Na última terça feira dia, dia 24 de maio de 2016, foi lançado o livro sobre o arquiteto Carlos Leão (1906-1983) com produção de Claudia Pinheiro, Maria Helena Rohe Salomon e do historiador Roberto Conduru. O livro teve uma longa maturação, pois era um projeto antigo da década de oitenta do arquiteto Jorge Czajkowski, já falecido. De forma enviesada participei do nascimento do projeto, pois Jorge Czajkowski, que me conheceu na FAU UFRJ, entre o final dos setenta e começo dos oitenta, como meu professor, identificou um parentesco distante com Carlos Leão, que era na verdade primo da minha avó.
Fiquei então responsável por agendar com Tia Ruth, uma entrevista com Carlos Leão, o Caloca em sua casa em Ipanema. O casal então passava a maior parte do tempo na cidade de Vassouras, num sítio desenhado pelo arquiteto. Nessa ocasião, ainda me lembro de Carlos Leão me pedir para acender um cigarro, que ele gostaria de dar umas tragadas, que já não eram mais permitidas por Ruth, dado ao seu estado de saúde. A entrevista foi uma amostra da personalidade boêmia e sensível de um artista culto, irreverente e provocador, que nos apresentou sua visão da cultura arquitetônica da sua geração.
De uma maneira geral, a parte da obra de Carlos Leão mais conhecida é a de desenhador de mulheres nuas, além de como arquiteto ter participado da equipe que elaborou o emblemático edifício do Ministério da Educação e Saúde – MES, chefiada por Lucio Costa, a partir de uns esboços imprecisos de Le Corbusier. Na casa de minha mãe em Belo Horizonte ainda está pendurado na parede da nossa sala, um retrato de uma bela mulher, algo voluptuosa, definida apenas por um traço minimalista, elegante e seguro de Caloca.
Ainda me lembro que o crítico de arquitetura Jorge Czajkowski tinha estruturado um plano para o livro, que pretendia lançar uma luz sobre um dos representantes da primeira geração modernista brasileira, que se envolvera em sua trajetória arquitetônica, principalmente nas demandas domésticas com casas que se afastavam do racionalismo corbusiano e tendiam para uma atitude romântica, próximo de um nativismo da arquitetura colonial brasileira. Esse conjunto de obras longe da ortodoxia racionalista e modernista, com uma feição mais tradicional era o que mais incitava a Czajkowski a produzir uma reflexão sobre Carlos Leão.
"Até recentemente a avaliação crítica desse conjunto esbarrava num problema de difícil superação: a maioria das obras apresenta uma feição tradicionalista e é posterior a projetos modernos de importância do MES e da Cidade Universitária – fato que talvez explique a clandestinidade a que foram relegadas” (1).
Interessante assinalar que essa atitude de se aproximar de um vernáculo arquitetônico mais tradicional, não significa perder de vista a continuidade dos espaços, obtida pela independência estrutural, ou a fluidez entre interior e exterior, tão presente na arquitetura dos trópicos. Afinal, muito dessa atitude está também presente na primeira obra de Lucio Costa, principalmente em suas casas unifamiliares. Parece-me que o temperamento afável de Carlos Leão admitia fazer concessões ao gosto de uma clientela nostálgica, sem abrir, no entanto, mão de uma qualidade espacial notável, e muitas vezes contraditoriamente moderna.
Ao final, o livro me parece uma oportunidade única de rever leituras históricas cristalizadas e posicionamentos ortodoxos e rígidos, mostrando-nos que autoconstrução do Brasil está sempre aberta para reinterpretações e releituras.
notas
NE – Publicação original do artigo: MOREIRA, Pedro da Luz. Blog Arquitetura, Cidade e Projeto., Rio de Janeiro, 28 maio 2016 <http://arquiteturacidadeprojeto.blogspot.com.br/2016/05/o-livro-sobre-o-arquiteto-carlos-leao.html?spref=fb>.
1
CZAJKOWSKI, Jorge. Carlos Leão: arquitetura. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2016, p. 13.
sobre o autor
Pedro da Luz Moreira é arquiteto, doutor pelo Prourb FAU UFRJ, professor da Universidade Fluminense Federal e presidente do IAB-RJ.