Naturalmente muitos de nós estamos assustados com os tempos sombrios que atravessamos! Nos últimos dias temos nos ocupado do assédio ultraconservador na cultura. E num momento em que, desde que Temer chegou ao poder, a área só faz derreter. Fico pensando não somente em seus impactos sobre o sistema de patrocínio, mas na loucura que deve estar espalhando na vida e no trabalho de milhares de artistas país afora.
Pessoalmente, como tantos, ando desacorçoado com o cenário: milícias impunes a ofender e até agredir fisicamente visitantes e funcionários de museus, jornalistas e críticos a fingir poder colocar a questão em termos estéticos, desembargadores e promotores a insuflar massas desinformadas com atos de judicialização irresponsáveis, peças sendo proibidas, exposições fechadas, artistas e instituições sendo ameaçados, autoridades quietas, nenhum freio, nenhuma punição. Ao contrário, aqui mesmo em São Paulo, esse Dória, que não pensa em outra coisa senão se cacifar pra presidente, vem a público avalizar, qual Donald Trump, a ação de desqualificados com sangue nos olhos. Da parte do secretário da cultura, até hoje: silêncio retumbante!
Não resta dúvidas – vide o canastrão truculento à frente do ataque ao MAM – que não se trata de uma questão de qualidade artística, nem muito menos de moral e bons costumes. Como também não se tratava de corrupção quando os mesmos foram às ruas gritar contra a corrupção e pelo impeachment, pois agora silenciam ante malas de dinheiro, contas no exterior, conversas de escroques na calada da noite! Para esses milicianos das fake news trata-se de puro cálculo eleitoral! Sórdida e ardilosamente planejado!
Mas o que está se erguendo ao nosso redor é uma plataforma ainda mais perigosa: a projeção política do que há de mais sombrio na humanidade, o típico totalitarismo do mercado cravado na ralé! Não dá pra discutir com bom senso com essa gente, nem nos termos da crítica de arte, nem apelando à informação fidedigna, nem ao melhor dos argumentos!
É preciso furar a comunicação com suas bases, isto é, não confundi-las com o exército de robôs com que os milicianos operam nas redes. E assumir que estamos em estado de guerra no Brasil. Guerra cultural e tecnológica por hora, mas uma guerra.
Ou cerramos fileiras na internet, na imprensa, nas escolas, nos teatros, nos museus, nas universidades, ou não restará uma centelha sequer de democracia, pra não dizer de sociedade! Se não o assumirmos – creio – não conseguiremos preservar qualquer direito à invenção e à transgressão artística, nem defender as mínimas liberdades civis! Liberdade de se expressar e de pensar, de manifestar-se publicamente, de ir às ruas, de somar-se às lutas dos sem direito, nem do que ainda não entrou ou que mal entrou no campo dos direitos. E isso implica certamente também fortalecermos e construirmos os representantes legítimos da liberdade e da democracia na grande política!
nota
NE – o presente artigo foi publicado originalmente na página do autor no Facebook.
sobre o autor
José Tavares Correia de Lira é arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
biblioteca tempos temerários
Tempos Temerários é um projeto de Abilio Guerra e Giovanni Pirelli, produzido pela equipe do Marieta (portal Vitruvius + Irmãos Guerra Filmes + produtora Cactus), que visa ser um momento de debate sobre temas da atualidade, como um laboratório permanente para pesquisar técnicas, ações e ideias de resistência e transformação politica, social e cultural.
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