colégio, pegando o bonde do bairro de Santana até o Largo de São Bento, e de lá indo à pé até o Ginásio do Estado. Para a menina, esse desafio era uma oportunidade de desvelar a cidade e seus segredos a partir das janelas do bonde, das vitrines das lojas... assim como de construir amizades importantes para o enfrentamento desse novo mundo, amizades essas que Rosa vai manter ao longo de sua vida.
Mais tarde São Paulo apresenta à Rosa outro desafio: o curso de arquitetura na FAU USP, onde ela vai construir sua formação profissional e conhecer seu futuro marido, o arquiteto Valódia Kliass. Desafio transformado numa profissão e numa família.
O próximo desafio é o de exercer a sua profissão e ao mesmo tempo acompanhar a família e o crescimento de seus dois filhos, Paulo e Sonia, numa cidade como São Paulo. Qual escola? E o escritório? E o cliente? Questões femininas contemporâneas, poderíamos pensar. Mas o pioneirismo aqui é indiscutível, uma vez que Rosa Kliass foi uma das primeiras mulheres – senão a primeira - no Brasil a estabelecer seu próprio escritório de arquitetura paisagística, isso sem abrir mão de estar sempre muito presente no cotidiano da família.
E São Paulo começa então a lhe apresentar os desafios relacionados à compreensão de sua estrutura e de sua paisagem.
Rosa inicia assim um percurso extraordinário, se debruçando sobre entendimento e planejamento dos espaços públicos da cidade de São Paulo, seus parques, praças e avenidas, sua vegetação urbana. Sua atuação profissional foi pioneira em destacar a importância do planejamento paisagístico no planejamento da cidade, chamando o poder público ao compromisso com uma melhor qualidade do ambiente urbano.
Projetou espaços notáveis que se transformaram em cartões postais da cidade, tais como o Vale do Anhangabaú, Avenida Paulista, o Parque da Juventude. São paisagens cultas, eruditas, sofisticadas, que passam a ter um papel importante na construção do orgulho cívico da cidade de São Paulo.
Com a paixão que coloca em tudo que faz, e com seu dom de agregar pessoas e atividades, organiza a profissão de arquitetura paisagista através da ABAP, provoca novas interdisciplinaridades, coloca São Paulo no mapa internacional de arquitetura paisagística iniciando um fluxo de trocas entre profissionais de São Paulo e de vários países em viagens de estudos, cursos de aperfeiçoamento, publicações, congressos e tantas outras atividades.
Assim, ao receber os desafios que a cidade de São Paulo vem lhe apresentando ao longo dos anos, Rosa Kliass – a paisagista rebelde, como bem colocou uma jornalista argentina – demonstra o quanto a arquitetura paisagística é uma das chaves mais importantes para o enfrentamento das questões urbanas contemporâneas. Rosa sem dúvida contribuiu para transformar São Paulo em um lugar muito melhor do que quando ela aqui chegou.
Hoje São Paulo reconhece e se curva à esta contribuição, agraciando Rosa Kliass com o honroso título de cidadã paulistana.
Parabéns, São Paulo! Muito obrigada, Rosa!
notas
NE1 – Texto lido durante a cerimônia ocorrida no dia 09 de junho de 2016, que outorgou o título de Cidadã Paulistana à arquiteta Rosa Kliass. Também se pronunciaram na ocasião Gilberto Belleza (presidente do CAU/SP), Nina Albu Vaisman (presidente da ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas), Juca de Oliveira (ator e conterrâneo da arquiteta), Paulo Pellegrino (professor da FAU USP), Julio Moreno (jornalista do CAU/BR), Rafael Birman (empresário), Paulo Kliass (filho da homenageada), e José Police Neto (vereador e autor da iniciativa)
NE2 – Rosa Kliass no portal Vitruvius:
BARBOSA, Antônio Agenor; PATERMAN, Rachel; RODRIGUEZ, Stella. Entrevista com a arquiteta paisagista Rosa Kliass. Entrevista, São Paulo, ano 16, n. 063.04, Vitruvius, ago. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/16.063/5585>.
CALLIARI, Mauro. O Parque da Juventude. O poder da ressignificação. Projetos, São Paulo, ano 14, n. 162.03, Vitruvius, jul. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.162/5213>.
GUERRA, Abilio. Rosa Kliass, a criadora de paisagens. Arquiteturismo, São Paulo, ano 06, n. 069.06, Vitruvius, nov. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/06.069/4588>.
KATHOUNI, Saide. Sobre um outro ícone da paisagem paulistana, a Avenida Paulista. Minha Cidade, São Paulo, ano 08, n. 092.03, Vitruvius, mar. 2008 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.092/1899>.
KLIASS, Rosa Grena. O lugar bonito. Arquiteturismo, São Paulo, ano 01, n. 001.02, Vitruvius, mar. 2007 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/01.001/1303>.
sobre a autora
Lucia Maria Sá Antunes Costa é arquiteta (Universidade Santa Úrsula, 1980) e doutora em Paisagismo (University College London, 1992). Atualmente é Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do Mestrado Profissional em Arquitetura Paisagística do Prourb FAU UFRJ.