Dias que seguem: depois de ler tantos textos incríveis e ver tanta indignação diante do incêndio que destruiu o Museu Nacional, pensei que não ia escrever. Mas, a escrita abranda a dor que sai de mim.
Preciso expressar minha tristeza, e lembrar Sergio Bernardes. Para ele o Brasil era a metáfora de um mendigo que dormia sobre um saco de ouro. Era contrário a politica de exportação de nossas riquezas enquanto criávamos empregos na China. E, dizia: o fracasso contemporâneo é a subutilização do nosso povo promovido por um sistema de poder que cria um jogo financeiro cuja moeda não tem lastro. Damos, hoje, um tempo que não volta e recebemos um dinheiro que não compra. Para Sergio a moeda deveria se chamar “abstrato”.
Às vésperas de seu centenário, ele nunca foi tão atual.
Preocupa-me ver o patrimônio intelectual de Sergio Bernardes e de tantos outros brasileiros: Afonso Eduardo Reidy, Irmãos Roberto, Jorge Machado Moreira, Carlos Leão, Severiano Mário Porto, apenas para citar alguns dos baluartes da nossa arquitetura moderna brasileira, sob a guarda de instituições culturais abandonadas pelo poder politico e que vivem tantos reveses, estando à mercê de um Congresso ocupado em apenas votar pautas inacreditáveis, como a PEC dos gastos. Isso sem atualizar tantas outras mazelas.
Há pouco mais de dois anos a UFRJ, onde se encontram esse acervos, sofreu um incêndio de enormes proporções e de repercussão internacional e até hoje está em obra e nem ao menos possui uma brigada de incêndio.
Dedico-me, há mais de 20 anos, ao trabalho de preservação, recuperação e difusão da obra de Sergio Bernardes e desde 2012, com o apoio do escritório Bernardes Arquitetura, criamos o Projeto Memória que visa divulgar as obras de Claudio Bernardes e Sergio Bernardes. Nosso objetivo é divulgar e disponibilizar essas ideias e ideais a todos os estudantes e pesquisadores. Além de promover, através de diversos suportes e mídias, uma discussão aberta sobre os valores defendidos por Sergio Bernardes junto à sociedade em geral.
Concordo que um povo sem memória é um povo sem alma! E acabamos de perder parte de nossa história. Para ser precisa, duzentos anos de nossa Memória. Algo irrecuperável!!! Para toda a sociedade e, principalmente, para pesquisadores que dedicaram suas vidas a essa instituição e fizeram do Museu Nacional suas casas.
Nós não seremos capazes de nos constituirmos como uma nação e garantir nossos direitos sociais se não alcançarmos a noção de que estamos ligados por uma cultura e tradições. Lembrando que o Brasil é quase um continente, com múltiplos interesses. Precisamos, portanto, assumir nossa responsabilidade cidadã e encontrar nossa prioridade.
Replicando Sergio Bernardes: “os governos tiveram, até hoje, como prioridade administrarem o poder e não o país, financiados por homens que fazem sucesso em cima do fracasso contemporâneo.”
sobre a autora
Kykah Bernardes é graduada em Comunicação Social pela PUC-RJ. Trabalhou com Sergio Bernardes no Laboratório de Investigações Conceituais – LIC, e colaborou com a Fundação Oscar Niemeyer. Organizou com Lauro Cavalcanti, em 2010, o livro Sergio Bernardes, pela Artviva Editora, e em 2014 coordenou a pesquisa documental do filme Bernardes. Atualmente, coordena projetos de pesquisa sobre Sergio Bernardes através do escritório Bernardes Arquitetura onde, em 2012, criou com Thiago Bernardes, o Projeto Memória.