O território da escultura pensado por Paulo Mendes da Rocha nasce ao ar livre, em pequena extensão com frente para duas ruas, num convite à franca visibilidade dos limites do lote, dos desníveis do solo, do recorte dos jardins.
Ele conta que implantou o museu a partir de uma “pedra no céu”, figurando o ato inaugural da cobertura de concreto protendido de sessenta metros de comprimento, flutuando sobre o terreno. A marquise baliza o projeto no horizonte da avenida Europa e se torna primordial para a estruturação do espaço do museu em níveis, chegando a cota mais baixa no fundo do terreno. A plenitude estética dos projetos do Paulo contém, em si, questões da pintura e da escultura contemporânea. Por seu turno, artistas introduzem obras na configuração espacial do edifício a partir das próprias indagações, das próprias poéticas. Adentram, por imprevisíveis apropriações, o domínio espacial de âmbito comum. O que faz o MuBE um espaço vivo. É significativa tal reciprocidade entre artes e arquitetura, considerando a linguagem escultórica reintroduzida em especificidades locais e centrada na questão ambiental.
Nesta ocasião, Marcia Pastore realiza uma ação física diretamente sobre a marquise. Veste o bloco para desnudá-lo sob outra perspectiva, atenta a materialidade dos corpos, subordinados ao equilíbrio de forças. Sem se antecipar em desenho prévio, a proposta surge num corpo a corpo local. Dá lugar a um jogo de garras e amarrações, pesos e contrapesos a tatear o bloco. Ele é oferecido na montagem de ready mades, escolhidos em lojas de material para a indústria da construção – sargentos, ganchos, encaixes e travas, roldanas e cabos de aço e notadamente fios de prumo –, que dão conta da geometria final. E com que graça! Até mesmo as peças de lastro não são extraídas do solo, mas cortadas de laje em canteiro de demolição. A obra conecta espaços e tempos, acumula saberes, subentende forças mecânicas. Introjeta longo arco de esforço humano.
nota
NE – texto sobre a exposição “Corpo de prova”, de Marcia Pastore, Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia – MuBE, São Paulo, de 07 outubro a 21 de novembro de 2017.
sobre a autora
Ana Maria Belluzzo é graduada em Curso Para Formação de Professores de Desenho (FAAP, 1966), mestre em Artes, doutora em arquitetura e urbanismo, e livre-docente (USP, 1980, 1988 e 1997). É professora titular de História da Arte (FAU USP, 1998-1999) e professora colaboradora no curso de pós-graduação da mesma escola. É membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte, Comitê Brasileiro de História da Arte, International Center for the Arts of the Americas do Museum of Fine Arts (Houston) e Conselho de Orientação Artística da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Trabalha como curadora independente.