“Festiva férrica, a brilhante galeria cheia de luz e música”, esta é uma das definições atribuídas à Galeria Metrópole, no centro de São Paulo, no filme O Príncipe dirigido por Ugo Giorgetti em 2002. Em entrevista concedida ao documentário “Arquiteturas”, do Sesc TV (1), o diretor diz que da Avenida São Luís era possível notá-la. Segundo ele, o prédio parecia um “transatlântico” devido a seu porte, sua iluminação e a música que se ouvia de longe, contribuindo para que a vida continuasse a fluir pelo centro de São Paulo.
O edifício, construído entre 1958 e 1964, é fruto de um concurso público que elegeu dois projetos, um de Giancarlo Gasperini e outro de Salvador Candia (2). Um inusitado pedido de que os dois arquitetos, que nunca tinham se associado, produzissem um projeto nascido da união dos dois projetos vencedores, resultou em um algo ainda mais robusto, que valorizou as características do terreno, a integração com o entorno e deu autonomia para as partes que constituem a galeria.
Diferentemente de outras galerias da época, que foram erguidas como único elemento do lote, como o Conjunto Nacional (1962), de Daniel Libeskind, a Galeria Metrópole faz frente com outros edifícios.
A galeria acaba criando uma nova testada e se integrando à Rua Basílio da Gama, que era uma viela, e se tornando um dos eixos de ligação para a Praça Dom João Gaspar. O projeto buscou tirar o maior proveito do terreno com o máximo de qualidade possível.
A arquitetura do edifício se organiza em função desses dois elementos urbanos, permitindo a continuidade da rua para o interior do edifício, desdobrando a calçada e convidando gentilmente o transeunte para seu interior, atuando como extensão da praça.
A volumetria da edificação se configura pela intersecção entre um corpo vertical, que comporta o programa de atividades de caráter privado voltada para o uso comercial, e a área horizontal, com lojas e espaços de fluxo bem articulados, e com suas faces voltadas para as cidades, dialogando harmonicamente com o entorno sem criar pontos cegos ou áreas sem retorno.
As galerias já caminhavam para a multifuncionalidade, indo dos edifícios de escritórios para lojas e restaurantes. Aos poucos novos equipamentos foram inseridos, como os cinemas.
A Galeria Califórnia foi a primeira a definir tal espaço em projeto. Já as vagas de garagem foram trazidas pela percepção dos arquitetos quanto ao rápido incremento no número de veículos, e foram inseridas no projeto da Galeria Metrópole, pioneira nesse quesito.
A qualidade dos espaços, em especial os de convívio, e as possibilidades proporcionadas pelas generosas dimensões atraíram diversos escritórios, lojas, bares, entre outros estabelecimentos, que davam vida à edificação.
Entre 1966 e 1971 havia aproximadamente 54 boates na região que mantinham a vida noturna fluindo. Segundo Pedro Marra, síndico e administrador da Geleira Metrópole, em entrevista ao Sesc TV (2016), todas as lojas foram ocupadas em 90 dias, mostrando o grande potencial de atração do empreendimento.
Devido à sua imponência, a Galeria era o ponto de encontro de alunos das instituições de ensino na área e de intelectuais da época. Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda entre outros, foram algumas das pessoas que por ali passaram.
A heterogeneidade de público demonstra o potencial de acolhimento da galeria e sua capacidade de alterar seu modo de ser em diferentes momentos do dia, indo do espaço de contemplação, trabalho e compras a um perfil mais boêmio.
Com o decréscimo da população residente no centro de São Paulo, o aumento da relevância dos espaços de shopping e a consolidação da Avenida Paulista, a galeria viu diminuir o número de seus frequentadores.
Como resultado na década de 1980, o Paribar e outros estabelecimentos fecharam suas portas e o perfil das lojas se tornou mais homogêneo, tendo forte predominância de agências de viagem e casas lotéricas.
Apesar do período de redução do número de pessoas frequentando a galeria, principalmente em horários diferentes do comercial, desde 2005 o retorno do público às suas dependências tem sido notado. Uma geração de indivíduos que buscam resgatar a história opta por trazer seus escritórios para o centro de São Paulo.
Esses indivíduos que utilizam da criatividade em suas funções e em seus trabalhos, como economistas nacionais e internacionais, como Ana Carla Fonseca Reis (3) e Richard Florida (4) demonstram em seus estudos, rumam para locais com aluguéis mais baixos e principalmente com grande oferta de transporte público, devido ao seu potencial móvel.
Normalmente, esses profissionais criativos e solucionadores de problemas usufruem do espaço em que se instalaram na sua totalidade, recuperando parte da vida e, aos poucos, movimentam a economia local e resgatam seu potencial de atração de novos incrementos.
Esse movimento de retomada do espaço da Galeria intensificou a procura por novos ocupantes, acolhendo principalmente indivíduos da classe criativa, como arquitetos, publicitários, designers etc.
Ainda em entrevista ao Sesc TV, o atual dono do Paribar, reaberto em 2005, relata o aumento de pessoas nas imediações e do movimento de seu restaurante. Para ele, era inimaginável ver, 4 ou 5 anos atrás, pessoas frequentando a galeria aos sábados à noite ou aos domingos à tarde. No entanto, diz ele que relatos de pessoas se mudando para a região e o aumento de frequentadores do local, inclusive nesses horários aos quais edifício ficaria ocioso, são recorrentes.
Outro exemplo é a transformação do Cine Metrópole, que ficou fechado por 20 anos em uma casa noturna, e fez as obras de revitalização necessárias, atendendo às normas do tombamento do edifício. Os lojistas relatam que a chegada da boate reforça o potencial da multifuncionalidade da edificação, dando uso para um espaço nobre que estava fechado. Entretanto, essa nova função tem encontrado problemas com os horários de funcionamento da galeria.
Essa é uma questão a ser considerada: após certo horário, o prédio é fechado, normalmente após as 22 horas, o que impacta negativamente nos bares e restaurantes que se beneficiariam muito do horário estendido, assegurando maior fluxo de pessoas durante a madrugada, gerando mais renda para esses estabelecimentos e favorecendo o fluxo intenso de pessoas no entorno.
Apesar da visibilidade conquistada graças à boate, especificamente esses frequentadores desfrutam da galeria no período noturno. Rever algumas políticas de uso e funcionamento poderia garantir aos bares e restaurantes um aumento dos consumidores nos horários de entrada e saída da balada, além de consolidar a posição de ponto de encontro da galeria e usufruir das possibilidades comerciais presentes nos novos usos.
Conforme Ana Carla Fonseca Reis afirma, esses indivíduos que usam a criatividade como principal forma de geração de renda, como arquitetos, engenheiros, designers etc., têm como grande desafio decidir onde morar. Ao escolher o centro, estabelecimentos que atendam ao estilo de vida desses indivíduos os acompanhariam, reverberando novas ações que conseguem recuperar parte da vida de um local.
Contudo, fica um alerta feito por Ana Carla Fonseca Reis e Richard Florida quanto à revitalização dessas áreas como resposta à chegada da classe criativa, onde os autores pontuam que a valorização da área proporcionada pelos novos equipamentos pode tornar inviável a permanência e a manutenção da vida desses indivíduos no local, forçando-os a migrar para outras áreas com custo mais acessível.
A saída desses membros que residem e trabalham na região pode resultar na perpetuação do ciclo de chegada e saída dos centros urbanos ou da segregação das classes sociais menos privilegiadas a áreas mais distantes. Como resultado desses eventos ocasionados pela valorização economia local, esses espaços estariam em processo constante de incremento populacional, revitalização, valorização e posterior decréscimo da população de caráter residencial.
notas
1
SESC TV. Arquiteturas: Galeria Metrópole, 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vSeXGP42sGM> Acesso: 29 de agosto de 2016.
2
Sobre a história do edifício, ver: CUNHA, Jaime. Edifício Metrópole: um diálogo entre arquitetura moderna e cidade. Dissertação de mestrado. Orientadora Regina Maria Prosperi Meyer. São Paulo, FAU USP, 2007.
3
REIS, Ana Carla Fonseca. Cidades criativas: análise de um conceito em formação e da pertinência de sua aplicação à cidade de São Paulo. Tese de doutorado. Orientador Nabil Georges Bonduki. São Paulo, FAU USP, 2011.
4
FLORIDA, Richard. The rise of the creative class. Nova York, Basic Book, 2002.
sobre o autor
Emílio Bertholdo Neto é arquiteto e urbanista, especialização em Educação e mestrando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor na área de Arquitetura e Urbanismo no Senac São Bernardo do Campo e pesquisador no IPIU/SP.