Em Higienópolis, região central da cidade de São Paulo, um trecho da rua Maranhão por onde eu circulo diariamente ganhou, alguns meses atrás, um desengonçado caixote. Sempre de passagem, eu pude observar todo o processo.
O endereço, rua Maranhão 812, já era há muito tempo um ponto comercial. Desde a década de 1970 vários restaurantes e bares funcionaram ali, instalados em um belo sobrado remanescente dos tempos em que o bairro ainda não era verticalizado. O último foi o que mais tempo ficou: um restaurante vegetariano que fechou as portas do palacete em julho de 2017, depois de 20 anos instalado nele.
A demolição aconteceu em julho mesmo, e a construção do caixote começou logo em seguida, avançando dia a dia.
Mas o que será que iria funcionar ali? Minha curiosidade foi satisfeita em meados de setembro, quando uma grande faixa horizontal, em tons de verde e azul, cobriu de um lado a outro o caixote, já em pé. A faixa era parte da identidade visual de uma rede de drogarias.
Mas com isto veio outra indagação: por que essa grande rede considerou que uma casa tão rara e bela como aquela não servia para abrigar uma farmácia? Terão achado que as pessoas não iam querer entrar para comprar seus remédios? Que uma drogaria não pode dar certo se seu prédio não for, ele também, uma droga?
Nem mesmo a falta de espaço para estacionamento poderia ter sido a razão. Na frente do sobrado antigo, em área originalmente ocupada por jardim, havia seis generosas vagas!
A resposta mais plausível me foi dada, mais uma vez, pela grande faixa horizontal.
É que a velha casa não comportava o expediente ético para o qual o caixotão foi especialmente projetado: recuar a marca da rede meio metro para dentro do prédio, ajudando a burlar a legislação municipal que restringe o tamanho de anúncios e letreiros instalados na fachada.
Quem diria: uma casa inteira derrubada por um simples jeitinho.
sobre o autor
Martin Jayo é professor da EACH-USP e editor do blog "Quando a cidade era mais gentil".