Cheguei em Milão e a encontrei de luto. Morria Umberto Eco. Pela minha admiração a sua obra ensaística e literária, também pude compartilhar desse sentimento de pesar, mas o que me chamava a atenção foi a extensão do luto, das manifestações difusas nos mínimos detalhes e gestos dos habitantes que apreciavam se sentirem partícipes da vida daquele genial professor, que se tornou famoso escritor.
Eco devia ser o retrato idealizado de um morador de Milão, um homem culto, cosmopolita, de opiniões agudas e originais, imerso no mundo dos livros, mas presente na vida citadina. Divaguei sobre o quanto uma cidade pode ser reconhecida nos seus habitantes, naquilo que eles encarnam com seus trabalhos, com seus modos de vida e suas opiniões. Eco dizia estar sempre narrando ou imaginando narrativas, condição fundamental de quem dá aulas ou de quem conta histórias.
Naquele momento, parecia-me correto imaginar que uma cidade são seus cidadãos, ou melhor, o que eles fazem das suas vidas. Eu estava tomado por um bom sentimento ao observar como a cidade reconhecia a importância de um dos seus, um dos nossos, que toma café a nosso lado, embarca no mesmo carro do metrô e sai à rua para fumar, de olho nos jornais e revistas da banca da esquina.
nota
NA – O presente texto é o parágrafo de introdução de um capítulo do memorial de livre-docência do autor, onde se relata a sua participação no MIAW 2016, no Politecnico di Milano.
sobre o autor
Luís Antônio Jorge é arquiteto e professor do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU USP.