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drops ISSN 2175-6716

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Natália Leon Nunes – a partir da experiência real de ficar presa e enclausurada em um elevador – comenta a condição contemporânea de alienação diante das máquinas de última geração.

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NUNES, Natália Leon. Elevadores, pânico e o "design do futuro". Drops, São Paulo, ano 18, n. 129.02, Vitruvius, jun. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.129/7008>.



Ontem fui pela primeira vez ao Sesc Paulista. Subi com um amigo ao último andar, onde há um café e um mirante. Quando fomos descer de elevador ficamos presos com mais oito pessoas. Não ficamos muito tempo enclausurados, mas ficamos o suficiente para acionar uma funcionária do Sesc pelo botão de alarme, ver a tela no parede do elevador se apagar, não saber em que andar estávamos e sentir que o elevador começou a descer alguns andares de repente (uma espécie de queda livre com as luzes totalmente apagadas). Passado esse pequeno pânico, o elevador subiu rapidamente ao último andar e a porta se abriu.

Os elevadores do Sesc são semelhantes aos de uma empresa grande na qual eu dava aula. Prateados, quase sem botão nenhum na parte interna. O andar é acionado enquanto esperamos os elevadores – no botão em que, no geral, apenas acionamos o elevador indicando se vamos subir ou descer, há os números dos andares do prédio – e um painel luminoso indica pra qual dos elevadores (A, B, C...) devemos nos dirigir. Entendo que esse sistema evita que um mesmo elevador pare de andar e andar e diminui o tempo de espera das pessoas. Mas não deixo de pensar no aspecto visual desses novíssimos elevadores e nos possíveis efeitos que ele causa em seus usuários.

Nos elevadores mais comuns, acionamos o andar já dentro da caixa. Em muitos deles, ainda há um interfone que usamos para falar com a portaria. Também é comum um espelho – elemento presente no elevador do Sesc, mas ausente nos elevadores dessa empresa que eu frequentava.

Os botões dentro da caixa, à disposição dos usuários, sugere maior controle às pessoas que estão dentro do elevador. Se o elevador passa a descer rápido, é possível acionar um andar na tentativa de pará-lo. O interfone está ali para um pedido de socorro, um objeto à disposição de quem fica preso ou tem algum problema. Nos elevadores moderníssimos, não podemos acionar os andares. Confiamos na máquina, que foi “avisada” do andar em que iríamos, mas quando vemos que ela não obedeceu aos comandos, já não temos como apertar nenhum botão. Ontem, acionamos a funcionária apertando um botão de alarme. Ficamos esperando até que sua voz surgisse de um fone discreto de uma das paredes. Sem um interfone que pudéssemos pegar com uma das mãos, não sabíamos se ela ainda estava lá, se a “linha” tinha caído etc. Fico me perguntando se uma pessoa idosa saberia identificar o discretíssimo alarme naquela caixa prateada, se não procuraria um telefone em alguma parede para se comunicar com alguém do lado de fora.

No caso do elevador da empresa que já citei, a ausência de espelho dava mais um aspecto curioso ao local. O espelho reflete as pessoas que estão ali dentro. Numa caixa prateada de um elevador supermoderno, sem botões ou interfone, ele possibilita que enxerguemos a presença humana quando estamos sozinhos na caixa. Rodeados de metal brilhante, num cenário que lembre filmes como Star Wars, cheios de robôs e naves, vemos ali uma pessoa, que colore o espaço com roupas coloridas, a pele rosada, o cabelo que ela arruma enquanto vê sua imagem refletida. Na caixa prateada sem espelho isso some. Estamos dentro de uma cápsula na qual não nos reconhecemos. A nós nos foi prometida uma viagem rápida e eficiente, mas quando algo dá errado, não temos como agir. Não que em elevadores com botões, espelhos e interfones possamos controlar tudo. O controle é obviamente uma ilusão. Mas onde ainda há esses elementos, podemos nos sentir dentro do jogo. A máquina quer nos levar ao andar errado e nós tentamos tomar as rédeas da situação, apertando botões de andares diferentes. Na caixa prateada, já não há essa possibilidade.

Depois da queda livre com as luzes apagadas, todas as pessoas ao meu redor e eu ficamos assustadas. A tela que mostrava os andares reacendeu, mas em vez de dizeres em português, havia frases em japonês, de modo que não sabíamos que mensagem era dita ali.

O filme Matrix, do qual eu não gosto, partiu de uma má leitura de Jean Baudrillard (segundo o próprio autor, aliás) e descreveu um conflito entre máquinas e homens, conflito em que a vilania estava do lado das máquinas e a resistência estava do lado dos homens. Os valores morais apresentados pelo filme atualizam a velha fantasia de que robôs irão nos matar. A questão verdadeira não me parece essa. São os homens que estão matando os homens, é uma parcela pequena dos homens que fica com a maior parte da riqueza enquanto uma grande massa não tem mais emprego porque foi substituída por máquinas. Nas guerras, há drones e bombas, mas ainda são homens que acionam esses objetos.

A questão de ontem não era que o elevador fosse malvado, mas que naquela caixa prateada já não nos reconhecíamos, não sabíamos o que fazer. Os elevadores, como os aviões, a anestesia e tantas outras invenções, surgem para nos proporcionar maior bem-estar. Esses elevadores modernos portam a promessa da tecnologia que nos faz subir dezessete andares em poucos segundos. Mas sua aparência, que ostenta o visual do novo, do futuro, da viagem rápida, também nos proporciona o pânico. Na caixa prateada, nada podemos fazer. A promessa do futuro é também o atestado da impotência e um catalisador do pânico, como observei na menina ao meu lado que pediu que eu segurasse sua mão gelada.

Ah, antes que eu me esqueça: meu amigo e eu saímos do elevador no décimo sétimo andar com as pernas tremendo. E, obviamente, descemos tudo pelas escadas.

sobre a autora

Natália Leon Nunes é graduada em Filosofia pela Universidade de São Paulo.

 

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